#60 Imposto mínimo global aos super ricos: como?
#59 Primeiro justiça fiscal, depois flores!
#61 Passos históricos para convenção tributária equitativa
Convidadxs

O Brasil, na presidência do G-20, propôs tributar os super ricos como maneira de combater a desigualdade. Para isso, contratou EU Tax Observatory (Observatório Tributário da União Européia) e convidou organizações que lutam por justiça fiscal para apresentarem propostas que, no final, podem se transformar numa declaração da presidência do Brasil com assinatura de apoio dos outros 18 países e dois blocos regionais. Como o G-20 pode fazer avançar a discussão global de tributação aos super ricos?

As propostas do EU Tax Observatory, das organizações que lutam por justiça fiscal e as expectativas do  governo brasileiro na presidência do G-20 sobre o imposto mínimo global aos super ricos estão no episódio #60 do É da Sua Conta.

 “Se juntar todos os impostos que o super rico paga no imposto de renda pessoal sobre contribuições sociais  e eles não atingirem 2% da riqueza, então se paga um complemento de imposto de renda para chegar a 2% de sua riqueza. ” 
~ Quentin Parinello, Eu Tax Observatory

“Indicadores e estudos mostram que mesmo em países onde o sistema tributário é progressivo, o 0,5%, 0,1% dos mais ricos, pagam muito poucos impostos. Então, progressividade na tributação das altas rendas é o que precisa acontecer: tributar as propriedades, veículos, jatinhos, helicópteros, investimentos.”
~ Nathalie Beghin, Inesc
 
 “Eu vejo essa proposta de tributação dos super-ricos que o Brasil tem colocado no G-20 como uma semente, para que a gente possa, em algum momento ter essa medida de fato implementada.”
~ Débora Freire, Ministério da Fazenda do Brasil

“ A gente acha super importante que todos esses mecanismos e discussões sobre como tributar os super ricos ocorram no âmbito das Nações Unidas, com maior nível de igualdade entre os países que ali participam.”
~ Florencia Lorenzo, Tax Justice Network

Transcrição

Trecho reportagem fome
Família conta como sobrevive comendo restos de osso e de comida encontrada no lixo.

Reinaldo Zanon
Empresário conta que demorou 7 meses para encontrar o novo jato, que o mercado de aeronaves está super aquecido e a fila de espera para comprar um novo é de 3 anos.

Daniela Stefano
Até quando vamos permitir as desigualdades no mundo?

Grazielle David

Ainda mais quando existem mecanismos eficazes para redução de desigualdades.

 

Música É da Sua Conta
Grazi

Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.
Dani

E eu a Dani Stefano. O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal. Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.
SOBE música abertura

Grazi
Tributação dos super ricos como forma de combater as desigualdades é o tema do episódio #60 do É da sua conta.

Vinheta passagem

Debora Freire
Olá, sou Débora Freire, sou subsecretária de Política Fiscal na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e sou originalmente professora de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais e do CDPLAR em Minas Gerais. A gente passou por uma grande crise, né, em 2020, pela pandemia de Covid-19, essa crise aprofundou as desigualdades, a gente sabe que existem problemas climáticos que já não são mais futuro, que já são muito presentes,e isso tem, de fato, trazido efeitos adversos principalmente para as populações mais vulneráveis e num contexto global, para os países mais pobres.
Nathalie Beghin
Eu sou Nathalie Beghin, do Colegiado de Gestão do Inesc.

De um lado a gente tem o aumento das desigualdades, o aumento da fome, a fome praticamente atinge um bilhão de pessoas, era mais de 800 milhões no último dado publicado pela FAO das Nações Unidas. Os pobres estão empobrecendo, como a Oxfam documentou, os 5 bilhões de pessoas mais empobrecidas estão mais pobres nos últimos meses do que estavam antes e de outro lado você tem os ricos cada vez mais ricos né Também a Oxfam relata que os cinco bilionários mais ricos dobraram suas fortunas em tempos recentes. E aí entra uma das propostas, que é justamente tributar os super ricos

Fernando Haddad
O Brasil pode desempenhar um papel importante de chamar atenção e jogar luz sobre problemas que não estariam na agenda do G20 se não fosse esse papel mediador que o Brasil pode exercer.

