#71 – Reformas tributárias reduzem desigualdades de gênero e raça?
#70 BRICS: descolonizará para enfrentar crise climática?
Convidadxs

Reforma da tributação sobre o consumo, reforma do imposto de renda…
Desde 2023, o Brasil vem fazendo uma série de modificações nas leis tributárias. Será que estas reformas reduzem desigualdades e beneficiam mulheres e população negra? Este é o tema do episódio #71 do É da Sua Conta. Spoiler: para que igualdade de gênero e raça se tornem realidade, é preciso que você dê uma mãozinha!

No episódio #71 você ouve sobre:

  • Desigualdade no bolso, um guia sobre justiça fiscal para mulheres brasileiras, com Carmela Zigoni (Inesc).
  • IBS, CBS, IS, cashback e desonerações: o que muda com a reforma da tributação sobre o consumo
  • O que esperar da reforma da tributação de renda, anunciada em março de 2025
  • Análise das reformas na perspectiva de gênero e raça, com Débora Freire (Ministério da Fazenda) e Clara Marinho (analista de orçamento).
  • Redução da desigualdade de gênero e raça via justiça fiscal? Só com a participação das pessoas e movimentos sociais nas próximas reformas.

“Temos uma grande proporção de famílias mais pobres com a mulher sendo a chefe de família. Consequentemente, se você desonera o orçamento dela com alimentos básicos, você tem um efeito importante também na desigualdade”
 ~Débora Freire, Ministério da Fazenda

“ É verdade, mas é uma parte da história. A desoneração também vai beneficiar as mulheres de renda mais alta que entram no supermercado.”
 ~ Clara Marinho, analista de orçamento

Dublagem: Teresinha Menezes
Músicas: Ho Hay, V.V., Funk (B.Negão & Seletores de Frequência)

Transcrição

Música de abertura É da Sua Conta

Grazi: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas e o planeta. Eu sou a Grazielle David.

Dani: E eu a Dani Stefano. O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal. Em www.edasuaconta.com, você encontra a descrição completa, pode ouvir os episódios anteriores, assinar o nosso boletim e ficar sabendo em primeira mão quando um episódio é lançado. www.edasuaconta.com  Se preferir, envie um email para info@edasuaconta.com, com seu nome e número de celular que a gente te cadastra em nossa lista de distribuição pelo whatsapp.

Música abertura

Grazi: Como as reformas da tributação do consumo e da renda no Brasil podem reduzir desigualdades econômicas, de gênero e de raça? Este é o tema do episódio #71 do É da Sua Conta.

Dani: E este episódio trata também da importância de participarmos ativamente deste processo para que a justiça fiscal e social se tornem realidade.

MÚSICA

Adriele – QUANDO OUVI O PROFESSOR DIZER QUE IMPOSTOS DEVEM SER TRANSFORMADOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS PARA TODES, FRANZI A TESTA. AÍ VIREI MEME, MINHAS AMIGAS DIZEM QUE TENHO UMA ESPÉCIE DE ‘INCONTINÊNCIA FACIAL’…MAS NA AULA DE HOJE VOU FICAR CALADA. SÓ PENSANDO NOS IMPOSTOS PRESENTES TODOS OS DIAS NA VIDA DAS MULHERES BRASILEIRAS.

Dani: Esta é a Adriele, personagem do guia “desigualdade no bolso”. Para o É da sua conta foi interpretada por Teresinha Meneses. O guia foi lançado em março de 2025 pelo Inesc, Instituto de Estudos Socioeconômicos, para apoiar movimentos de mulheres interessados em discutir justiça fiscal. Carmela Zigoni, antropóloga e assessora política do Inesc, explica como surgiu a ideia:

Carmela Zigoni: Um desses movimentos são os movimentos de mulheres, de mulheres negras movimentos feministas de várias partes do Brasil com quem a gente dialogou sobre a incidência no ano passado na CEDAW, na Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres. E o que essas ativistas falaram para a gente é que o tema da justiça fiscal ainda era muito difícil para muitas mulheres entenderem, principalmente as mulheres que estão nos territórios, estão no campo, nas aldeias indígenas, nos quilombos. Então, a gente teve a ideia de fazer essa publicação com uma pegada pedagógica, lúdica, para que seja um objeto para estar nas rodas de conversa nas reuniões das mulheres aí pelos territórios do Brasil.

