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Beatriz Almeida Matos
Antropóloga e diretora do Ministério dos Povos Indígenas (mãe do Pedrinho)
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Nick Shaxson
Co-fundador da Balanced Economy Project
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Rebecca Riddel
Responsável pelas políticas de justiça econômica e racial da Oxfam EUA
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Susana Rodrigues
coordenadora do GTPI – Grupo de Trabalho sobre Propriedades Intelectuais da Rebrip – Rede Brasileira para a Integração dos Povos.
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Fernando Trevisan
Jogador de Monopólio da Tax Justice Network
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Nilson Ricardo
Jogador de Monopólio da Tax Justice Network
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Obadias de Deus
Jogador de Monopólio da Tax Justice Network
- Apple é o maior monopólio do mundo. Confira o top 7 dos maiores monopólios e os nomes dos 5 homens mais ricos do mundo, de acordo com relatórios da Oxfam e Balanced Economy Project.
- O que são monopólios e quais as razões para ser antimonopolista? Quem responde é o jornalista Nick Shaxson, do Balanced Economy Project.
- Como as gigantes farmacêuticas fazem com que governos coloquem os lucros delas acima da saúde e da vida das pessoas? Susana Rodrigues (Rebrip) explica.
- Abusos fiscais de monopólios ampliam as desigualdades sociais, com Rebecca Riddel (Oxfam).
- Conheça o jogo “Monopólio da Sonegação”, da Tax Justice Network.
~ Rebecca Riddel, Oxfam
Música Jazz
Grazi | Dani, como foi seu recesso de fim de ano? |
Daniela Stefano | Então… aproveitei o clima de descontração de fim de ano pra jogar monopólio com uns amigos em casa |
Grazi | Que coincidência! Você viu que a Tax Justice Network criou uma versão tributária pro monopólio? |
Dani | Pois é, Grazi! Foi exatamente essa versão que a gente jogou. Nos divertimos bastante, mas uma coisa ficou bem nítida: monopolistas podem acabar com o Estado. |
Música É da Sua Conta
Grazi
Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.
Dani
E eu a Dani Stefano.
O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.
Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.
Grazi
Apple é o maior monopólio do mundo, de acordo com dois relatórios lançados em janeiro de 2024 por duas instituições que lutam pela igualdade social.
Por que os monopólios são prejudiciais para a sociedade e o que fazer para diminuir o poder abusivo destas gigantes corporações?
Este é o tema de episódio #57 do É da Sua Conta
Música
Dani
Nos últimos três anos, os cinco homens(!) mais ricos do mundo
ficaram duas vezes mais ricos: ao mesmo tempo, 5 bilhões de pessoas
ficaram mais pobres. É o que mostra o relatório recém lançado
“Desigualdade S.A.” da Oxfam.
7 das 10 maiores empresas do mundo têm hoje um bilionário no comando ou como principal acionista.
As 148 maiores empresas do mundo lucraram 1 trilhão e 800 bilhões de dólares, 52% a mais do que a média nos últimos três anos. Também distribuíram robustos dividendos para acionistas ricos enquanto milhões de pessoas enfrentavam cortes em seus salários.
A “pessoa” mais rica do Brasil possui uma fortuna equivalente ao que 107 milhões de pessoas têm para viver.
Eo.
1% mais rico do Brasil tem 60% dos ativos financeiros do país
Grazi
Taken, not earned, ou seja Tomado, não conquistado!
