#51 Investimentos justos, economias melhores
#50 As armadilhas das criptomoedas
#52 Convenção na ONU pode conter $480 bi de abusos fiscais
Convidadxs

Investimentos justos, economias melhores: Motivado pelo comentário da ouvinte Aurora de Armas no episódio anterior, o episódio #51 do É da Sua Conta busca encontrar maneiras de investir ou apenas abrir uma conta corrente sem alimentar os lucros dos banqueiros e do mercado especulativo, contribuindo, de fato, para uma economia que funcione para as pessoas e fortaleça a produção de alimentos saudáveis e leve em conta o meio ambiente.

  • O sistema financeiro e os perigos do mercado especulativo, com Lena Lavinas (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
  • Como se ganha dinheiro com investimentos e a questão da baixa tributação de investimentos especulativos, com Márcio Calvet Neves (Instituto de Justiça Fiscal).
  • Finapop, uma empresa que financia a agricultura que produz alimentos saudáveis e agroecológicos, com Ana Terra (Finapop).
  • COPAVI, uma cooperativa formada por assentados da Reforma Agrária e que foi beneficiada com os investimentos captados pela FINAPOP, com a cooperada Cris.
  • CRESOL, uma cooperativa de crédito na qual qualquer pessoa (física ou jurídica) pode se tornar associada ao abrir uma conta corrente, por exemplo, com Vitor Hugo Tonin.
  • Reforma do Imposto de Renda: o que pode ser feito para que investimentos especulativos sejam melhor tributados e contribuam para a economia “real”.

“Toda crise é uma sobreacumulação do capital. Tem muito capital sobrando e esse capital não está sendo reinvestido na produção, se desloca para o sistema financeiro, onde os rendimentos nessas aplicações começam a aumentar”.
Lena Lavinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro

O nosso objetivo tem que ser acabar ou pelo menos aproximar a tributação do capital à tributação da renda. Com a atual legislação brasileira, que tributação sobre investimentos é zerada ou muito baixa, você aumenta a desigualdade social.”
Márcio Calvet Neves, Instituto de Justiça Fiscal

“Para as pessoas que têm dinheiro, sugiro investir em cooperativas, projetos de produção –  industrial ou agropecuária – , de preferência projetos coletivos e com perspectiva sustentável.”
Aurora de Armas, ouvinte É da Sua Conta

“O sistema financeiro pode canalizar recursos de quem tem dinheiro parado para quem precisa do dinheiro para investir. A questão está justamente em quem dirige o sistema financeiro e, por isso, a importância da gente ter um sistema financeiro que seja dirigido coletivamente, endereçado para atender coletivos”
Vitor Hugo Tonin, Cresol

Os resultados do crédito Finapop às cooperativas de produção de alimentos: “casos  de cooperativas que duplicaram ou triplicaram até o faturamento; geraram mais postos de trabalho e agroindústrias fizeram adaptações para eliminar o seu impacto ambiental”
Ana Terra, Finapop

“Com essa moenda e a instalação da caldeira, a gente consegue quase zerar o consumo de lenha, só utilizando o bagaço de cana para tocar a estrutura industrial. Com as mudanças na estrutura, a gente avalia que diminuiu entre 6 e 7 graus a temperatura dentro da indústria, diminuindo o esforço físico envolvido pelas trabalhadoras e trabalhadores no processo de produção.”
Cristina Sturmer dos Santos, Copavi

É da sua conta é o podcast mensal em português da Tax Justice Network. Coordenação: Naomi Fowler. Produção e apresentação: Daniela Stefano e Grazielle David. Download gratuito. Reprodução livre para rádios.

Transcrição

Abertura + Sobe BG

Grazielle David: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.

Daniela Stefano: E eu a Daniela Stefano.

O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.

Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.

SOBE BG

Grazi: Investimentos justos, melhores economias: é possível? Esta é a pergunta que o episódio 51 do É da Sua Conta vai tentar responder.