Dani
A declaração do ministro brasileiro da fazenda, Fernando Haddad,  foi dada em São Paulo, em fevereiro de 2024, em uma reunião ministerial do G-20. O grupo foi criado em 1999 e reúne ministros da economia e presidentes de Banco Central de 19 países, além da União Europeia e União Africana.  A ideia do grupo é que lideres destes países e blocos se encontrem e discutam iniciativas econômicas e sociais para juntos buscarem soluções para os problemas que afetam as nações. E o Brasil na presidência do grupo até novembro de 2024, colocou a proposta de tributar os super ricos como uma maneira central de combater a desigualdade.

Debora
Talvez a maior prioridade da presidência brasileira no G20 é colocar a importância do tema da desigualdade na discussão global.
Grazi
Débora Freire é subsecretária de Política Fiscal na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda

 

Debora
Mas o que o Brasil tem trazido de muito inovador é colocar o debate da desigualdade no cerne do debate macroeconômico e da tributação internacional. Então, o Brasil entende que é muito importante que a gente, de fato, comece a discutir no âmbito global uma tributação dos super ricos, uma tributação mais progressiva, para que a gente, de fato, consiga tanto enfrentar as crises que estão aí, mas também para que a gente consiga mais coesão social e mais democracia, ou seja, consolidar os sistemas democráticos que, de fato, são super importantes.

Vinheta passagem

Dani
E para que a tributação dos super ricos se torne realidade, primeiro é necessário definir de que forma esses ricaços globais passariam a contribuir de maneira mais justa.

Grazi
O Gabriel Zucman, diretor do EU Tax Observatory, o Observatório Tributário da União Europeia, foi convidado pela presidência brasileira no G20 para apresentar uma proposta de tributação para os super ricos durante a reunião ministerial que ocorreu em São Paulo em fevereiro de 2024. O Gabriel é professor da Faculdade de Economia de Paris  e é também membro da ICRICT, uma comissão por uma reforma tributária internacional. Essa é a primeira vez que um acadêmico é convidado para  apresentar uma proposta destas no G20.  De onde vem os dados apresentados nesta proposta? Quem responde é Quentin Parinello, assessor político deste Observatório Tributário europeu.

 

Quentin Parinello:
Há alguns meses, o observatório tributário da União Européia divulgou seu primeiro relatório global sobre evasão fiscal. Usando dados fiscais oficiais, ele analisou o impacto das reformas fiscais internacionais nos últimos 10 anos: o que funcionou, o que não funcionou e, mais importante, o que não fizemos ainda. Nessa última parte a mensagem era que as próximas reformas internacionais deveriam ser na tributação dos muito ricos. E olhamos para uma série de sistemas fiscais e mostramos que eles falham em tributar os muito ricos. Fomos convidados a apresentar este resultado aos ministros das fazenda do G20 e argumentamos que, para corrigir essa deficiência na progressividade dos sistemas fiscais, precisamos daquilo que Gabriel Zucman chamou de um imposto mínimo coordenado sobre os super-ricos.

Dani
Como seria essa tributação mínima dos super ricos?

Quentin
É basicamente um imposto complementar semelhante ao que existe para a discussão do pilar 2 do imposto mínimo global sobre as grandes corporações.

Grazi
O pilar 2 é um dos dois pilares do BEPS, que é sigla de erosão da base tributavel por transferência de lucro, que foi acordado na OCDE, o clube dos países ricos. O pilar 2 determina que os grupos multinacionais que possuem um volume de negócios global anual superior a 750 milhões de doláres recolham pelo menos 15% de imposto sobre sua renda em todas as jurisdições em que atuam, estabelecendo um nível mínimo de tributação global corporativo. A Tax Justice Network acredita que que esse imposto mínimo deveria ser de pelo menos 25%. De volta ao Quentin e à ideia de tributar os super ricos com uma espécie de imposto complementar, um imposto mínimo sobre a sua riqueza.