Esse é o potente título do relatório recém lançado da organização Balanced Economy Project, Projeto de economia equilibrada
De acordo com o documento, as sete maiores corporações monopolistas são:
7 e em sétimo está a Tesla, empresa de carros elétricos, do Elon Musk
6 o conglomerado empresarial Berkshire Hathaway, que detém, entre outras, as marcas Duracell, Dairy Queen e Helzberg Diamonds, de Warren Buffett
5 mais conhecida como dona do Facebook, do Instagram e do Whats app, a Meta, do Mark Zuckerberg
4 mais uma da área de tecnologia: a NVIDIA, do taiwanês americano, Jensen Huang
3 a multinacional de teconologia Amazon, de Jeff Bezos
2 a maior petrolífera do mundo Saudi Arabian, da família real, do governo saudita
1 a multinacional de tecnologia Apple, de Tim Cook
Dani
Alguns nomes você vai ouvir de novo, pois além de serem donos de uma das sete maiores corporações monopolistas, estão também entre os cinco homens mais ricos do mundo. Estes bilionários são:
5. E em quinto Mark Zuckerberg, do Facebook, Instagram e Whatsapp 4. Larry Ellison, co-fundador da Oracle, outra empresa de tecnologia 3. Jeff Bezos, da Amazon
2. O francês Bernard Arnault, presidente da LVMH que é a maior empresa de artigos de luxo do mundo, incluindo aí as marcas Louis Vitton, Dior e Tiffanys
1. Elon Musk – o da Tesla e do twitter, ou melhor, que agora se chama X
Grazi | Além disso, as 20 maiores empresas do mundo gastam mais de 155 milhões de euros anualmente com lobby para influenciar instituições políticas nos EUA e na União Europeia. O poder estrutural aumenta a influência política dos monopólios. E a combinação de monopólio e poder de lobby mina a democracia. |
Dani | Os dois estudos foram lançados durante o Fórum Econômico Global, o encontro anual que acontece cada mês de janeiro em Davos, na Suíça. O Fórum de Davos reúne empresários e lideranças governamentais. e tem como aliadas 14 das 20 maiores empresas monopolistas, e seus bilionários acionistas. |
Grazi | Com os relatórios sendo lançados nesta ocasião, Oxfam e Balanced Economy Project visam expor o grande risco que os monopólios representam à existência dos Estados e das democracias, mas também à vida das pessoas e do planeta. E ao expor, a ideia destas organizaçõess é exigir que os governos adotem medidas urgentes para acabar com o poder de monopólio, antes que eles acabem com tudo. |
Música | |
Partida de Monopólio | |
Dani | Em vários momentos desse episódio, você escutará trechos de quando estávamos jogando o monopólio da sonegação. O jogo ilustra didaticamente o poder dos monopólios da vida real. No Monopólio da Sonegação, quem fica rico ao comprar, vender e alugar propriedades ganha, como no monopóliio original. Mas na versão educativa elaborada pela Tax Justice Network, os jogadores também podem comprar camadas de sigilo para esconder suas propriedades e dinheiro e, dessa forma, esconder seus lucros, sonegar impostos ou não pagar o que devem a outros jogadores. Acontece que todos os monopolistas podem perder e a sociedade colapsar quando não houver mais dinheiro nos cofres públicos para cobrir despesas exigidas pelas cartinhas da tributação, que são exclusivas dessa versão do Monopólio. |
Música | |
Nick Shaxson | Olá, sou Nick Shaxson, jornalista britântico, aprendi a falar português porque vivi no Brasil e anos mais tarde fui cobrir a guerra em Angola |
Grazi | Se você é ouvinte do É da Sua Conta, já conhece o jornalista Nick Shaxson, que tem uma longa história com a Tax Justice Network. Foi uma chamada telefônica que recebeu em 2006, quando estava em Amsterdã e atuava apenas como jornalista que a vida do Nick cruzou com a trajetória da Tax Justice Network. E desde então colabora com a rede internacional de justiça fiscal e, dentre os livros que já publicou estão Treasure Islands e Finance Curse, ainda não traduzidos para o português. Ele foi também colunista do É da Sua Conta desde o primeiro episódio, de onde vem essa gravação que você acabou de ouvir e que foi ao ar em maio de 2019. Mas a mais recente colaboração dele foi no #44, que foi ao ar em dezembro de 2022. |
Dani | E isso porque em 2023 ele se desligou oficialmente da Tax Justice Network para se dedicar exclusivamente a uma organização que já vinha tomando o tempo dele: o Balanced Economy Project, projeto de economia equilibrada. E para se despedir enquanto colunista do É da Sua Conta, o Nick conta um pouco mais sobre a nova causa a que se dedica e que se denomina anti-monopólios. Para o Nick, a definição de monopólio nos dicionários é quase ficção, se comparada ao poder dos monopólios na vida real: |
