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Bernadette O’Hare
Professora de saúde global da University of St Andrews (Escócia).
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Cecília Figueiredo
Dubladora voluntária do É da Sua Conta
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Carlos Ocké-Reis
Economista do IPEA e ex-presidente da ABRES – Associação Brasileira de Economia da Saúde
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Matheus Falcão
Ativista pelo direito à saúde no Movimento Global de Saúde dos Povos e no Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES).
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Pedro Nakamura
Repórter de tabaco de O joio e o trigo
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Umberto Sidibé
Estudante do 7º ano do ensino fundamental em escola pública do Estado de São Paulo
Água potável, ar puro, alimentos saudáveis, saneamento básico e moradia digna, serviços de saúde de qualidade, são algumas das condições para garantir a saúde das pessoas. A tributação justa pode pavimentar o caminho para que a população mundial possa ter acesso a essas e outras políticas públicas que melhorem a saúde global.
Receita, Redistribuição, Reprecificação, Representação e Reparação. No episódio #73 do É da Sua Conta, os 5Rs da justiça fiscal são o guia para mostrar que tributação pode salvar vidas.
No episódio #73 Você ouve:
- Como a médica Bernardette O’Hare passou a estudar a relação entre saúde global e tributação após atuar como pediatra em países africanos.
- Muito além da arrecadação: 5Rs da justiça fiscal explicam que a tributação pode mudar a cara de um país e salvar vidas!
- Receita, Redistribuição, Reprecificação, Representação e Reparação: os 5Rs da justiça fiscal detalhados e relacionados com a saúde
- O lobbie da indústria do tabaco para contribuir com menos impostos e liberar vapes no Brasil
“Embora eu tenha adorado trabalhar na África, minhas preocupações com a injustiça fiscal fez com que eu fosse estudar e ver o que poderíamos fazer para melhorar.”
~Bernardette O’Hare, Universidade St. Andrews“O acesso a bens e serviços públicos de saúde é uma maneira indireta de redistribuir renda. Ao gastar menos com bens e serviços privados de saúde, libera-se renda para o consumo”.
~ Carlos Ocké-Reis, IPEA“Empréstimos internacionais ou outras formas de financiamento torna o Estado dependente de quem emprestou. Pode ser um ente de mercado, o FMI ou o Banco Mundial, cujas demandas podem entrar em conflito com objetivos democraticamente definidos, por exemplo, a realização do direito à saúde”
~Matheus Falcão, Movimento Global de Saúde dos Povos“Os impostos estão entre as medidas de saúde custo-efetivas para se reduzir os índices de tabagismo, porque a questão do preço importa.
~Pedro Nakamura, O joio e o trigo
Som de porta abrindo e fechando
Daniela Stefano: Umberto! Estava pesquisando pro É da Sua Conta e só agora fiquei sabendo que cigarros eletrônicos são totalmente proibidos no Brasil!
Umberto Sidibé: Sério? Mamãe, Na minha sala tem criança que fuma! Na porta da escola tem um monte de criança que fica fumando!
Pedro Nakamura: Ah, isso é horrível. Se uma criança fuma vape, é justamente isso que a indústria de tabaco quer, né? 23:30.68 Você tem um período vital ali na adolescência até os 18 anos, onde é muito provável que você se torne dependente da nicotina se você experimentar cigarro. Então, a indústria do tabaco precisa que o jovem fume pra garantir que tenha consumidores pra vida inteira.
Música É da Sua Conta
Grazielle David: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas e o planeta. Eu sou a Grazielle David.
Dani: E eu a Dani Stefano. O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.
Música É da Sua Conta
Grazi : O tema do episódio #73 do É da sua conta é como os 5Rs da tributação podem ser um caminho para melhorar a saúde das pessoas e do planeta.
Música
Grazi: O avanço da reforma tributária internacional na ONU é urgente já que os desafios globais de saúde e de clima escaralaram com a previsão de mais pandemias e a emergência climática. Essa constatação está na edição de 2025 do livro anual Global Health Watch, do People’s Health Movement. Em português, seria Relatório Global de Saúde, do Movimento pela Saúde dos Povos. A ideia do anuário é trazer a perspectiva dos povos em relação às principais questões de saúde com o objetivo de dar ferramentas para ativistas e a população em geral com informações que fortaleçam a luta mundial por esse direito.