Quentin
Então, o complemento acontece sempre que os muito ricos não pagam impostos suficientes e a questão é: como devemos avaliar se eles pagam impostos suficientes? Bem, considerando sua riqueza.
Por que? Porque a renda dos muito ricos é muito, muito facilmente manipulável,  estruturam a sua riqueza para que não gerem qualquer renda tributável. É por isso que queremos que esse imposto mínimo seja avaliado como um mínimo da sua riqueza, e é por isso que o chamamos de imposto mínimo sobre os muito ricos.

Dani

E importante entender  o que se quer dizer com a riqueza dos super ricos. Isso porque muitas das riquezas não são adquiridas com o suor do rosto, um salário como nós, pessoas comuns. Os super ricos tem ações, investimentos, ativos, bônus e todo tipo de bens… então temos que ter isso em mente quando  se fala em tributar os super ricos. E como esse valor mínimo de imposto aos super ricos será calculado?

Quentin
Vai ser mais do que renda. A questão é que se  pegar todos os impostos que o super rico paga no imposto de renda pessoal sobre contribuições sociais e tudo mais e eles não atingirem dois por cento da riqueza, então se paga um complemento de imposto de renda para chegar a dois por cento de sua riqueza.

Dani

Esta arquitetura tributária está na proposta que o EU Tax Observatory deve apresentar ao G20 e que foi encomendada pelo governo brasileiro.  Mas… Qual é a diferença entre renda e riqueza?

Grazi
A renda é fluxo enquanto a riqueza é estoque. Por exemplo, um rio um rio que corre, no seu fluxo, seria como a renda: os afluentes que vão chegando podem ser diversos, desde rendas do trabalho, por exemplo de quem é assalariado, até rendas de capital, por exemplo de quem tem investimentos, faz aplicações financeiras, tem renda de aluguel, coisas assim. No meio do caminho tem uma “barragem”, os impostos sobre a renda. Mas, imagina que seja possível criar um desvio de uma parte do curso do rio que não passe pelas barragens, esses seriam os mecanismos de abuso fiscal, e eles são bem mais fáceis de fazer com rendas do capital do que com renda do trabalho. Além disso, tem rios com muito menos água e outros com muito mais água, que seriam os super ricos. Imagina que no final, cada um desses rios desagua num lago. Esse lago parado, seria a riqueza. O rio que teve mais afluentes e mais agua correndo terá um lago muito maior. Ainda mais se tiver feito muitos desvios no caminho para “fugir” das barragens. Por isso a proposta é ter um imposto de riqueza, no lago, e não apenas um imposto de renda, no rio. Com isso se garante que todos contribuam igualmente para as barragens que foram necessárias no caminho, para ter água para beber, para plantar, para gerar energia. Os impostos servem para isso também, financiar serviços públicos para garantir os direitos, como saúde, educação.  É por isso que essa proposta de tributar os super ricos olha para o imposto sobre a renda para ver se eles contribuiram com o mínimo de 2% de sua riqueza, isso é, se as barragens no rio conseguiram reter pelo menos 2% do que está chegando no lago. Caso não tenha feito isso, esse valor mínimo seria cobrado.

Dani
Quanto seria possível arrecadar, caso esse desenho de um imposto mínimo sobre os super ricos fosse implementado mundialmente?
Quentin
Pra começar, executamos um cenário central com um imposto mínimo de dois por cento sobre a riqueza apenas de bilionários e encontramos que esse cenário muito simples e um tanto modesto poderia gerar uma receita aproximada de 250 bilhões de dólares por ano. Para se ter uma ideia, isto é muito mais do que as receitas esperadas do pilar 2 neste momento, que variam entre 150 e 200 bilhões de dólares nas estimativas mais recentes da OCDE.

Grazi
Novamente, isso mostra que a alíquota de 15% imposta pela OCDE  é muito baixa na tributação mínima do imposto corporativo.