Adriele: DEPOIS QUE NOTEI QUE A LETICIA NÃO TINHA IDO  PRA ESCOLA SÓ PORQUE ESTAVA MENSTRUANDO,  PERCEBI QUE OUTRAS MENINAS TAMBÉM FALTAVAM OU SAÍAM MAIS CEDO OU FUGIAM DAS RODAS DE CONVERSA NO INTERVALO POR ESTAREM MENSTRUADAS. E SÓ ASSIM QUE EU ENTENDI QUE O ABSORVENTE QUE MINHA MÃE, AVÓ E TIA SEMPRE DAVAM UM JEITO DE COMPRAR PRA MIM, ERA UM LUXO QUE MUITAS DAS MENINAS NA ESCOLA NÃO TINHAM.

Carmela: Então, na medida em que as mulheres vão sendo inseridas nos espaços públicos, no trabalho, na escola, enfim, tem que circular nesse período, elas têm que ter acesso, então, ao absorvente, ao coletor menstrual que é aquela escolha. Então, daí a importância de não estar restringindo essa mulher na sua liberdade durante esses períodos e até de estar violando direitos, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que as meninas têm o direito a estar na escola e não só o material escolar mas também esse lado da vida delas tem que ter uma atenção.

Grazi: Justiça fiscal traz  dignidade a nós mulheres. De acordo com o guia, uma entre 4 pessoas que menstruam não conseguem pagar por produtos de higiene pessoal. Antes da reforma tributária mais de 27% do valor do absorvente era de impostos. Com a reforma tributária, não haverá mais imposto sobre eles.

Carmela:  A escola que disponibiliza o absorvente vai precisar comprar. É necessário a garantia de que esse produto vai estar de fato mais barato pra que essas escolas possam garantir. E outros serviços, mas a escola é um exemplo, né, mas serviços de saúde, de acolhimento de mulheres em situação de violência, de mulheres encarceradas, né, a gente tem uma gama de realidades onde, de fato, a dignidade menstrual não é observada ainda no Brasil.

Dani: Querida ouvinte, fique atenta nas prateleiras das farmácias e supermecados para ver como a desoneração fiscal de absorventes se refletirá nos preços.

Grazi: Outros temas que estão presentes no guia do Inesc são: reforma dos impostos sobre renda, patrimônio, terra e, riquezas, as razões para que mulheres paguem mais impostos do que homens; de que forma os cortes de gastos nos orçamentos afetam mais as mulheres; e como o agronegócio, as elites bancárias e o setor de mineração estão sendo favorecidos por muitas renúncias fiscais e que acabam  prejudicando as mulheres.

Carmela: Então, são temas que a gente espera possam sensibilizar o maior número de mulheres para chegar junto nessa luta por um mundo com uma justiça fiscal real, que redistribua riqueza que garanta direitos para as mulheres e meninas.

Dani: O link para acessar a versão digital do guia para mulheres sobre justiça fiscal  está na descrição deste episódio, que você encontra em www.edasuaconta.com

vinheta

Grazi: A emenda constitucional que reformou a tributação do consumo no Brasil foi aprovada em dezembro de 2023. No final de janeiro de 2025 foi aprovada a lei complementar que a regulamentou. O objetivo dessa reforma foi simplificar a tributação sobre produtos ou serviços que nós compramos.