Dani: A tributação justa como caminho para uma melhor saúde é o tema de um dos capítulos do livro. Uma das autoras é Bernadette O’Hare. Ela é professora de saúde global da escola de medicina da Universidade St Andrews, na Escócia. A Bernadette contou que foi apenas quando atuou como pediatra em países da África que notou que impostos são cruciais para a saúde.
Bernadette O’Hare: Eu sempre quis trabalhar como pediatra e sempre quis trabalhar na África. E, de fato, tive a sorte de trabalhar em vários países. Mas foi durante esse trabalho que notei que as crianças chegavam frequentemente com doenças simples, como por exemplo, diarreia. Muito fácil de tratar. Nós as tratávamos com líquidos. Mas essa mesma criança voltava depois de alguns dias ou semanas. E, infelizmente, na segunda ou terceira readmissão, às vezes ela estaria desnutrida porque a diarreia recorrente resulta em má absorção de alimentos. Então, comecei a pensar: por que as crianças estão sofrendo com essas doenças recorrentes? Até então, eu só me interessava pelo aspecto clínico da saúde e dos problemas de saúde, mas aí comecei a questionar o que aconteceu de errado para que essas crianças apresentassem tantas doenças.
Grazi: E ela se perguntava o motivo de 100% das crianças da comunidade em que ela atuava não terem acesso a políticas públicas básicas para viver com saúde. Faltava água potável, saneamento, ar puro, eletricidade, meios de cozinhar que reduzissem a exposição das pessoas a fumaças e poluentes nocivos.
Bernadette: Enquanto eu trabalhava como pediatra em Malaui, comecei a ler e pesquisar sobre essa questão. E a conclusão a que cheguei foi que o governo simplesmente não tinha a força, a receita ou a capacidade, em termos de eficácia governamental, para fornecer esses serviços. Então o próximo passo lógico foi começar a pensar em como os governos poderiam obter mais receita. E analisando a literatura, me pareceu que a chave era que havia fluxos de saída e que precisávamos aumentar os fluxos de entrada. Enquanto pesquisava, encontrei um artigo muito interessante de Alex Cobham, da Tax Justice Network. Nesse artigo, ele escrevia sobre o impacto da fuga financeira ilícita, resultando na perda de receita dos governos e no aumento da mortalidade infantil. E isso realmente me inspirou a seguir essa linha de investigação.
Dani: Bernadette, como foi a sua experiência como médica no Malawi e em outros países africanos?
Bernadette: Então, minha experiência de trabalho no Malaui e em alguns outros países africanos foi absolutamente maravilhosa. E foi o ponto alto de minha carreira por vários motivos. Suponho que o primeiro tenha sido a oportunidade e o privilégio de trabalhar com colegas comprometidos com a saúde infantil e que tentavam fazer com que os recursos limitados disponíveis fossem utilizados o máximo possível para garantir que o maior número possível de crianças sobrevivesse e prosperasse.
Grazi: O capítulo sobre saúde e impostos para o anuário do Movimento Global de Saúde traz dados do relatório Estado da Justiça Fiscal 2023, da Tax Justice Network. E calcula que todos os dias, 15 milhões de pessoas teriam acesso à água, 32 milhões ao saneamento básico. Além disso, 101 crianças sobreviveriam e 11 mães não morreriam durante o parto. E isso seria possível se os governos tivessem uma receita equivalente ao que se perde para o abuso fiscal global. Por outro lado, quando descobriu a importância de arrecadar recursos, a Bernadette entendeu que as coisas só vão mudar se as pessoas que tomam decisões souberem o impacto que a justiça fiscal tem na vida das crianças e mulheres.
Bernadette: Então, aqui estou pensando, por exemplo, em CEOs e membros de conselhos de administração de empresas, acionistas e investidores que poderiam realmente insistir que suas empresas contribuam para as finanças públicas. Isso também me fez pensar sobre as pessoas que facilitam o abuso fiscal, como contadores e advogados, e que estão distantes do efeito do impacto do que fazem. Também estou pensando nos responsáveis pelas políticas dos países de alta renda que possibilitaram o abuso fiscal, como os governos que, por exemplo, votaram na ONU contra a Convenção Tributária. Portanto, embora eu tenha adorado trabalhar na África, minhas preocupações com essas questões fizeram com que eu tivesse que realmente estudar e ver o que poderíamos fazer para mudar essas coisas para melhor.