Nick | As definições de Monopólio do dicionário, em que se trata de um vendedor dominante em um mercado, não funcionam realmente. No caso de monopólio, uma definição útil que é usado, por exemplo, pela Federal Trade Comision, a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos é que o monopólio é quando uma empresa tem poder e mercado sustentado e duradouro. Então é uma questão de poder. Esta empresa tem poder no mercado e temos que sempre lembrar que este poder não só é econômico, é poder político também. E tem um outro, a maneira de pensar de monopólios que a União Europeia usa que diz que uma empresa dominante é capaz de agir independentemente de seus clientes, de seus concorrentes e outros. Ah, então, o que significa isso? Ah, é outra forma de dizer que a empresa é grande demais pra se importar, too big to care, em inglês. |
Grazi | Você pode dar um exemplo de poder dos monopólios? |
Nick | Quando a Amazon estava começando não foi monopolista porque foi pequeno ao princípio e então tinha que ser o melhor mercado. Os clientes iam até lá porque podiam obter as melhores ofertas. Isto gerou participação do mercado, mas ao final agora é o monopólio e quando você pesquisa algo na Amazon, obtém resultados que se baseiam não só sobre qualidade, mas sobre qual é o fornecedor à Amazon que paga mais pra publicidade. Então, eles têm que pagar publicidade pra Amazon para subir no ranking. A qualidade que você recebe quando visita a Amazon diminuiu. Foi mais baixo. E por que é dominante, todos os vendedores estão na Amazon, então, os aqueles que querem comprar algo, você e eu tem que ir, porque todos os fornecedores estão lá. Então Amazon pode fazer o que quiser. Pode aumentar os preços e os clientes vão continuar a vir. Então tem dominância, não tem que importar-se o que os clientes vão fazer, então isto é ter poder de agir independentemente dos concorrentes. |
Dani | Esse poder é grande o suficiente pra iniciar uma organização como a Balanced Economy Project, que se define como anti-monopolista? |
Nick | O maior problema com os monopólios é que eles não são apenas concentrações de poder econômico, são concentrações de poder político. Ah, porque o Facebook, agora se chama Meta, tem feito coisas terríveis há anos muitos anos. Sabe que seus algoritmos voltados para lucro desempenharam um papel enorme na promoção, por exemplo, no genocídio em Mianmar, na promoção da ascensão de Jair Bolsonaro no Brasil, do Donald Trump nos Estados Unidos, na promoção de teorias conspiratórias malucas sobre as mudanças climáticas, por exemplo, o Facebook tem agido nesse espaço. A razão porque não podemos regulamentar. Facebook É simples porque ele é muito poderoso. se queremos fazer algo contra Facebook precisamos começar a lidar com o seu imenso poder. |
Grazi | Pra além do poder econômico e político, O Nick explica que os monopólios são também fonte para o aumento da desigualdade social… |
Nick | Você pode comparar com um aspirador tipo gigante, todo o dinheiro está sendo sugado da agricultura, das pequenas empresas, dos trabalhadores, de modo, que grandes partes da economia não são lucrativos, porque o monopolista tira essa riqueza desses setores e essas riquezas estão sendo sugados para os centros de lucro de grandes cooperações multinacionais que a propósito também são muito bons em usar paraísos fiscais para evitar impostos. Então o dinheiro é sugado de grandes partes das nossas economias e estas riquezas aparecem como grandes lucros nos centros ricos e offshore nos paraísos fiscais e por pensar nisso, em termos geográficos, o dinheiro está a ser extraído das áreas rurais, das áreas mais pobres, das áreas da classe trabalhadora e sendo enviado para os centros de lucro nos grandes centros financeiros como Londres ou Nova Iorque e off shore nos paraísos fiscais. |
Grazi | Até o aumento da criminalidade está relacionada ao poder dos monopólios: |
Nick | As pessoas não são estúpidas, elas podem sentir essa riqueza, sendo sugada de seus seus lucros, mesmo que não consigam descobrir exatamente porque são tão pobres e porque alguns bilionários são tão ricos, mas eles sabem que algo está mal e este é o tipo de coisa que deixa as pessoas realmente irritadas, realmente querem fazer violência esse tipo de coisa. Como a monopolização cresceu nas últimas décadas, as pessoas ficaram mais e mais irritadas. |
Dani | E quanto mais uma organização é monopolista, maior é o poder dela para rebaixar as condições de trabalho e diminuir os salários pagos aos seus empregados ou corromper o mercado de trabalho por tornar todos os empregados em microempreendedores ou manipular os impostos que pagam em jurisidições onde ela atua. Ou seja: razões suficientes para existir uma organização anti-monopolista. O Balanced Economy Project foi fundado em 2021 na Inglaterra. Nick, como o Projeto de Economia Equilibrada vem atuando para enfrentar os monopólios? |