Dani:Antes da reforma eram 5 os impostos sobre consumo: três federais (PIS, COFINS e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Com a reforma serão apenas dois impostos: o Imposto sobre bens e serviços, IBS e a Contribuição sobre bens e serviços, CBS. A arrecadação do IBS será destinada aos estados e município. O que for arrecadado com a CBS será destinado ao governo federal.

SOM de farmácia

Grazi: Um exemplo para mostrar o efeito da reforma: Quando você vai até a farmácia e compra um remédio, o imposto pago é sobre toda a cadeia de produção: farmácia, empresa de distribuição que o levou até a farmácia e pela indústria, que o produziu. Uma cascata de imposto sobre imposto. Quando a reforma for implementada, os dois novos impostos devem incidir  apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da produção, descontando o que já foi taxado nas etapas anteriores. Assim, você só vai pagar o imposto na farmácia. Isso é, se a farmácia comprou o medicamento por 5 reais e vendeu por 9, você pagará o imposto sobre os 4 reais que é o valor que a farmácia agregou.

Dani: Haverá também o Imposto Seletivo, IS, que incidirá sobre produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. Por exemplo: cigarro, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, extração mineral, veículos automotores, aeronaves, entre outros. Essas questões estão relacionadas com o R da tributação de Reprecificação, que trata justamente do objetivo de reduzir os impostos para promover práticas mais saudáveis e sustentáveis ou aumentar imposto para desestimular as que não são saudavéis ou sustentáveis. Mas nem tudo o que faz mal à saúde ou ao meio ambiente entrou no Imposto Seletivo. Agrotóxicos continuam isentos de impostos.

música

Grazi: A implantação do novo sistema de tributação do consumo será gradual. Em 2026, a  contribuição e os impostos  sobre bens e serviços serão testados nacionalmente. Para o teste, as empresas vão colocar na nota fiscal um valor que corresponderia aos novos tributos, mas os atuais continuam sendo cobrados. Assim, a administração pública vai verificar a viabilidade do novo modelo e realizar as adaptações necessárias. A transição para o novo sistema só se completará em 2033.

Dani: Só em 2033?

Grazi: É que a alíquota-padrão  ainda precisa ser estabelecida por lei. A estimativa é que fique em torno de 28% sobre o preço final do produto ou serviço consumido. O texto prevê ainda que o Poder Executivo adote medidas para que a alíquota seja menor que 26,5% até 2030. E a cada cinco anos deverá ser realizada uma avaliação dos efeitos da reforma, que pode ser alterada se for necessário.

Dani: O novo modelo de imposto sobre o consumo promoverá gradualmente justiça fiscal e social. Essa é a opinião de Débora Freire, professora de economia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais.  Ela também é subsecretária de política fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Debora Freire: O próprio debate público que ocorreu ao longo do processo de aprovação da reforma traz ganhos distributivos.

Dani: Debora, Como a reforma da tributação do consumo poderá gerar ganhos distributivos com redução de desigualdades?

Debora: Hoje o nosso sistema tributário, ele traz uma heterogeneidade de alíquotas que faz com que os produtos de consumo mais típico das famílias mais pobres sejam mais tributados do que os serviços que são tipicamente mais consumidos pelas famílias mais ricas. Então, quando a gente muda o sistema e uniformiza, tira essa heterogeneidade de alíquotas, o que a gente tem é um barateamento dos produtos que são mais consumidos pelas famílias mais pobres…

Dani:…E ao uniformizar, há um ganho distributivo.

Debora: A reforma tributária ela vai trazer uma redução do custo da cesta de consumo padrão das famílias mais pobres relativamente à cesta de consumo padrão das famílias mais ricas.

Grazi: Ou seja, a reforma dos impostos do que a gente compra teve muitos avanços, mas as pessoas de mais baixa renda continuarão pagando proporcionalmente mais impostos em relação a suas rendas do que as mais ricas.

música

Dani: Além da uniformização da alíquota entre bens de consumo e serviços  também foi adotado o cashback. Famílias de baixa renda terão a devolução de 20% do IBS e da CBS dos produtos que compraram.