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Dani: Quando se pensa nos efeitos das injustiças fiscais, uma das melhores maneiras para entender que tributação vai além da arrecadação e pode mudar vidas é com os 5Rs da Justiça fiscal. Os 5Rs da justiça fiscal são Receita, Redistribuição, Reprecificação, Representação e Reparação.
Grazi: Receita, para financiar serviços públicos, infraestrutura e administração.
Dani: Redistribuição, para reduzir as desigualdades entre indivíduos e entre grupos.
Grazi: Reprecificação, para desincentivar os “males” públicos, como o consumo de tabaco e as emissões de carbono.
Dani: Representação, para construir processos democráticos e autônomos. Isso porque se um governo tiver mais recursos para financiar políticas públicas vindos da tributação – e menos de empréstimos ou doações – poderá governar com mais qualidade e atender melhor a população deste país.
Grazi: Reparação, para lidar com os estragos causados pela colonização histórica, o machismo, o racismo e os danos ecológicos.
Dani: A Bernadette explica a importância do primeiro R, Receita, para a saúde.
Bernadette: 70 a 85% da receita do governo provêm de impostos. Estes impostos pagam os serviços públicos. O outro aspecto da receita é que a prestação de serviços públicos garante que todos tenham acesso a eles, o que beneficia principalmente as pessoas de mais baixa renda.
Grazi: O Carlos Ocké-Reis. economista do IPEA e ex-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, concorda.
Carlos Ocké-Reis: O fortalecimento da receita pública é pré-condição para que consigamos fazer com que os pressupostos constitucionais do SUS, no que se refere à sua configuração universal, integral, tenha um papel redistributivo, é fundamental, porque nós gastamos muito pouco em saúde. Esses recursos são insuficientes para, por exemplo, fazer com que revertamos na composição do gasto total em saúde a relação público e privado, onde o privado, grosso modo, aplica 60% dos recursos e o setor público 40%. Nós precisamos inverter essa relação.
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Dani: Políticas públicas, como saúde, levam o segundo R da tributação para a prática, ou seja, a redistribuição. Impostos progressivos, quando quem têm mais contribui mais e quem têm menos contribui menos é outra maneira de praticar redistribuição .
Grazi: Porém, quando os estados não adotam a progressividade e contam mais com impostos regressivos, como sobre o consumo, eles tiram de quem menos tem para dar a quem mais tem. Bernadette:
Bernadette: No entanto, o abuso fiscal significa que há menos receitas, o que faz com que os governos, às vezes, sejam forçados a usar políticas regressivas, como impostos sobre consumo. Eles são regressivos porque a taxa cobrada é fixa para ricos e pobres, o que significa que os pobres pagam o mesmo imposto de consumo que os ricos, mas isso toma uma proporção muito maior de sua renda. E já foi demonstrado que isso afeta principalmente as mulheres.
Dani: Se as mulheres são as mais impactadas por sistemas tributários regressivos, é fundamental transformar os sistemas tributários em progressivos e orçamento público em instrumentos de garantia de direitos para promover redistribuição na sociedade.
Carlos: Essa característica do setor saúde de ser redistributivo, ou seja, ao permitir que o cidadão, que a cidadã tenha acesso aos bens e serviços públicos de saúde, você está indiretamente redistribuindo renda e permitindo que elas gastem menos com bens e serviços privados de saúde, liberando, inclusive, renda disponível para o consumo. Ao lado do fato da saúde ter alto efeito multiplicador na economia, ou seja, de um lado redistribui renda, de outro dinamiza a economia, então tem um efeito macroeconômico, tem um efeito social, em momentos de crise inclusive isso é fundamental. É o seu papel redistributivo, ou seja, de ataque frontal à desigualdade, que é um problema estrutural do nosso país, que persiste, que precisa ser atacado.
Grazi: Assim como os impostos são importantes para fortalecer a saúde das pessoas, a saúde pública também é fundamental para fortalecer a economia dos países. Investir em saúde é estratégico para o crescimento econômico. No Brasil, cada real que é investido em saúde pública gera um retorno de 1 real e 61 centavos no PIB.