BG

Aurora: Eu sou Aurora de Armas, de Curitiba, Parana – Eu não tenho dinheiro para investir. Se eu tivesse, não investiria, não recomendo investimento no campo especulativo, no campo de papéis, em coisas que me soam metaverso. E aí sugiro para as pessoas que têm dinheiro para investir, investimentos em cooperativas, em projetos de produção mesmo, seja de produção industrial, seja de produção agropecuária, de preferência projetos coletivos e projetos com perspectiva sustentável.

Dani: Se voce escutou o episódio anterior do É da Sua Conta até o finalzinho já conhecia o depoimento da nossa ouvinte Aurora de Armas.

E a sugestão dela, em investir em algo produtivo nos deixou com várias ideias e perguntas.

Grazi: Se você tem algum dinheiro para investir e quer saber como a economia pode ser melhor para todas as pessoas e o planeta…

Segue escutando o episódio #51 do É da Sua Conta porque vamos trazer boas ideias de investimentos mais justos, com exemplos de cooperativas e produção de alimentação saudável.

Dani: E também vamos falar sobre outro elemento fundamental para um investimento mais justo: que ele também seja tributado, tanto nos rendimentos quanto nos ganhos de capital.

Grazi: Mas antes, vamos começar falando do sistema financeiro, e do porque é importante para uma melhor economia sair dos investimentos especulativos.

BG

Dani: Em março de 2020 a pandemia de covid19 foi decretada e, a partir daí, muitos processos de acumulação de riquezas foram ampliados e acelerados, principalmente no mercado de investimentos.

Grazi: Só na América Latina e Caribe, a riqueza dos bilionários cresceu 21% do começo de 2020 ao final de 2022.

Durante a pandemia surgiram 30 novos bilionários na região, com uma riqueza acumulada de 66 bilhões de dólares, maior que o PIB de um país como Uruguai com 3 milhões e meio de habitantes, mostra estudo da Oxfam.

Dani: E o mercado especulativo também cresceu:

Em 2003 a bolsa de valores brasileira movimentou mais de 38 bilhões de dólares. Em 2008 foram negociados quase 250 bilhões de dólares.

Mesmo em meio à devastação trazida pela Covid-19, o mercado de capitais foi o destino preferido de quem tinha dinheiro: só nos primeiros seis meses de 2020, a bolsa de valores brasileira movimentou 750 bilhões de dólares.

Lena: Toda crise no capitalismo é uma crise de sobreacumulação.

Grazi: Essa é Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Chama a atenção que desde os anos 1980, o setor financeiro brasileiro sempre teve lucros, mesmo quando o Brasil vivia um período de inflações altas, na década de 1980; até agora em 2023, quando seguimos em crise, no pós pandemia.

Lena: Eu começo a ter justamente uma queda nos lucros do capitalista, aquele capitalista que investia começa a ter uma queda também da produtividade, e ele vai buscar alternativas para justamente poder obter maiores remunerações ao dinheiro investido. E é justamente nesse momento que a riqueza financeira vai passar a oferecer taxas mais elevadas de remuneração.

Dani: O processo especulativo começou no final dos anos 1970, com uma grande abertura financeira que permitiu a deslocalização das indústrias:

A produção de uma única empresa passou a estar espalhada em várias partes do mundo e originou as multinacionais e transnacionais.

A globalização foi possível devido à falta de controle nos fluxos de capitais que entram e saem dos países.

Segundo Lena Lavinas, a globalização e a liberalização financeira mudaram por completo a lógica do capitalismo:

Lena: E isso, portanto, vai levar ao que muitos caracterizaram como um regime de crescimento baseado na dívida. Porque tem muito capital sobrando e esse capital não está sendo reinvestido na produção, porque ele não está ganhando lucro ali e ele começa a se deslocar para o sistema financeiro, onde os rendimentos nessas aplicações começam a aumentar.

Grazi: Um exemplo: quando um investidor coloca dinheiro nas ações negociadas em bolsas de valores, ele está emprestando dinheiro para uma empresa, por exemplo, produtora de commodities, como a soja, para, depois, receber o valor investido com juros.