Nick | Nós no Balanced Economy Project estamos a começar a criar uma nova ideologia, um pouco como no princípio da Tax Justice Network; ninguém estava falando sobre paraísos fiscais, mas agora muitas muitas pessoas estavam a falar e nós jogamos um papel importante nesta mudança. Vamos tentar fazer a mesma coisa com monopólios. Vamos abrir os olhos das pessoas, das reguladoras, dos governos, dos políticos, e isto é um problema e temos que enfrentá-lo. |
Grazi | O que o Balanced Economy Project pode fazer para diminuir o poder, por exemplo do Google? |
Nick | Uma coisa que podemos fazer se chama break ups, vamos quebrar o Google em pedaços. Vamos separar. Desmembrar o Google. |
Dani | Mas Nick… Qual a lógica atrás dessa idea? Como que desmembrar o Google resolveria o problema desse monopólio? |
Nick | Então, vamos e publicar um relatório que explica qual é a parte do Google que o é o verdadeiro problema e como que esta parte deve ser separada de quais outras partes do Google para resolver estes problemas? Então é um relatório que vai explicar em mais detalhes quais são as razões e como a gente poderia desmembrar um monopolista para reduzir o poder, mas também para reduzir os abusos. |
Grazi | Ou seja, Nick vamos aguardar o relatório sair pra descobrir como isso é possível. |
Dani | O movimento anti-monopolista está crescendo no mundo.. |
Unidos em 2023 e tentativas de desmembrar Google e Amazon já estão em progresso. O Nick Shaxson deixa de ser nosso colunista, mas sempre que houver avanços na luta anti-monopólio volta aqui pra nos contar. | |
Música | |
Partida de Monopólio | |
Música | |
Susana Rodrigues | A pandemia de Covid-19 poderíamos ter tido uma história completamente diferente, mas a gente observou a mesma coisa que aconteceu durante a pandemia de HIV e AIDS. Houve um apartheid vacinal. |
Dani | Susana Rodrigues é coordenadora do Grupo de Trabalho de Proriedade Intelectual da Rebrip, a Rede Brasileira de Integração dos Povos e explica que a pandemia seria uma boa oportunidade pras farmacêuticas se redimirem de comportamentos abusivos que realizaram quando do surgimento de outras doenças fatais. |
Grazi | O setor farmacêutico é extremamente concentrado. As Big Pharmas, como constumam ser chamadas as grandes multinacionais do setor, mostraram toda a força e perversidade durante a pandemia de Covid-19. Susana, como se caracterizou esse apartheid vacinal? |
Susana | A gente viu que, no contexto global, países ricos fizeram estoques de vacinas, suficiente para vacinar sua população três vezes ou mais. Enquanto isso, os países do sul global, seja no continente africano ou latino-americano, foram deixados de lado e, até hoje, não conseguiram vacinar nem os seus próprios trabalhadores da saúde, em especial no continente africano. |
Dani | E o episódio #26 do É da Sua Conta, lançado em junho de 2021, durante a pandemia, explicava que vacinar o mundo todo era possível, mas as grandes farmacêuticas preferiram fazer lucros extraordinarios, com contratos secretos e lucrando muito com a venda aos países de alta renda. |
Grazi | De fato, o que vimos durante a pandemia de Covid-19 é que não havia uma rede de produção e distribuição de insumos em saúde bem distribuída pelo mundo. E isso causou uma dependência excessiva de suprimento de produtos, de processos, de tecnologias, da maioria dos países em |
relação aos países mais ricos, onde estão as sedes das Big Pharmas. | |
Susana | Então, como a gente já poderia antecipar, pela própria história da pandemia de HIV e AIDS, o sistema de propriedade intelectual foi uma barreira fundamental para o controle da COVID-19. Ele garantiu a continuidade dessa pandemia durante muito tempo. Poderíamos ter evitado inúmeras mortes. |
Dani | O sistema de propriedade intelectual monopoliza o acesso das vacinas e outros medicamentos na mão de grandes transnacionais farmacêuticas e impede o acesso aos genéricos: |
Susana | Os efeitos perversos desse sistema de monopólio e exclusividade, eles foram sentidos com a maior potência, poderíamos dizer, no sul global. Então, a gente não teve, durante a pandemia, uma política de solidariedade. Então, quando a gente vê, em contextos de uma crise sanitária global, quando a demanda por tecnologias da saúde é algo sem precedentes, os direitos de exclusividade, eles limitam a oferta e geram uma desigualdade de acesso a esses bens em todo o mundo. |