Bernadette: Assim, por exemplo, uma criança saudável poderá ter uma educação melhor, conseguirá um emprego melhor, ganhará salários e pagará impostos que voltarão para o governo e para os serviços públicos para a geração futura, gerando assim um ciclo virtuoso e, quando as pessoas têm acesso aos determinantes da saúde desde o início até o fim da vida, podemos ver como isso afeta positivamente a economia.
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Dani: Adicionar impostos a produtos nocivos à saúde como álcool, tabaco ou ultraprocessados é o terceiro R, da reprecificação. Esse R também se refere ao que faz mal ao meio ambiente, como agrotóxicos e poluição do ar, e que devem ser reprecificados como forma de garantir saúde humana e do planeta.
Bernadette O’Hare:
Bernadette: O que realmente contribui é que eles impedem o consumo de produtos não saudáveis, o que leva a uma população mais saudável e a uma menor perda de receita com o custo de doenças. Por exemplo, o custo de pessoas com câncer de pulmão é muito caro para o orçamento de um governo e desvia recursos que deveriam ir para outros setores.
Grazi: Matheus Falcão, do Movimento de Saúde Global dos Povos e do Centro Brasliero de Estudos em Saúde, o CEBES.
Matheus Falcão: Nós temos aí alguns produtos, por exemplo, bebidas açucaradas, tabaco, alimentos ultraprocessados, que comprometem de forma muito significativa a saúde das populações, saúde individual, representam aí interesse econômico muito forte de grandes empresas, geralmente situadas no norte global, como por exemplo a indústria de alimentos, e existe o tributo como uma ferramenta para desestimular o consumo desses chamados produtos que tem aí essa relação de determinação comercial da saúde. Então a gente está falando de um tributo, por exemplo, que justamente por aumentar o preço do produto desestimula o consumo do tabaco ou do açúcar, ou de alimentos ultraprocessados.
Dani: O Brasil se tornou referência mundial por ter reduzido o consumo de cigarro através de uma combinação de políticas públicas. Além do aumento dos impostos sobre o produto, proibiu fumar em ambientes fechados, em 1996, e realizou campanhas de conscientização, como o Programa Nacional de Combate ao Tabagismo, juntamente com tratamento do tabagismo em serviços de saúde. E isso foi possível também devido ao aumento de arrecadação e direcionamento para a saúde.
Grazi: A reprecificação é importante e deveria ser mais e melhor utilizada. Inclusive no caso dos vapes, que têm sido um instrumento das indústrias do tabaco para voltar a lucrar no Brasil, gerando um novo vício, especialmente entre adolescentes e jovens.
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Dani: Ainda relacionado à reprecificação, uma das preocupações do capítulo sobre saúde e impostos escrito pela Bernadette e demais autoras é com as multinacionais que fazem lobbies junto aos governos para garantir altos lucros, mesmo que isso custe vidas. Uma destas é a indústria do tabaco.
Pedro: E no caso da indústria do tabaco, como ela não tem espaço junto às autoridades de saúde, por questões óbvias um dos focos dela é justamente focar nessas pessoas que são, por assim dizer, stakeholders desse processo, mas não estão ligados à área da saúde diretamente, como as receitas federais, como as polícias, por exemplo, para ficar falando da questão do contrabando, dizer que o cigarro está caro demais porque tem muito imposto em cima dele, então tem que abaixar o imposto porque isso vai reduzir o contrabando, eles usam esses argumentos.
Grazi: Este é o Pedro Nakamura, repórter de tabaco de “O Joio e o Trigo”. Para combater os males causados pela indústria do tabaco no mundo todo, existe a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da ONU. Ela prevê que os países signatários protejam suas políticas públicas da influência desta indústria.
Pedro: E os impostos estão entre as medidas custo-efetivas, as medidas de saúde para se reduzir os índices de tabagismo, porque a questão do preço importa.
Dani: Uma reportagem que o Pedro Nakamura fez para o Joio e o Trigo mostra a falta de transparência das atas das reuniões entre empresas multinacionais de cigarro e a Receita Federal no Brasil, o que viola a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da ONU:
Pedro: Ela não é punitiva, ela não tem nenhum grau de enforcement, ela é basicamente um acordo que diz, olha, vamos cuidar da população porque a epidemia de tabaco é um problema, então devemos fazer esse conjunto de ações, transparência é uma delas justamente para que as pessoas possam acompanhar o que a indústria está fazendo, o que ela está se movendo. Então, é muito importante a gente saber o que eles estão conversando com a Receita Federal, com as polícias, porque é ali que o lobby pesado está acontecendo, porque com a Anvisa, por exemplo, as agências de saúde, o Ministério da Saúde, eles não têm essa abertura.