Lena: Não por acaso no Brasil, o grande enfrentamento entre o governo federal e o Banco Central é que a taxa de juros está em 13,75%, quando a gente tem uma inflação não só em queda, mas que hoje é da ordem de 4,5%. Então você tem uma taxa de juros real, que é superior a 9%. Então o custo desse capital, dinheiro, é muito grande.

Então o que faz esse capitalista? Ele corre para o mercado financeiro, porque sem fazer nada ele pode aplicar todo o seu capital comprando títulos da dívida pública, que vão remunerar a ele 13,75%.

Então isso é uma característica hoje da financeirização da sociedade brasileira, que leva a que haja uma classe de rentistas que se dê muito bem.

BG

Dani: Existe uma classe de rentistas com muito recurso e com a ambiçao apenas de ter o maior lucro possível. Mas também existem pessoas que conseguiram guardar um pouco de dinheiro e que temem que a inflação faça com que essa reserva desapareça.

Existe quem não se importa onde seu dinheiro seja aplicado, e existe quem desejaria que fosse investido em áreas que fazem com que tenhamos uma economia melhor.

E como vivemos em um mundo diverso, os tipos de investimentos são também diversos.

Grazi: Mas como se ganha dinheiro no mercado de investimentos?

Quem responde é Marcio Calvet Neves, advogado tributarista e integrante do Instituto de Justiça Fiscal.

Marcio: Ganho de capital e rendimentos são coisas diferentes. Ganho de capital ocorre, por exemplo, quando você compra e vende um investimento. Ah, comprou uma ação por mil reais, vendeu ela por três mil reais, você teve um ganho de dois mil reais, isso é um ganho de capital.

Dani: E o rendimento?

Marcio: Rendimento é outra coisa, por exemplo, dividendos. Investir no mercado financeiro em ações da Petrobras. A Petrobras pagou dividendos, isso é um rendimento do investimento financeiro.

Ou então, investir em debêntures da Petrobras ou da Light ou das lojas americanas, né, muita gente perdeu dinheiro agora com o investimento de debêntures nas lojas americanas e Light.

O que essas empresas estão pagando para o investidor são os lucros e isso é rendimento.

Grazi: É no imposto de renda que mais ocorre tributação de investimentos no Brasil. Como funciona essa tributação?

Marcio: Você tem investimentos que são isentos, você tem investimentos sujeitos à alíquota zero, você tem investimentos sujeitos a uma tributação de 15%, investimentos sujeitos a uma tributação progressiva de 15% a 22,5%, mas todas essas alíquotas, né, sempre abaixo daquela tributação do imposto de renda que incide sobre o rendimento ordinário, por exemplo, salários, né, que é a tabela progressiva até 27,5%. Então o que chama atenção na tributação dos investimentos é que a alíquota do imposto de renda, e o imposto de renda é o tributo, assim, que por essência incide no acréscimo patrimonial, né, na geração de riqueza, ela é menor para quem investe do que para quem trabalha.

Dani: Curioso, quem investe contribui menos do que quem trabalha…

Mas existe razão para uma tributação reduzida ou até a não tributação dos rendimentos, como os dividendos?

Marcio: Não tem qualquer razão, por exemplo, para você isentar a tributação de dividendos, que é um rendiment. Dividendos é uma forma de você remunerar o investidor no mercado financeiro também.

E toda hora que esses rendimentos que são distribuídos são dividendos, aí não tem qualquer tributação. Até hoje, a gente já está aí, estamos chegando a 28 anos de isenção da tributação sobre dividendos Antigamente a gente tinha, passou a ser isento no governo FHC.

Grazi: Outra forma bem comum do investidor brasileiro investir é comprar títulos da dívida pública ou da dívida de empresas e receber os juros. Muitos desses títulos são isentos do imposto de renda:

Marcio: Então, debentures incentivados. O investidor não paga nenhum imposto de renda sobre os juros que ele recebe. Em outros títulos, o investidor paga o imposto de renda na fonte que vai começar em 15% e vai no máximo até 22,5%.

Dani: Existem outros tipos de investimentos que também são isentos.

É o caso, por exemplo da letra de crédito agropecuário, LCA, e letra de crédito imobiliário, LCI, que não são tributados.