Debora: Vai ser um percentual, não vai ser de fato todo o gasto das famílias com tributos que vai ser devolvido, esse percentual de devolução foi o percentual aceito pelos entes subnacionais, mas eu acredito que na medida em que os entes têm também liberdade para implementar políticas próprias também de devolução, a gente tem chance de ter no  futuro maiores percentuais de devolução.

Grazi: No caso de alguns serviços como luz, água, gás e telecomunicações, o cashback será de 100% da CBS, que é o imposto federal. Ainda será necessário determinar o instrumento dessa devolução.Terão direito ao cashback as famílias inscritas no Cadastro Único.  O CadUnico é um sistema que coleta informações para identificar a população de baixa renda no Brasil para que possam ser inclusas em programas assistenciais.

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Dani: Outro instrumento da reforma tributária é a desoneração; Com ela, produtos que ficam com a alíquota do imposto zerada ou reduzida. A principal é a desoneração dos itens que compõem a cesta básica.

Debora: A desoneração da cesta básica, embora ela seja para todo mundo todo mundo, ou seja todo mundo que compra o produto vai pagar uma alíquota menor  por aquele produto, seja pessoa, rica ou pobre. No entanto, os bens desonerados na cesta básica, eles são bens que tem uma proporção de consumo bastante elevada no consumo das famílias mais pobres. Teve-se todo um cuidado também de não considerar na cesta básica, produtos que são muito tipicamente consumidos pelas famílias mais ricas, como alguns peixes, como salmão, bacalhau, por exemplo, que são peixes caros. E aí, consequentemente, a gente tem esse efeito  também na desigualdade.

Grazi: E de que forma isso impacta a desigualdade de gênero?

Débora: Temos uma grande proporção de famílias mais pobres com a mulher sendo a chefe de família, e aí, consequentemente, se você desonera o seu orçamento com alimentos básicos, você tem um efeito importante também na desigualdade.

Clara: É verdade? É verdade, mas é uma parte da história. Porque ela também vai beneficiar mulheres de renda mais alta que entram no supermercado.

Dani: Clara Marinho, especialista em orçamento público e uma das 100 pessoas afrodecendentes mais influentes do mundo  na lista de 2021 da ONU.

Clara: O meu salário como servidora pública, ele me permite ir ao açougue uma vez por semana e colocar na minha cesta de compras um filé mignon. Provavelmente, meus vizinhos podem fazer a mesma coisa. No entanto uma pessoa que ganha muito menos que eu não vai poder fazer. Então, o sistema de isenções permite que uma pessoa mais rica seja mais beneficiada do que uma pessoa mais pobre.

Grazi: A nova cesta básica foi definida por decreto em março de 2024 e é importante reconhecer que ela determina a inclusão de alimentos in natura ou minimamente processados para reduzir doenças, melhorar qualidade de vida e gerar renda a pequenos produtores. Ela segue a política nacional de alimentação e nutrição adequadas e saudáveis. Entretanto, nas desonerações da cesta básica da reforma tributária, ainda que tenha ocorrido o cuidado de excluir peixes mais caros, não houve acordo político para fazer o mesmo com as carnes bovinas.

Clara: Não é o cashback que vai resolver. Nem sobre raça, nem sobre gênero, não nesse instrumento. A gente perdeu a oportunidade de realizar um cashback mais amplo para as famílias beneficiárias do Bolsa para, por exemplo, me beneficiar comprando filé mignon. É isso mesmo?

Dani: Na opinião de Clara Marinho, as isenções fiscais poderiam ter sido evitadas.

Clara: O ponto aqui é o seguinte, quem ganha um pouco mais tem poder de consumo e, ao mesmo tempo esse consumo representa uma menor parcela da renda. Ela se torna uma beneficiária. E a política não foi feita pra isso.