Grazi: Pedro, na sua reportagem você relaciona estas reuniões da indústria de cigarro com a Receita Federal com outra reunião, que aconteceu entre Receita Federal e Agência Nacional de Vigilância Sanitária, na qual a Receita pedia para a Anvisa a liberação dos cigarros eletrônicos. Também conhecidos por vapes, os cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil desde 2009 pela inexistência de dados científicos que comprovem a segurança no uso e manuseio de dispositivos eletrônicos para fumar. Por que a liberação de vapes interessa tanto a essas empresas?
Pedro: A liberação de vapes interessa às empresas de cigarros porque é o meio que elas têm para sobreviver no século 21. O cigarro tem muita regulação em cima dele, você tem restrições muito fortes, seja de embalagem, seja de espaços de fumo, e o cigarro eletrônico surge como uma nova alternativa para viciar as pessoas em nicotina. Então, o cigarro eletrônico, é uma espécie de alternativa, com muitas aspas, que a indústria do fumo traz para manter o vício algo popular.
Dani: Ou seja, cigarros eletrônicos são uma alternativa para que essa indústria siga lucrando. Ainda que seja maléfica para a saúde de toda a população.
Pedro: basicamente elas são empresas que lucram com o vício e a morte. Quanto mais clientes eles tiverem, quanto mais, ente aspas, satisfeitos eles tiverem, mais doentes eles vão estar. Porque o tabaco é uma epidemia, a pessoa que fuma é uma pessoa que tem uma doença, ela tem uma dependência daquilo, e aquela dependência vai gerar uma série de problemas de saúde. Então, na área da saúde se fala em uma epidemia de tabaco, é uma indústria que vende doença, é uma indústria que vende doença e mata.
Grazi: Para Pedro Nakamura, a legalização dos cigarros eletrônicos não irá diminuir o contrabando.
Pedro:– quando a gente olha para o que está acontecendo nos Estados Unidos, quando a gente olha para o que está acontecendo no Reino Unido, a gente tem uma parcela de mercado ilícito de vape muito maior do que é comparado ao cigarro tradicional. Às vezes, 80%, 90% do mercado é de produto ilícito.
Dani: No caso brasileiro, a legalização do cigarro eletrônico dificultaria ainda mais o trabalho da Receita Federal.
Pedro: Então, havendo a legalização, você tem uma margem muito forte para você ter uma parcela ainda maior do mercado ilícito e com uma dificuldade ainda maior de fiscalização, porque aí os agentes aduaneiros, os policiais rodoviários, todos os enforcements, eles vão ter que aprender a distinguir o produto falsificado do legal.
Grazi; E a Receita Federal brasileira já tem dificuldades demais para controlar o tráfico. Um estudo do Sindifisco Nacional, mostra que pelo menos 12 áreas de fronteiras estão abertas e sem nenhuma presença aduaneira por falta de estrutura e de profissionais.
Dani: O Pedro contou que um relatório da Universidade de São Paulo financiado pela indústria do tabaco para tentar pressionar pela legalização dele simulou quanto se ganharia com impostos caso o cigarro eletrônico fosse liberado. Na simulação deles, o vape sairia por volta de 286 reais. O mesmo tipo de vape é vendido no Paraguai a 8 ou 9 dólares, cerca de, 50 reais.
Grazi: Liberar os vapes vai favorecer a indústria de tabaco, não vai resolver o tráfico e, pior, vai facilitar ainda mais o acesso a cigarros eletrônicos e, portanto, aumentar o número de pessoas doentes.
Dani: Apesar de todos essas constatações, durante a discussão da Reforma tributária sobre o consumo, as empresas de cigarros continuaram pedindo impostos mais baratos com o argumento de que essa medida combateria o contrabando.
Pedro:- você tem um lobby forte da indústria do fumo, da indústria do tabaco, a BAT com um lobby muito forte no Congresso, a Philip Morris também com um lobby muito forte, as duas principais, né?
Grazi: B-A- T é a British American Tobacco, antiga Souza Cruz.