Grazi | Susana, de que forma exatamente o poder de monopólio das Big Pharmas amplia desigualdades? |
Susana | Porque gera uma escassez artificial, há uma barreira de preço e torna com que os produtos que poderiam salvar vidas se tornem um artigo de luxo para os países mais ricos, que foi o que, infelizmente, a gente assistiu. Então, nessa lógica da propriedade intelectual, a definição de prioridades está ligada ao mercado. A privatização do conhecimento, que, desde sempre, excluiu milhões de pessoas a bens essenciais de saúde. Então, há uma contradição, e a gente constatou, durante a pandemia, que o funcionamento regular do sistema de propriedade intelectual, ele impede, ele contradiz os interesses globais por uma saúde pública. |
Grazi | Até hoje não temos acesso a esses contratos entre as farmacêuticas e os países… A exceção está na Africa do Sul, onde a organização Health Justice ganhou na justiça o acesso a eles… O que aliás poderia ficar de exemplo para organizações que atuam em outros países |
Dani | Mas… como que as grandes farmacêuticas conseguiram tornar esse setor tão concentrado, tão monopolizado, para ter tanta força assim, a ponto de submeter governos? |
Susana | A indústria farmacêutica transnacional tem um funcionamento muito interessante. Ela não é um representante eleito por ninguém, elas não constituem estados membros, mas elas exerceram um forte poder dentro da Organização Mundial de Comércio e seguem exercendo. Então, ela tem um poder financeiro muito grande e esse é o seu modo de funcionamento. É através do lobby em estados. A gente assiste |
muito isso aqui no Brasil, com projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional. A presença delas é intensa, é forte e eles têm um poder econômico, financeiro muito maior do que a sociedade civil. Então, eles conseguem as suas demandas de uma forma muito rápida. | |
Música Salve o Pedrinho | |
Beatriz | Ele tem um neuroblastoma, estágio 4, então pra além do tumor inicial, essa doença se espalhou nos ossos, na medula. E aí esse diagnóstico de neuroblastoma estágio 4, que é esse diagnóstico de neuroblastoma estágio 4, esse que é chamado de alto risco. Ele tem um tratamento quimioterápico, né? Que são vários ciclos de quimioterapia. A gente vai fazer o quinto ciclo de quimioterapia. E depois desse quinto ciclo vai ser avaliado se é possível retirar todo o tumor. Também é feito o transplante de medula. Ósseo é um alto transplante, né? Com as células dele mesmo. E depois desse transplante, existe a consolidação do tratamento, que é a imunoterapia. |
Susana | Não sei se você tomou conhecimento, mas o filho de Bruno Pereira, o indigenista que foi covardemente assassinado em junho de 2022, está com um câncer. E a sua família, sua mãe, em meio a um luto, a tanta dor de tanta tragédia, criou uma vaquinha para conseguir um medicamento que pode salvar a vida de um menino de 5 anos. |
Beatriz | Por exemplo, o tratamento inteiro do Pedro necessário, com o carziba, fica em torno de dois milhões de reais. Então é um preço impagável pra maioria absoluta, né? Das famílias que estão enfrentando o neuroblastoma. Então tem essa realidade de crianças que que a gente está conhecendo, que foi o caso, assim. Quando chegou o remédio, ela passou. ela já não podia mais tomar. Se você ficar sem tratar, por se tratar de uma doença agressiva, ela pode tomar mais conta do corpo do que o remédio dá conta, a própria quimioterapia, os tratamentos dão conta de garantir. Então, quando o Pedro precisar desse remédio, que é agora, é já logo depois do transplante de medula, se a gente não conseguir imediatamente o remédio, a gente vai precisar comprar as primeiras doses, vai precisar comprar os primeiros ciclos de tratamento do remédio. Então, assim, a meta do tratamento inteiro é 2 milhões de reais. Então, a gente quer fazer essa campanha tanto para chamar a atenção para essa doença, para o diagnóstico precoce, como para arrecadar esse valor para ajudar no tratamento do Pedrinho. |
Dani | A Beatriz, mãe do Pedrinho, postou um vídeo no Instagram dela contando essa história e agradecendo a solidariedade, já que, em menos de uma semana, 2 milhões de reais foram arrecadados e o Pedrinho deu continuidade ao tratamento do Neuroblastoma. |
Grazi | Mas o medicamento precisa estar no SUS, é um direito de todas as crianças. Vida e morte não deveriam estar nas mãos de monopólios tão poderosos com capacidade de fazer com que os estados não insistam em tornar as coisas diferentes. No Brasil, as patentes são conferidas pelo Estado. O que pode ser feito nacionalmente para reduzir esse poder de monopolio, via patentes, das grandes farmacêuticas? |