Dani

E voltando pros super ricos, eles geram suas riquezas a partir de rendas, patrimônios, obras de arte, jatinhos que viajam muito espalhando carbono, entre outros bens e ativos dispersos pelo mundo todo. Com relação ao direito de tributação: com base em quê os países poderiam adotar esse imposto mínimo de 2% sobre a riqueza?

Quentin
Deixe-me dar dois exemplos polares aqui. Você pode justificar o fato de que você cresceu em seu país,  é residente fiscal naquele país e ficou muito rico. Partes do seu sucesso se devem aos bens públicos daquele país, ao sistema educacional, de saúde, infraestrutura, então é justo que sua riqueza tributável seja tributável naquele país: esse é um cenário. Outro cenário é que, como quando você é muito rico, sua riqueza deriva principalmente de ativos financeiros, que são, na verdade, empresas que têm acesso aos mercados globais que emitem carbono em todo o mundo. Também é justo, até certo ponto, pensar que os direitos de tributação também poderiam ser distribuídos a esses países. Estes são dois cenários políticos, ambos têm os seus méritos e precisam de uma discussão política e em ambos os cenários a atribuição de direitos tributários seria completamente diferente. E a distribuição das receitas fiscais também seria completamente diferente. Não cabe a nós acadêmicos dizer este é melhor que o outro. Não tenho certeza se temos todos os dados agora para fazer isso, mas tentaremos até certo ponto, modelar esses dois cenários em nosso relatório.

Música

Grazi
Os países podem tributar a riqueza de quem ali mora, mas quando essa riqueza cruza fronteiras, a cooperação internacional é necessária.

Haddad
Começaremos hoje com um tema que talvez seja a chave para resolvermos muitos dos desafios que enfrentamos. Falo da tributação internacional justa e progressiva. Soluções efetivas para que os super ricos paguem sua justa contribuição em impostos dependem de cooperação internacional.

 

Dani
O Brasil na presidência do G-20 trouxe como prioridades combater a fome, a pobreza e as desigualdades. E para isso, propõe a tributação dos super ricos. Além da proposta que está sendo elaborada pelo EU Tax Observatory, organizações e redes internacionais que lutam por justiça fiscal também foram convidadas a apresentar uma proposta ao G-20. A Nathalie Beghin, do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) faz parte deste grupo global que elabora o documento. A ideia é apresentar 10 propostas para o G-20. sendo que a mais importante delas, é de que o espaço letígimo para discutir cooperação em matéria tributária é, na verdade, a ONU.

Nathalie Beghin
Porque é nesse espaço que todos os países têm voz, não somente 20, mas quase 200 do mundo. Esse espaço já tem mecanismos tradicionais de escuta da sociedade civil. Enfim, é o lugar mais legítimo para poder discutir a matéria da tributação.

Grazi
Para as organizações justiceiras fiscais, arrrecadar de maneira justa é importante, mas a maneira que o recurso será aplicado também deve visar um mundo justo, um planeta sustentável e democracias fortalecidas.

Nathalie
A gente também demanda que, quando o G20 for discutir questões referentes à tributação, tenha um olhar atento para as desigualdades de gênero, que a questão de gênero seja levada em conta em qualquer medida que seja implementado o propósito em matéria de tributação. O que deve prevalecer é a solidariedade Por isso que é o Estado que deve arrecadar, não se trata de mobilizar recursos privados, com parcerias público-privadas, mas mobilizar recursos que o Estado administre. A gente tem que pegar dinheiro para poder enfrentar essas mazelas sociais e ambientais de quem mais tem e pouco contribui.

 

Dani
Tributar os super ricos é UMA das medidas tributárias que devem ser adotadas para combater as desigualdades. Mas é preciso instrumentos para avançar na progressividade, ou seja, que quem tem mais contribua com mais.