Pedro 10: Todo mundo já sabe que é horrível, eles mesmos admitem nas entrelinhas que é horrível, mas sempre que se tenta impor novas restrições ao consumo desse produto horrível, seja contra aditivos, que é uma coisa que a Anvisa tentou fazer, seja outras restrições de disponibilidade e de política de preço, essas indústrias são completamente contra.
Grazi: A reforma tributária aprovou um aumento na alíquota dos impostos aos cigarros, que irá aumentar gradualmente e será totalmente implementado até 2033.
Dani: A lei já proibe os vapes, mas na prática se expande na sociedade brasileira, especialmente em grupos vulneráveis a propaganda e pressão social: adolescentes e jovens. É fundamental fortalecer a fiscalização e o cumprimento das leis. Matheus Falcão
Matheus: Eu acho particularmente preocupante, é que nós ainda não usamos muito essas ferramentas e geralmente fazemos o contrário, ou seja, por meio de incentivos fiscais, ao invés de tributar eu tiro tributos, a gente acaba estimulando um modelo de desenvolvimento que é bastante negativo para a saúde.
Grazi: De acordo com reportagem de O Joio e o Trigo, com dados do Ministério da Fazenda, o governo federal deixou de arrecadar 8 bilhões de reais, quase 1 bilhão e meio de dólares, das fabricantes de refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas entre 2015 e junho de 2024. Quem mais se beneficiou, de acordo com a reportagem, foi a Recofarma, da Coca-cola, com cerca de 4 bilhões e meio de reais em benefícios fiscais. A empresa fabrica na Zona Franca de Manaus o xarope que abastece a produção de refrigerantes da Coca-Cola em todo o Brasil.
Matheus: O estímulo, por exemplo, por meio de incentivos fiscais de bebidas açucaradas na Zona Franca de Manaus, no Brasil, é um ótimo exemplo. A gente acaba estimulando o consumo de uma bebida que não traz nenhum benefício para a saúde e muito pelo contrário, acaba prejudicando e também gerando, por consequência, impactos muito significativos na economia brasileira, nos gastos que a gente tem no sistema de saúde.
Dani: Já existem diversos estudos mostrando a relação entre destruição ambiental e impacto na saúde humana. Vários deles são sobre o agronegócio, que recebe incentivos governamentais desde a década de 70 do século passado. Monocultivos de soja, milho e cana-de-açúcar, por exemplo, ocupam enormes extensões de terras e desertificam o solo. Utilizam toneladas de agrotóxicos, que contaminam águas, terra e a população rural ao redor, que acaba sendo expulsa e deixa de produzir alimentos que poderiam ser consumidos no campo e na cidade.
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Grazi: A representação é o quarto R e está relacionado a construir um sistema tributário democrático, com o diálogo entre as pessoas que vivem em um país e seu governo. Como estão contribuindo com impostos têm o direito de exigir que os governos prestem contas do modo como estão arrecadando e executando os recursos. Bernadette O’Hare:
Bernadette: Quando o imposto sustenta a relação entre a sociedade e o governo, ajuda a construir estados saudáveis e eficazes, capazes de fornecer os serviços públicos essenciais para a saúde.
Dani: E esta interação entre a população e o governo é muito importante também para o direito à saúde, para que seja bem financiada e garanta acesso universal e de qualidade para todes. Matheus Falcão
Matheus: O Estado pode se financiar de diferentes maneiras, mas a forma mais adequada que dá mais independência para o Estado atingir os seus objetivos, objetivos esses que a gente espera são democraticamente definidos, são justamente os tributos. Quando a gente sai do campo tributário e vai, por exemplo, para empréstimos internacionais, outras formas de financiamento, a gente começa a enxergar relações de dependências, ou seja, o Estado toma dinheiro e torna-se dependente de quem emprestou. E esse ente pode ser um ente de mercado, uma organização internacional, como o FMI ou o Banco Mundial, acaba ali tendo determinadas demandas, muito dessas, como a gente vê, podem entrar em conflito com esses objetivos democraticamente definidos, por exemplo, a própria realização do direito à saúde. Então, os tributos são fundamentais para financiar o Estado enquanto realizador desses projetos coletivos de solidariedade social.