Débora: A reforma tributária ela é principalmente um pacto federativo político. Ele traz uma boa combinação.  Mas, de fato, tecnicamente, existe a discussão de que quanto maior as desonerações que a gente desse, para produtos, ou seja, como a cesta básica e outros produtos,  menor seria o potencial do cashback.

Grazi: Essa é a ponderação da subsecretaria de política fiscal Débora Freire.O objetivo da reforma era ser fiscalmente neutro, isso é, nem aumentar nem reduzir o montante arrecado com os impostos sobre o consumo. Tanto os produtos que não vão pagar impostos ou vão ter uma alíquota reduzida com as desonerações, quanto as devoluções às pessoas de baixa renda  com o cashback precisam  ser custeadas com o imposto arrecadado. Ou seja, o tamanho da alíquota padrão do IBS e CBS, vai depender da quantidade de desonerações dadas. A previsão é que a alíquota padrão fique em torno de 28%. Poderia ser 25% se houvesse menos isenções. Assim como poderia ser 30% se houvesse mais desonerações ou cashback.

Debora: Isso também afeta todas as famílias, também afeta a desigualdade, porque a alíquota padrão vai incidir igual para todo mundo, e aí, quanto maior a alíquota padrão, maior a regressividade do sistema, porque é tributação sobre consumo.

Dani: Para reduzir esse efeito regressivo das desonerações, que faz com que pessoas de baixa renda paguem proporcionalmente mais e amplia desigualdades, foram realizados vários debates para definir o que deveria entrar na cesta básica assim com nos outros itens com alíquota zerada ou alíquota reduzida, para tentar atender mais as famílias de baixa renda. Entretanto…

Debora: A questão da desigualdade é também uma discussão política. Não adianta a gente discutir a desigualdade só pelo ponto de vista técnico, porque é uma escolha política também.

Grazi: 70% da população brasileira tem renda mensal de até 2 salários mínimos, o que corresponde a 3.000 reais ou 574 dólares, na cotação atual. Essa é uma renda inferior ao cálculo do que seria um salário digno. Terá direito ao cashback cerca de 44% da população brasileira, ou seja, os que estão inscritos no Cadastro Único, chamado CadÚnico. As desonerações conseguem alcançar os 25% da população brasileira que não está no Cadúnico, mas que também não tem um salário digno. O salário digno é quase cinco vezes maior do que o salário mínimo atual, de acordo com o cálculo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese.

Debora: Então, acredito sim que esse mix político viável que se chegou, ele tem esse efeito também de amenizar o custo de vida para o extrato da população que está no meio da distribuição, e isso é importante no contexto do Brasil também.

Dani: No Brasil, a desigualdade é muito extrema e os privilégios dos mais ricos muito cristalizados faz com que para se reduzir a desigualdade seja necessário um pacto político e adaptações graduais, embora o problema seja urgente.

música

Grazi: Existe um caminho para que a tributação do consumo se torne no futuro mais promotora de redução de desigualdades. Isso porque o texto da reforma aprovou uma revisão periódica a cada 5 anos.

Debora: E aí a sociedade vai decidir, pela sua manutenção ou não.  É muito importante e vai nos ajudar muito nesse processo de avaliação e de revisão de benefícios tributários.

Clara: Eu penso que há uma janela de oportunidade futura para fazer uma crítica consistente a essas escolhas, que é a avaliação periódica da reforma tributária e os movimentos negros e os movimentos de mulheres, movimentos feministas podem assumir a responsabilidade de fazer uma crítica consistente ao sistema tributário visando o seu aperfeiçoamento.

Dani: A Clara Marinho reconhece o avanço ‘monumental’, nas palavras dela, da  maior reforma fiscal dos últimos 40 anos no Brasil. A análise que ela faz pro É da Sua Conta tem como objetivo contribuir para que movimentos sociais estejam mais afiados para participar ativamente do debate nas próximas reformas econômicas.