Nathalie
Tributar os super ricos é uma medida entre várias outras que precisam continuar aacontecer, que é progressividade na tributação das altas rendas, que é tributar as propriedades, que sejam propriedades rurais propriedades urbanas, veículos, jatinhos, helicópteros, tributar os investimentos e aí você pode tributar os super, super ricos, de uma maneira um pouco mais acentuada. Porque o que os indicadores e os estudos mostram é que mesmo em países onde o sistema tributário é progressivo, lá no 0,5%, 0,1% dos mais ricos, ela passa a ser regressiva, porque eles pagam muito poucos impostos. A ideia é que eles contribuam justamente como os demais grupos da população.

 

Grazi
A proposta das organizações que lutam por justiça fiscal será entregue no próximo seminário internacional que a presidência brasileira do G-20 está organizando, prevista para acontecer nos dias 22 e 23 de maio de 2024 em Brasília.

música

Dani
Então o Brasil, na presidência do G-20, contratou a assessoria do EU Tax Observatory, mas também deve receber uma proposta de organizações do Brasil e do mundo que lutam por justiça fiscal. Vamos chamar a Débora Freire, do Ministério da Fazenda de volta: Como o Brasil na presidência do G-20 está planejando trabalhar com essas duas propostas?

Debora
Estamos nesse processo de esperar esses insumos, de coletar esses insumos, tanto da sociedade civil, quanto do estudo coordenado pelo professor Zuckman.  .basicamente o que se espera do G-20 é uma declaração, a ser aceita ou não pelos países membros.  A declaração acaba sendo um fruto desse processo de escuta, tanto de acadêmicos renomados na área quanto da sociedade civil.mas o que se espera é que a gente avance, propondo a adesão para uma declaração conjunta, que aí depende de fato da adesão dos países membros.

Grazi
Sociedade civil significa nós, as pessoas que vivemos num país e pressionamos por mudanças em favor da maioria.

Dani

E embora o G20 seja um grupo de discussão ministerial importante, os países membros deste grupo não tem obrigação de transformar o que estará na declaração  em legislação local, regional ou internacional. O Brasil parece estar comprometido em tentar mudar a maneira como as riquezas são tributadas. De que forma essa proposta encampada pelo governo brasileiro à frente do G-20 pode contribuir para que, de fato, a tributação das pessoas mais ricas do mundo se torne realidade?

Debora:
Então, é muito difícil que, do ponto de vista global, a gente avance sem que, inicialmente, esses temas sejam discutidos nesses grandes fóruns. Então, basicamente, trazer essa discussão para o G20, por mais que a gente possa não ter, de fato, um efeito direto de que exista uma medida que vá ser, de fato, implementada, as discussões acabam trazendo essas sementes e essas discussões vão se aprofundando ano após ano. Fórum após fórum, e muitas vezes culminam em medidas que são, de fato, mais amplas e mais diretas, Então, eu vejo essa proposta de tributação dos super-ricos que o Brasil tem colocado como uma semente,para que a gente possa de fato chegar em algum momento e essa medida possa ser de fato implementada.

Grazi

A principal proposta das organizações de justiça fiscal para o G-20 é exatamente levar a discussão da tributação para a ONU. Qual a posição do Brasil em relação ao processo da Convenção Tributária da ONU?

 

Debora
Existe a discussão no âmbito do G20, O Brasil tem se proposto a discutir progressividade tributária do ponto de vista internacional e combater a desigualdade do ponto de vista da tributação internacional no G20 e ele tem a mesma posição na ONU. As discussões são complementares, eu acredito, não vejo de fato essa divergência entre discussões e o Brasil mantém a sua posição de fato de defender uma tributação mais progressiva e o combate às desigualdades nos dois fóruns.

Dani

Vale lembrar que existe também um movimento forte e global de multimilionários que quer contribuir com mais impostos e demanda isso dos governos. Caso você não tenha ouvido ainda, o episódio #21 do É da Sua Conta fala sobre isso! E se existe esse movimento dos próprios ricos, talvez seja mais interessante aumentar a alíquota. Dados da Oxfam mostram que com um imposto de 5% na riqueza dos multimilionários e bilionários globais seria possível arrecadar 1 trilhão e 700 bilhões de dólares por ano!