É possível compreender a lógica de isentar investimentos que supostamente deveriam promover os direitos à alimentação e moradia.

Mas só quem é muito rico consegue aplicar nessas letras de crédito, porque o valor mínimo é de 50 mil reais (ou 10 mil dólares).

Atualmente, esses investimentos financiam majoritariamente grandes negócios oligopolistas e até multinacionais nesse dois setores econômicos. Assim, não atendem em nada critérios de investimentos justos e perde o sentido serem isentos.

BG

Grazi: Enquanto os grandes investidores lucram com o agro, faltam investimentos em uma área essencial para a vida: a alimentação saudável. No Brasil, é a agricultura familiar quem coloca comida nas nossas mesas.

Só que para as famílias de pequenos agricultores ficou cada vez mais difícil conseguir crédito em programas do governo para produzir alimentos, como explica Ana Terra, da Finapop, uma empresa de financiamento popular para alimentos saudáveis:

Ana Terra: A gente, na verdade, sempre teve um contexto de muita dificuldade de acesso a crédito por parte da agricultura familiar e camponesa.

Esse contexto se reflete, por exemplo, quando a gente vê o próprio crédito público, que é o Programa Nacional da Agricultura Familiar, o Pronaf, que é um crédito muitas vezes vinculado a uma lógica bancarizada, ou seja, que exige garantias, que exige um padrão de apresentação de propostas que muitas vezes também estão ligadas às commodities internacionais.

Então, boa parte, por exemplo, do que é acessado pelo Pronaf, é destinado a produções de commodities, como soja e milho.

Dani: Ou seja: o crédito público financia muito mais o agro. Acessar os empréstimos para a produção de alimentos saudáveis ficou mais difícil ainda após 2016, nos governos Temer e Bolsonaro.

Grazi: E as cooperativas formadas por famílias assentadas através da luta por reforma agrária passaram a buscar alternativas de financiamento.

Uma parte do mercado de investimentos, preocupada com a alimentação saudável, chegou com uma proposta:

Ana Terra: Muitas pessoas se aproximaram das cooperativas no sentido de oferecer ajuda, entendendo o papel fundamental dessas cooperativas no desenvolvimento de uma agricultura diferente desse padrão que é o padrão do agronegócio.

Uma das alternativas que se desenhou foi colocar e elaborar um certificado de recebível do agronegócio. CRA. Para que então a gente fizesse todo o processo de qualificação via Comissão de Valores Mobiliários, via CVM. As cooperativas que fizeram esse processo passaram por toda uma estratégia de duo diligence que é feita para qualquer empresa do agronegócio.

Então, foi um sistema inclusive bastante complexo e que levou bastante tempo para ser estruturado também, mas que proporcionou naquele momento que as cooperativas, que tinham muita dificuldade de acesso a crédito num contexto desfavorável de governo, pudessem então acessar recursos pros seus empreendimentos.

Dani: E foi assim que surgiu o Financiamento Popular, FINAPOP, que busca alternativas de financiamento e crédito para cooperativas que produzem alimentos saudáveis, ou seja, redireciona os investimentos do mercado para algo que realmente importa!

Ana Terra, o que o Finapop está financiando?

Ana Terra: Boa parte das cooperativas que são financiadas por nós, elas são cooperativas que tem como horizonte principal a produção de alimentos saudáveis e o abastecimento ao mercado interno. Então, por exemplo, a gente tem cooperativas que receberam financiamento para produção de leite, para a produção de grãos, para a produção de açúcar e produtos que são da cesta básica.

Grazi: Quando qualquer empresa ou uma cooperativa vai ao mercado em busca de crédito, precisa oferecer aos investidores uma garantia de que terão o dinheiro de volta:

Ana Terra: A garantia dessa operação foram os contratos assinados por essas cooperativas junto a vendas públicas do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Então, todas as cooperativas, para provar a viabilidade do acesso que elas teriam ao crédito, elas apresentaram contratos de venda já realizados. Então, boa parte desse recurso se converteu também em alimentação, que foi para as crianças e para as escolas de vários estados do Brasil.