Sobe música

Adriele: MÃE, UMA PROFESSORA LÁ DA FACULDADE FALOU SOBRE A REFORMA TRIBUTÁRIA. PARECE QUE FINALMENTE VÃO TAXAR OS RICOS DE VERDADE. SEM CONTAR QUE NO BRASIL AS MULHERES PAGAM MAIS IMPOSTO QUE OS HOMENS, SABIA?

Grazi: Após a reforma da tributação do consumo, que são impostos indiretos, o país entrou no debate da reforma dos impostos diretos, ou seja, a tributação da renda, em especial sobre o imposto de renda da pessoa física. O guia do Inesc sobre justiça fiscal aborda também o que ainda precisa acontecer na reforma dos impostos diretos, prevista pra 2025. Dentre os itens que deveriam constar nessa reforma, o guia aponta como medida de reparação histórica  o aumento dos impostos sobre o patrimônio rural e heranças, já que proprietários de terras e beneficiários de heranças são, em sua maioria, homens brancos. Carmela Zigoni, assessora política do Inesc:

Carmela: Tem uma questão de fundo que permeia o guia, que a gente apresenta por meio das personagens da Adriele, da Marineide e da Antônia. Que são neta filha e avó, que são mulheres negras afro-indígenas que vêm de uma situação de um território onde tem mineração, então tem violação de direitos ali, elas têm que migrar para o urbano. A gente tentou trazer essa realidade, mas tem um pano de fundo aí que é a questão do território e do acesso à terra no Brasil pela população negra e pela população indígena.

Dani:Tributar mais rendas patrimoniais, como é o caso do patrimônio rural e heranças é uma maneira de reparar as violações cometidas contra povos originários, quilombolas, comunidades tradicionais, e, dessa forma, beneficiar diretamente as mulheres.

Carmela: Então, na medida em que o processo de colonização finaliza, essas populações não tiveram a garantia de terra e território, que acabou ficando mesmo na mão dos colonizadores que são o grupo branco da formação da sociedade brasileira. Então a gente entende que também tem um fator de reparação histórica nesses processos de garantia de terra e território para essas populações e de taxação de heranças e também de grandes fortunas que nascem desse processo e que estão hoje aqui na nossa contemporaneidade. Então, é redistribuir melhor a riqueza do Brasil considerando que a população negra indígena trabalhou muito para que a gente tivesse esse país que a gente tem hoje, mas a desigualdade é o que impera.

Grazi: Embora aumentar o imposto de heranças, patrimônios e riquezas sejam importantes para reduzir desigualdades econômicas, de gênero e de raça, o tema da reforma dos impostos diretos que mais aparece nas mídias é o o imposto de renda das pessoas.

Dani: O processo de reforma da tributação direita, ou seja, de  renda, patrimônio, riqueza está acontecendo aos poucos. Primeiro, a tributação de offshore foi aprovada em 2023. Rendimentos de investimentos pessoais no exterior e lucros de empresas offshores passarão a ser tributadas anualmente em 15%, para se aproximar do que ocorre no contexto nacional. A medida é boa, mas como ainda existem paraísos fiscais com baixa transparência, a falta de transparência pode dificultar que esta tributação ocorra de fato.

Grazi: Segundo com tributação de fundo de investimento fechados, também aprovada em 2023. Fundos fechados são aqueles exclusivos, que não permitem a adesão de novos cotistas e que têm a impossibilidade de resgatar cotas antes do prazo de duração do fundo. Os rendimentos dos fundos abertos são tributados em 15% em maio e novembro. Conhecido como “come cotas”, é uma antecipação da cobrança do imposto de renda, para reduz a acumulação com redução dos juros compostos ao longo do ano. Nos fundos fechados essa tributação ocorria somente no momento de liquidação. A lei igualou a tributação entre fundos fechados e abertos.