Susana | O Estado deveria exercer ali um papel mais forte de garantir que tecnologias essenciais à saúde do povo brasileiro, ao SUS, não pudessem ser patenteadas. A gente tinha, até 2021, a anuência prévia da Anvisa. |
Dani | A ANVISA é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que controla produtos e serviços tais como medicamentos, alimentos, cosméticos, agrotóxicos e derivados do tabaco. |
Susana | A Anvisa participava desse processo, analisando os requisitos de patenteabilidade sob uma perspectiva da saúde pública. Mas, infelizmente, através de um jabuti, numa medida provisória em 2021, ainda durante o governo Bolsonaro, em meio à pandemia, isso caiu e apenas o escritório de patentes está analisando esses requisitos. Então, quando a gente percebe essa contradição entre o sistema e o outro, o Estado poderia sim atuar de forma legal e legítima, analisando bem os requisitos de patenteabilidade e evitando conceder patentes injustificadas e imerecidas a tecnologias de saúde, a produtos e processos farmacêuticos. |
Grazi | O estado deve investir em instituições públicas, como a Fiocruz e o Butantan. Quando um governo investe em vacinas e outros insumos de saúde deve: – – – assinar contratos em que cláusulas de proteção de preço baseado no interesse público estejam inclusas e que estejam colaborando com impostos justos – especialmente se estão recebendo investimentos públicos ao desenvolver suas vacinas. |
Dani | E internacionalmente, quais são as oportunidades para reduzir o poder de monopólio das grandes farmacêuticas? |
Susana | No contexto internacional, a gente tem agora discussões na Organização Mundial de Saúde sobre transferência e compartilhamento de tecnologias. Está sendo discutido o tratado de pandemias. Mas o poder econômico, financeiro dessas indústrias, ele |
é muito, muito, muito forte. Então, a gente corre o risco desse tratado de pandemias não ser o ideal. E o ideal, ele pode parecer inatingível. Mas a gente deveria retirar da definição do que é patenteável, do que pode ser protegido por um monopólio exclusivo, remédios, diagnósticos, vacinas, tecnologias de saúde que salvam vidas. | |
Grazi | E você acha mesmo possível que neste tratado de prevenção e preparação para novas pandemias tenha realmente um texto que permita que as vidas estejam acima das patentes e do lucro das grande farmacêuticas? |
Susana | Mas os países ricos, eles se opõem a isso, né? E são eles que as indústrias farmacêuticas, elas estão concentradas. E elas têm um forte poder na geopolítica global. Então, mesmo depois de uma pandemia terrível, como a Covid-19, com traumas que ainda precisam ser estudados, a indústria farmacêutica, segue tomando todas as decisões sobre os estados sem qualquer transparência. |
Música | |
Partida de Monopólio Música | |
Dani | Grandes corporações e monopólios alimentam as desigualdades de quatro formas, de acordo com o relatório Desigualdade SA da Oxfam.: – Diminuem os salários e precarizam as condições de trabalho para trabalhadores ao mesmo tempo que recompensam super ricos
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Grazi | De acordo com esse relatório publicado em janeiro de 2024, desde 1980, as alíquotas dos impostos sobre o rendimento das corporações diminuíram para mais da metade nos países da OCDE, mais conhecida como clube dos países ricos: Em 1980 as empresas pagavam em média 48% de impostos. Em 2022 a alíquota média estava em apenas 23%, isso para as empresas nacionais. Mas, para as grandes multinacionais o cenário é muito mais alarmante: empresas como Amazon pagam entre 0 e 2% apenas, devido às diversas manobras de transferência de lucro que fazem usando paraísos fiscais. E elas sequer se importam com isso, já que são grandes e poderosas o suficiente para fazer com que a maioria dos países não as pressionem para que também contribuam com o justo de impostos. O mesmo aconteceu com os impostos sobre os dividendos, ou seja, |
aqueles que os acionistas de uma empresa recebem sobre os lucros líquidos: no mundo todo, as taxas caíram de 61%, em 1980 e a média hoje, em 133 países observados, é de apenas 18% de impostos sobre os dividendos. No Brasil, a situação é ainda pior: os acionistas de uma empresa não pagam nada de impostos sobre os dividendos recebidos. | |
Dani | A Rebecca Riddel, responsável pelas políticas de justiça econômica e racial da Oxfam nos EUA, explica pra gente como os monopólios conseguem se esquivar da tributação. Rebecca, quais são as razões para que as taxas de impostos para empresas e seus acionistas tenham caído tanto nas recentes décadas? |