Sobre BG

Grazi
Como já falamos nesse episódio, já foi acordada uma tributação mínima global de 15% para multinacionais que faturam mais de 750 mil dólares por ano, é o pilar 2 do acordo BEPS da OCDE. O pilar 1 trata da questão de direito de tributação por cada país. Acontece que o resultado do processo do BEPS com os 2 pilares na OCDE para a tributação mínima global corporativa não foi bem aceito por diversos países e por diversas organizações que atuam por justiça fiscal. Isso porque o direito de tributação ficou muito mais com os países “mais ricos”, o que acabou por ampliar as desigualdades entre países.  Além disso, a porcentagem mínima ficou muito baixa, de 15%, nível de paraísos fiscais, ampliando desigualdades entre grandes grupos corporativos e empresas nacionais, já que as nacionais  pagam um imposto de renda jurídica mais alto. Agora, nos dialogos sobre tributação dos super ricos, estão falando que ela poderia funcionar como um “pilar 3” da cooperação tributária internacional.

Dani
Entretanto, conhecendo as críticas aos pilares 1 e 2, que elementos uma proposta para tributar os super ricos (em sua maioria homens brancos) precisa considerar para atender igualmente os países do norte e do sul global, isso é, os países de maior renda e de menor renda? Quem responde é a nossa colunista, a pesquisadora Florencia Lorenzo, da Tax Justice Network.

Florencia Lorenzo
Quando a gente fala de tributação de super-ricos, agora em particular fala de tributação dos bilionários, a gente está falando necessariamente de cooperação internacional, porque a gente sabe que esses sujeitos mega, ultra-ricos, eles não têm uma riqueza que é só doméstica né? Elas muitas vezes estão distribuídas entre diferentes países e isso demanda, inclusive para questões de intercâmbio de informação, né? A gente sempre fala do intercâmbio automático de informação,  que os países cooperem, auxiliem umas autoridades tributárias aos outros,  enfim, juntem informações, mas também ferramentas para tributar esses indivíduos. Mas aí quando a gente vê a história recente    de algumas iniciativas de cooperação tributária internacional, a gente vê que várias delas tiveram problemas muito sérios de… enfim, de justiça entre países, né? Porque a gente está falando, em última instância, também de como os direitos tributários se distribuem entre jurisdições. E também tem questões relacionadas à dinâmica de poder entre o Norte e o Sul global.

Grazi
Considerando a apresentação que o Gabriel Zucman, da EU Tax Observatory fez na reunião de ministros da fazenda do G20 em fevereiro de 2024, qual seria um primeiro ponto a ser observado pelo Brasil no que será sua proposta para que os países do sul global também sejam igualmente beneficiados?

Florencia
Bom, eu acho que um ponto de partida importante, assim, é essa caracterização da ideia de uma tributação dos bilionários, né? Recentemente, saiu a lista Forbes que elenca quem são os bilionários do mundo, né? Eles estão localizados no Norte global. Se a gente olha, por exemplo, no caso da África Subsaariana, eu acho que o relatório do Zucman mesmo fala que são só 11 os bilionários que residem na África Subsaariana. Então, enfim, se fosse para implementar  um imposto sobre a riqueza que tivesse um limiar que atacasse apenas os bilionários, não seria um imposto adequado para a realidade de vários países.

Dani
Caracterizar é fundamental pois super rico é um termo subjetivo, a depender da realidade local, já que uma pessoa muito rica num país pode ser menos rica em outro, dependendo se é um país de alta ou baixa renda.

Florencia
E aí, por exemplo, se a gente traz… para o contexto latino-americano mesmo, olhar o caso do Chile ou da Argentina, na última lista da Forbes tem menos de 10 bilionários incluídos em cada um desses países. O que é diferente para o caso brasileiro, por exemplo, né? O Brasil é um país que tem muita riqueza, mas é muito desigual. Então, tem um número maior de bilionários. Se a gente for olhar para as características de cada país, a gente pode pensar em imposto sobre riquezas que sejam mais adequados para as características do país que a gente está falando.
Grazi
No começo da nossa conversa você disse que para tributar os super ricos é fundamental a troca de informações entre países. Mas, existem desigualdades na capacidade dos países em produzir e trocar essas informações.