Dani: E em terceiro, se desenha o objetivo de reduzir o grave problema de assimetria no imposto de renda pessoa física entre a tributação da renda de trabalhadoras e trabalhadores e da renda do capital, em especial dos super ricos. Debora Freire, subsecretária de política fiscal:

Débora: O imposto de renda no Brasil é progressivo até determinado ponto, e quando você chega ali no 1%, no 0,01%,  ele passa a ser regressivo, quem está lá no topo da distribuição paga uma alíquota efetiva de imposto de renda menor do que quem está no meio, ou de quem está ali no quase topo da distribuição. Isso não pode acontecer, porque, diferentemente da tributação do consumo, a tributação direta, ela tem deve ser progressiva,  progressiva por natureza, em tese.

Pronunciamento Fernando Haddad, ministro da Fazenda, explica ao congresso nacional a proposta da reforma da tributação sobre a renda.

Grazi: A proposta de reforma do imposto de renda apresentada pelo governo em 19 de março de 2025 tem o potencial de reduzir desigualdade entre quem   ganha mais ou menos renda. Para compensar esta perda de arrecadação, pretende-se adotar um imposto mínimo de apenas 10%  para as 141 mil pessoas que têm as rendas mais elevadas no país, em torno de 100 mil reais por mês, cerca de 20 mil doláres. Isso representa apenas 0,06% da população brasileira, de acordo com as perguntas e respostas sobre o projeto de lei, elaboradas pelo governo federal.

Debora: Essa regressividade existe, porque esses indivíduos que estão no topo da distribuição ao ao receberem renda que tem uma série de isenções como dividendos por exemplo ou outros ganhos de capital eles acabam pagando uma alíquota efetiva muito pequena e aí o que vai acontecer é que a gente vai ter uma alíquota efetiva mínima para essas pessoas.

Dani: A alíquota efetiva média que pagam os 141 mil contribuintes super ricos que ganham em torno de 100.000 reais por mês é de apenas 2,54%. A proposta é tributá-los em um mínimo de 10%. Mas, trabalhadores formais, com carteira de trabalho, e servidores públicos, que estão no topo da alíquota do imposto de renda pessoa física, pagam uma alíquota efetiva maior que os 10%. Portanto, trabalhadores formais na alíquota máxima seguirão pagando mais que os super ricos no Imposto de renda pessoa física.

Grazi: Isso não é justo e é um dos fatores que tem começado a gerar resistência à proposta por parte das pessoas de renda média no Brasil. Ainda que entendam e apoiem ambas as medidas de isentar quem tem salário inferior a 5 mil reais, e tributar mais super ricos, esse grupo não consegue compreender porque deve seguir pagando mais de alíquota do que super ricos. Seguem se sentindo injustiçados e acabam respondendo com resistência à proposta. É importante olhar para esse grupo, que representa hoje cerca de 10% dos contribuintes do imposto de renda. Isso corresponde a cerca de 10 milhões de pessoas. Para que o imposto de renda das pessoas seja totalmente progressivo, seria necessário reverter as leis de 1996, que isentaram a tributação de dividendos e adotaram a figura do juros sobre capital próprio. Isso permitiria reduzir a tributação nas empresas, se alinhando com as práticas internacionais. Tornaria o ambiente de negócios brasileiro mais competitivo ao mesmo tempo em que promoveria progressividade e justiça fiscal no imposto de renda das pessoas.

Dani: Por que uma reforma tributária de renda teria o potencial de diminuir a desigualdade de gênero e raça?

Debora: há uma correlação forte entre desigualdade de renda e desigualdade de gênero, porque quando a gente olha para os dados do Imposto de Renda de pessoa física, quem está no topo da distribuição e que angaria a maior parte desses rendimentos isentos e que atualmente pagam uma alíquota efetiva muito baixa,  são majoritariamente homens, e homens brancos, obviamente, quando a gente considera a estrutura distributiva no Brasil.

Grazi: A reforma do imposto de renda proposta não tem o objetivo direto de reduzir desigualdades de gênero. Deveria, já que esse é um efeito que ocorre pela estrutura da desigualdade no país.