Rebecca Riddel | Bem honestamente, vivemos uma guerra fiscal total nas últimas décadas. Sabemos que os cortes nos impostos das empresas e dos donos delass nunca foram motivados por uma demanda da população. Este colapso na tributação é o resultado de uma agenda neoliberal mais ampla e que foi promovida por empresas e os acionistas ricos delas, que são os verdadeiros beneficiários, muitas vezes ao lado de países do Norte global e instituições internacionais, como o Banco Mundial. Na verdade, em todo o mundo, o sector privado tem insistido incansavelmente em alíquotas mais baixas, mais lacunas, menos transparência e outras medidas que visam permitir que as empresas contribuam o menos possível com a sociedade. |
Grazi | A diminuição das alíquotas que os monopólios conseguem não estão disponíveis para pequenas e médias empresas e, com isso, os monopólios são ainda mais beneficiados com uma injusta vantagem comercial, ou seja, essa não é a real competição na qual o capitalismo supostamente deveria ser construído. |
Dani | Estudo realizado nos EUA concluiu que pra cada dólar que as corporações gastaram com lobby, obtiveram como retorno mais de 220 dólares. E isso explica bastante sobre a queda das alíquotas de impostos de 1980 pra cá, cita o relatório da Oxfam. Vale lembrar que as isenções fiscais que conseguem são somente para elas, grandes corporações, enquanto empresários de micro, pequenas e médias empresas não recebem o mesmo benefício. Isso distorce as regras de mercado e torna a situação não apenas injusta, mas impossível para esses empresários continuarem existindo e tendo um mínimo de lucro. O que essas grandes corporações fazem acaba com o próprio capitalismo, já que ele tem como premissa um mercado aberto e competitivo, oposto do fechamento de mercado por benefícios fiscais |
concedidos apenas às gigantes. E para além de as grandes corporações e super ricos terem tanta influência na regulamentação da tributação ao ponto de pagarem menos impostos, pelo menos 1 bilhão de dólares de lucros foram parar em paraísos fiscais apenas em 2022. E isso se deve ao abuso fiscal, que eles tentam amenizar chamando de planejamento tributário agressivo. A Rebecca dá um exemplo que ocorreu em Gana: | |
Rebecca | Um exemplo bem humano: há alguns anos, fizemos o perfil de um professor numa escola em Gana, numa cidade onde está uma mina de ouro explorada por uma grande empresa australiana. Este professor descreveu a alegria que sentia ao ensinar, mas o verdadeiro desafio era que a escola não tinha móveis nem livros escolares suficientes. Eles tinham 20 livros escolares para mais de 50 alunos. A empresa australiana proprietária da mina registrou um volume de negócios de cerca de 250 milhões de dólares por ano só com essa mina. No entanto, não pagou nenhum imposto em Gana desde que a mina começou a funcionar, devido à utilização de incentivos, termos contratuais e outro tipo de planeamento fiscal agressivo. A Oxfam calculou que essa mina poderia ter pago 57 milhões de dólares de imposto sobre o rendimento das empresas durante esse período, o suficiente para pagar o salário anual de mais de 8000 enfermeiros no Gana e, certamente, mais do que o suficiente para os livros e móveis escolares pra essa sala de aula. |
Grazi | Pesquisadores da Oxfam analisaram as 1600 maiores e mais influentes empresas do mundo e descobriram que apenas 4% cumprem um indicador de imposto responsável, estabelecido pela World Benchmarking Alliance, que mede o impacto dos negócios e estimula as ações por um desenvolvimento sustentável. |
Rebecca | E quando olhamos para os mais ricos, a maior parte das fortunas deles estão ligadas às ações das empresas que são donos, que estão em cargos de poder atualmente ou anteriormente. Por isso, os super- ricos são desproporcionalmente acionistas. E os acionistas ricos são os que ganham quando as empresas sonegam impostos. Quando os lucros aumentam, essas ações sobem e os acionistas muitas vezes recebem altos valores em dividendos. Descobrimos que as grandes empresas ao lucrarem 10, oito elas repassam aos accionistas sob a forma de recompra de ações e dividendos. |
Grazi | Apesar de representarem apenas 21% da população mundial, países do Norte Global abrigam 74% da riqueza mundial dos multimilionários. E naturalmente, os super-ricos, a maioria deles vivendo no Norte Global, são os beneficiários dos abusos fiscais das corporações. |
E quando os super-ricos pagam menos impostos, quem é que sofre e paga a conta? | |