Florencia
Os mecanismos que a gente tem hoje em dia de intercâmbio de informação, eles são de dificilíssimo acesso para alguns dos países que mais precisam de aceder a essa informação. Então, se a gente olha a iniciativa de intercâmbio automático de informações,  são pouquíssimos os países africanos que hoje em dia estão recebendo informação nesse marco. Por quê? Porque é um mecanismo que, até o momento, não leva de forma suficiente em consideração o fato de que, muitas vezes, essas autoridades não conseguem participar desse mecanismo de início de forma 100% recíproca. Mas aí, quando a gente fala de reciprocidade no contexto de mecanismos de intercâmbio de informação,  tem uma questão que é muito mais razoável um bilionário africano esconder o dinheiro dele da Suíça do que o contrário, um suíço esconder o dinheiro dele em um país na África.

Dani
Por exemplo, para países de baixa renda não pode ser exigida recíprocidade, porque toma muitos recursos que eles não possuem. E pode ser que agrade a muitos países de alta renda que a riqueza dos países mais pobres flua facilmente no rio até eles, sem a barragem dos impostos nos países de menor renda.

Grazi
E para que a tributação mínima global dos super ricos combata de fato a desigualdade entre países, faz diferença também onde as discussões e decisões sobre essa tributação devem ser realizadas.

Florencia
É muito importante que a discussão sobre a tributação das grandes riquezas,  em suas várias formas, elas não aconteçam em contextos que tendem a reiterar as desigualdades entre países. A gente acha super importante que todos esses mecanismos e todas essas discussões, elas ocorram no âmbito das Nações Unidas e num contexto que tem um maior nível de igualdade entre os países que ali participam.

Grazi
E agora o Brasil também trouxe a discussão de tributação dos super ricos para o G20. Além disso, tem a plataforma tributária na América Latina e Caribe, com um grupo de trabalho de progressividade que também está pensando em uma proposta de tributação dos super ricos. E é possível que discussões assim também estejam ocorrendo em outras regiões do mundo. Então, como será que a gente faz para tentar trazer uma boa governança entre esses distintos espaços?

Florencia
Começou o processo de discussão sobre o que é essa convenção tributária, o que ela vai incorporar, quais temas elas têm que tratar, e os países foram chamados para dar a sua opinião, discutir quais elementos têm que ser incluídos na convenção, quais são os procedimentos que têm que ser levados em consideração na hora de tomada de decisão. E, dos países que compõem o G20, eu acho que 19 mandaram a opinião deles para esse mecanismo que se abriu para ouvir o que os países têm a dizer. Então, isso, para mim, é um excelente sinal e mostra que os países estão engajados nesses diferentes espaços, e que é o papel, também, da sociedade civil de cobrar que eles sejam consistentes, que o que eles dizem num espaço não seja contraditório no outro, e que a gente direcione as energias para aquele que a gente acha que é o mais frutífero.

Dani
E por falar no espaço considerado mais frutífero, que tipo de comentários foram enviados pelos países sobre o que deve ser levado em conta na convenção tributária da ONU?

Florencia
Alguns dos países que compõem a plataforma regional, como o Brasil, o Chile, a Colômbia, falando que a Convenção Tributária das Nações Unidas pode ser um fórum de grande importância para tratar tributação sobre a riqueza. Mas países do norte global mencionaram  a importância de que esse espaço que está sendo criado leve em consideração, também, demandas de maior progressividade e que o sistema tributário internacional dê conta de tributar aqueles que mais têm.