Debora: Em geral, mulheres têm mais renda do trabalho, então elas são tributadas já pelo Imposto de Renda de Pessoa Física por conta do Imposto sobre Renda do Trabalho, do Imposto de Renda de Pessoa Física. Mas, em geral, as mulheres não são CEOs, as mulheres não têm tantas ações, né, de empresas, e aí, consequentemente, por exemplo, elas recebem menos renda do capital, né, porque são menos detentoras de capital. Então, é uma estrutura mesmo da nossa sociedade que faz com que a gente tenha esse efeito de desigualdade de gênero no imposto de renda de pessoa física.

Sobe música

Dani: Para que a reforma tributária de renda avance na direção da igualdade de gênero e raça é fundamental a participação das pessoas e dos movimentos sociais organizados, na opinião de Clara Marinho. Principalmente por que a batalha no Congresso será travada com muitos parlamentares que possuem visão equivocada sobre o significado de gênero:

Clara: É um Congresso bastante conservador, é um Congresso que tem dificuldades de acolher pautas explicitamente vinculadas à igualdade. Só para lembrar uma coisa que está lá na reforma. Na emenda constitucional, você vê que tem uma avaliação para a reforma que contempla a igualdade entre homens e mulheres. Então gênero não entrou porque é ideologia de gênero.

Grazi: A expressão ideologia de gênero é um termo utilizado pelas pessoas mais conservadoras da sociedade que são contrárias a propostas para uma educação mais inclusiva e respeitosa com mulheres e a população não binária.

Dani: Clara, de que maneira as pessoas e movimentos sociais podem atuar pela justiça fiscal diante desse cenário?

Clara:  Eu vejo um debruçar sobre as práticas internacionais sobre o assunto e vejo um diálogo mais intenso com os servidores públicos. Acho que tem uma janela colocada, que são as cotas no serviço público, acho que há um número grande de servidores públicos sensíveis para atuar em perspectiva antirracista na esplanada dos ministérios.

Música Call to action

Grazi: Para que haja reformas tributárias que reduzam desigualdades econômicas, de gênero e de raça, é preciso que você que nos ouve, e toda a sociedade, esteja informada e organizada.  Quanto mais nos engajarmos em ações coletivas de movimentos negro e de mulheres, mais chances temos de motivar o parlamento para olhar para as desigualdades, para que sejam aprovadas reformas que de fato, beneficiem  a todas as pessoas, independente de gênero e raça.  Sem democracia, não há justiça fiscal. Esse é inclusive o título do episódio 16 do É da Sua Conta e que trata desse R da tributação, que é a representatividade. A cada cinco anos a reforma da tributação do consumo será reavaliada. É fundamental participarmos destes espaços, unirmos força para fazer nossas vozes serem ouvidas sobre o que é justiça fiscal. Em março de 2025 iniciou a tramitação da reforma da tributação da renda no Brasil.  É uma oportunidade imensa de promover redução de desigualdades econômicas, de gênero e raça no imposto que tem maior potencial de ser redistributivo. A sociedade precisa estar mobilizada e ser ouvida por justiça fiscal e social.

Música

Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler.  A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David.  Um abraço e até o próximo.

Dani: Um agradecimento especial a Teresinha Menezes pela participação especial na contação da história. Um abraço a você que nos ouviu até aqui e até o próximo!


Outras Fontes

1

Guia Desigualdade no Bolso - justiça fiscal para mulheres brasileiras:

2

#62 – Discriminação contra as mulheres se combate com justiça fiscal

3

#58 Mudanças tributárias nas nossas mãos

4

#59 – Primeiro justiça fiscal, depois flores

5

#47 – Mulheres exaustas, a culpa é dos super ricos

6

#28 – O privilégio fiscal é branco

7

#25 – Por que mulheres são mais tributadas do que homens?

8

#16 – Sem democracia não há justiça fiscal

9

#5 – Qual reforma tributária o Brasil precisa?
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