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Grazi: Um projeto coletivo de solidariedade social está relacionado com o quinto R da tributação, a reparação. Reparar, internancionalmente, com justiça fiscal os danos causados pelo Norte ao Sul Global. Foram séculos de genocídios de povos originários, escravização de pessoas e extração de riquezas. O quinto R também se relaciona com o papel desproporcional dos super ricos, países do norte global e multinacionais como maiores poluidores e agravadores da crise climática. E que, por isso, devem ser mais responsabilizados. É reparar as relações estruturais de exploração e dominação, explica Carlos Ocké-Reis, economista no IPEA.
Carlos:– A questão tributária está colocada para reparar historicamente uma estrutura social que é concentradora de renda, riqueza e poder. Então é muito oportuno esse R, porque ele coloca a perspectiva estratégica da questão tributária como elemento estratégico para mudar essa estrutura desigual e concentradora de renda, riqueza e poder que no século 21 ainda encontramos na sociedade brasileira.
Dani: Para a Bernadette, se a justiça fiscal for implementada, vai poder contribuir para reparar a histórica exploração colonial.
Bernadette: Se daqui para frente garantirmos que o sistema tributário atual e o abuso fiscal sejam reduzidos, isso vai contribuir para a saúde das populações atuais e futuras.
Grazi: Justiça fiscal é o que propõe Carlos Ocké para o Brasil, com uma reforma tributária associada à garantia de direitos com adequado financiamento.
Carlos: Os problemas de saúde, perpassam a estrutura de classe, tem uma tendência de custos crescentes, de modo que se o governo, de um lado, entende a importância de dar mais equidade ao modelo tributário no que se refere ao financiamento do orçamento da Seguridade Social, ou pelo menos das áreas que em tese o compõem. E do outro, fazer com que esses recursos, atendam às necessidades sociais das classes populares e das classes médias, a questão tributária e a universalização das políticas sociais, que viriam juntas, teriam esse papel reparador. De modo que me parece muito importante para que nós possamos, de fato, começar a superar essa desigualdade estrutural marcante da nossa formação social, ainda presente na pobreza, na desigualdade, na violência.
Música call to action
Grazi: A pandemia de Covid-19, o tratado de prevenção e preparação para novas pandemias, a emergência climática, a necessidade de financiar o fundo de danos e perdas climáticas. A escala desses desafios globais requer soluções globais, com adequado financiamento. Quem mais permite abusos fiscais são os países de alta renda e suas dependências, com jurisidições secretas e esconderijos fiscais. Com isso, pessoas super ricas e multinacionais escapam dos impostos e de regras de transparência nos países em que operam. Deixar esses desafios de financiamento do direito à saúde e do enfrentamento à crise climática apenas para a cooperação internacional e outras formas de financiamento imprevisíveis, voluntárias ou concessionais é problemático para a equidade e a sustentabilidade do investimento que esses desafios globais exigem. É por isso que os países devem usar seu superpoder tributário tanto nacional como internacionalmente, avançando de maneira urgente a convenção tributária internacional na ONU. Com os incentivos fiscais, os governos ampliam os lucros das empresas enquanto reduzem a capacidade de arrecadar e financiar direitos e desafios globais e optam por evitar suas responsabilidades de servir as pessoas, não as empresas. É necessário fechar as brechas para o abuso fiscal corporativo e dos super ricos, e fortalecer os 5 Rs da tributação justa: receita, redistribuição, reprecificação, representação e reparação. O adequado financiamento ao direito à saúde virá com a garantia de mais recursos e seu uso efetivo.
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Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A dublagem é de Cecília Figueiredo. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.
Dani: Lembrando que em www.edasuaconta.com, você encontra a descrição completa, pode ouvir os episódios anteriores, assinar o nosso boletim e ficar sabendo em primeira mão quando um episódio é lançado. www.edasuaconta.com. Se preferir, envie um email para [email protected], com seu nome e número de celular que a gente te cadastra em nossa lista de distribuição pelo whatsapp. Um abraço a você que nos ouviu até a última palavra e até o próximo!
Fluxos financeiros transnacionais que são ganhos, transferidos ou usados de modo ilícito. Com frequência são descritos como “dinheiro sujo”. Essa designação é dada a fundos que violam a lei em qualquer trecho do seu fluxo.
Os países oferecem incentivos fiscais – por exemplo, imposto zero sobre a receita dos ganhos de capitais – para atrair dinheiro de outros lugares. Pesquisas sugerem que incentivos fiscais transnacionais costumam ter nenhuma ou pouca finalidade fiscal e são, com frequência, nocivos.