Rebecca | O colapso dos impostos encheu os bolsos dos super-ricos e fez com que nós todos pagássemos a conta. Em primeiro lugar, para compensar a perda de receitas fiscais, muitos governos se apoiam cada vez mais em impostos regressivos, como os imposto sobre o consumo, que recaem desproporcionadamente sobre as famílias com baixos rendimentos e podem realmente agravar a desigualdade de género. Em segundo lugar, quando as empresas e os super-ricos não pagam de maneira justa, isso também significa que há menos receitas para gastar com a diminuição da desigualdade social, proteção e serviços públicos. Por exemplo, em Marrocos, os incentivos fiscais foram maiores do que todo o orçamento da saúde em 2021. Cada dólar de impostos evitado é uma enfermeira que não pode ser contratada ou uma escola que não pode ser construída. E, e apenas brevemente, gostaria de ressaltar que as mulheres são as mais afetadas porque são as principais utilizadoras dos serviços públicos. Elas também são afetadas enquanto trabalhadoras, porque estão desproporcionalmente empregadas no setor público. E, finalmente, como as principais cuidadoras não remuneradas no mundo, são elas que preenchem as lacunas deixadas pela falta de serviços públicos de cuidados. |
Música | |
Partida de Monopólio | |
Dani | E se você também quiser jogar o monopólio da sonegação, você encontra as regras e as cartas em português na descrição desse episódio, em www.edasuaconta.com. |
Música: Fechamento |
Grazi | O poder monopolitico de suas corporações e a formação de uma aristocracia de bilionarios subverte a democracia ao redor do mundo. São eles que hoje tomam as decisões sobre os alimentos que comemos, os remédios e agrotóxicos que ingerimos, a distribuição, uso e venda de nossos dados pessoais e das informações que recebemos, falsas ou verdadeiras. A riqueza dos bilionários é construída sobre um poder econômico que se traduz em poder político e se coloca acima dos estados, das pessoas e do meio ambiente, gerando beneficios para eles mesmos. Enquanto isso, nós, a maioria da população pagamos a eles um “imposto privado” através da cobrança dos lucros excessivos que eles exigem, mesmo em meio às crises pós pandemia, de custo de vida, de desigualdades. É da nossa conta agir para que a economia esteja na mão das pessoas. Como? · Desafiar o poder prejudicial dos monopólios, através de leis, como a política de concorrência, para desintegração de empresas dominantes ou da aplicação de controles de fusão mais rigorosos; · Regulamentar serviços de interesse público, como as mídias sociais · Reescrever as regras internacionais de comércio (inclusive de patentes), com investimento e finanças para reduzir as concentrações excessivas de poder empresarial e os danos associados; · Restringir a influência do lobby dos monopólios empresariais, reforçando as regras de conflito de interesses e aumentando a transparência das instituições políticas. É hora de regular e eliminar os monopólios, antes que eles acabem com a vida no planeta! |
Música
Grazi | O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. um abraço e até o próximo. |
Dani | Um abraço e nos encontramos de novo depois do carnaval! Até lá |
HNWIs, pronuncia-se Hen-Wees: pessoas ricas (wealthy individuals, em inglês). Em geral, designam pessoas com bens que podem ser investidos superiores a US$ 1 milhão. Em 2011, a Capgemini e a Merrill Lynch estimaram que havia 10,9 milhões de HNWIs em todo o mudo, com bens financeiros no valor de US$ 42 trilhões.
Evasão fiscal é uma atividade ilegal (costuma ser crime) pela qual os contribuintes evadem impostos por meio de fraude. Por outro lado, elisão fiscal significa contornar (ou evitar) o espírito da lei sem de fato violar as leis. Há uma grande área cinza entre os dois polos de elisão e evasão.
Evasão fiscal é uma atividade ilegal (costuma ser crime) pela qual os contribuintes evadem impostos por meio de fraude. Por outro lado, elisão fiscal significa contornar (ou evitar) o espírito da lei sem de fato violar as leis. Há uma grande área cinza entre os dois polos de elisão e evasão.
Fluxos financeiros transnacionais que são ganhos, transferidos ou usados de modo ilícito. Com frequência são descritos como “dinheiro sujo”. Essa designação é dada a fundos que violam a lei em qualquer trecho do seu fluxo.
Um paraíso fiscal ou jurisdição de sigilo é um lugar que deliberadamente fornece uma rota de fuga para pessoas ou entidades que vivem ou operam em outro lugar. Essas jurisdições as blindam contra quaisquer impostos, legislações penais, regulamentações financeiras, transparência ou outras limitações que elas não apreciem. Pessoas comuns cujas vidas são afetadas pela legislação dos paraísos fiscais não são consultadas sobre essas leis porque vivem em outros países: elas não têm voz sobre como são feitas essas leis, solapando, assim, seus direitos democráticos.