Grazi
Na ONU, além do processo da Convenção Tributária, tem também um subcomitê de tributação da riqueza dentro do comitê de especialistas em tributação. A diferença é que esse é um grupo de especialistas, enquanto o processo da Convenção é com os governos mesmo. Nesse subcomitê de tributação da riqueza foi publicado recentemente um documento que é basicamente um instrumento-guia para os países que decidem implementar esse imposto: o que levar em consideração, os aspectos a serem observados… Como esse documento pode contribuir com a proposta de tributação dos super ricos?

Florencia
A ideia de criar um instrumento tem a ver também com pensar o que, apesar de falar sobre realidades distintas, o que elas compartilham, quais são os elementos como base a gente precisa ter para poder tributar a riqueza de forma efetiva. Depois de publicar esse relatório, esse subcomitê recebeu agora um mandato para desenvolver uma espécie de modelo para países que querem adotar a tributação sobre a riqueza, o que é uma ferramenta, assim, extraordinária porque, muitas vezes, a gente acaba encontrando que, no contexto doméstico,  alguns países não têm tanta capacidade legislativa para implementar de forma autônoma ou não têm uma referência por onde começar, né?

Dani
Essa legislação modelo para tributação da riqueza deve nortear elementos e os parâmetros que ela precisa adotar. E com esses elementos bem propostos, a tomada de decisão política dos países poderá ser melhor fundamentada. É uma questão de vontade política.

BG FECHAMENTO

Grazi
Temos muitos motivos para acreditar que a tributação dos super ricos pode sair do plano das ideias e se tornar realidade:
. O tema ganhou força política e está sendo discutido em diversos fóruns: ONU, G20, Plataforma tributária LAC, Grupo Africano, e também dentro de diversos países.
. Existem propostas acadêmicas para servir de arquitetura modelo para esse imposto.Um exemplo super relevante é o da proposta inicial apresentada pelo professor Gabriel Zucman ao ministros da economia do G20 em fevereiro de 2024, e que está sendo fortalecida em forma de um relatório e servirá como uma das referências que o governo brasileiro utlizará para elaborar uma declaração para tributação dos super ricos, que eles esperam contar com diversas assinaturas de apoio.
. Na ONU, o subcomitê de tributação da riqueza já elaborou um documento de referência para os países que queiram adotar a tributação da riqueza, e agora estão elaborando uma legislação modelo.
. Também na ONU, a Convenção Marco das Nações Unidas para Tributação, ou Convenção Tributária, estará elaborando os termos de referência desse grupo de 26 de abril a 08 de maio de 2024.  A tributação de super ricos também está na agenda deste espaço, onde estão nossas maiores expectativas.
. Muitos super ricos QUEREM contribuir mais para a sociedades que os fizeram ricos e estão pedindo isso aos governos.
Tributar os super ricos por mais progressividade, mais justiça fiscal, mais recursos para um mundo justo e um planeta sustentável, para reduzir desigualdades e fortalecer as democracias.

vinheta encerramento

Grazi
O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.

Dani
Te desejo uma excelente continuação de dia, tarde ou noite… Um abraço e até o próximo.


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#64 Direitos humanos podem tornar a tributação mais justa
Os Direitos Humanos se tornaram uma das bases para que a tributação internacional seja mais justa. Isso porque eles estão presentes no termo de referência aprovado em agosto de 2024 e  que vai guiar a construção da Convenção Tributária Internacional das Nações Unidas. Mas até ser incluído no texto, esse foi um dos pontos que gerou mais debates entre os países membros da ONU que participaram do processo. Saiba como foi esse debate e a importância da inclusão de direitos humanos nesse documento.
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jul. 25
2024
É Da Sua Conta
#63 Poluidores devem pagar pela crise climática
Um dos setores que mais polui no mundo é o de transporte marítimo. Em 2022, 858 milhões de toneladas de gás carbono foram emitidas por embarcações no mundo todo. Deste total, 63% vêem dos navios gigantes dos países que fazem parte da OCDE. Além dos danos ambientais, essas corporações internacionais são também as que menos pagam impostos. Com justiça tributária também se combate a crise climática. Esse é o tema episódo #63 do É da Sua Conta
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