Dani: Ou seja, os investidores puderam aplicar dinheiro na economia real, na produção de alimento saudável, com a garantia de terem um retorno do investimento.

Além disso, favorecem a chegada de alimentos saudáveis da agricultura familiar para as crianças na merenda escolar.

Grazi: Através do Finapop foram abertas duas operações de captação de recursos no mercado, sendo que a maior delas ocorreu em setembro de 2020, e estava aberta para qualquer pessoa que quisesse investir a partir de 100 reais.

A procura foi enorme: foram arrecadados 17 milhões e meio de reais, cerca de 3 milhões e 600 mil dólares, com o investimento de 1500 pessoas, que no final de 5 anos, terão o dinheiro de volta com juros de 5%.

Ana Terra, que tipo de cooperativa recebeu este financiamento?

Ana Terra: Essas cooperativas, elas foram escolhidas principalmente pela sua condição comercial e pelo estabelecimento em que elas já estão. Então, são empresas bastante consolidadas, que já tem uma gestão, um processo que justifica o acesso ao recurso. Então a gente tem casos de cooperativas que precisaram do recurso, por exemplo, para terminar a infra estrutura de agroindústrias que vinham sendo construídas com recursos do governo federal e que, pós 2016 e principalmente durante o governo do Bolsonaro, se paralisaram totalmente. Então eram investimentos que precisavam ser complementados em cooperativas que já tinham planos de negócios bem estabelecidos.

BG

Cris: Eu sou Cris. Estou assentada no Assentamento Santa Maria, no município de Paraná City, no noroeste do estado do Paraná, e faço parte da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória, aCopavi.

A Copavi é uma cooperativa que foi fundada em 1993 e agora no ano de 2023 está fazendo 30 anos de existência e o foco do trabalho das famílias cooperados da Copavi é principalmente relacionado à produção de alimentos agroecológicos.

É um processo de industrialização desses alimentos. Então toda a área que a cooperativa trabalha e a área coletiva que a cooperativa trabalha atualmente, ela é certificada como produção orgânica e ela também pode ter esse certificado para exportação dos produtos derivados da cana. Ela é hoje a principal atividade da cooperativa a produção de derivados de cana, o melado, o açúcar mascavo e a cachaça, todos eles certificados. E eles tem como destino principal mercados aqui da região sul do Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro e exportação.

Dani: A Copavi, da qual a Cris é uma das associadas, foi uma das cooperativas beneficiadas pelo crédito do Finapop:

Cris: O projeto que foi financiado pelo finaPop lá no ano de 2021, foi esse projeto dos derivados de cana. A gente tinha um sonho muito antigo de finalizar a política industrial da agro indústria de derivados de cana e conseguir obter alguns tipos de certificações específicas de qualidade.

Grazi: E em 2023, quais são os resultados já observados trazidos por este investimento?

Cris: Então, com a estrutura que tinha anteriormente, a gente extraía entre 45 e 50% do caldo da cana. E com essa estrutura que nós temos agora, a gente consegue extrair até 60, 70%, dependendo da variedade da cana.

E, além disso, com essa outra moenda e com a instalação da caldeira, a gente consegue zerar quase o consumo de lenha e da estrutura da indústria inteira, só utilizando para tocar a estrutura industrial o bagaço de cana. Então isso é muito importante para a nossa sustentabilidade e também para a economia de custos.

Com relação ao trabalho, as melhorias do trabalho dos nossos associados e também trabalhadores contratados; com as mudanças na estrutura, a gente avalia que diminuiu muito entre 6 e 7 graus a temperatura dentro da indústria, também diminuindo com alguns outros equipamentos, o esforço físico envolvido no processo de produção.

Dani: Melhorias ao meio ambiente e qualidade de vida para trabalhadores e trabalhadoras!

É óbvio que estas conquistas se devem principalmente à organização destas famílias em cooperativa e da persistência na terra, pois, como disse a Cris, são 30 anos de produção agroecológica. Sem todo o trabalho anterior, a cooperativa não teria condições de concorrer ao financimento de acordo com as regras do mercado.

Grazi: E é importante dizer que estas famílias, antes sem terra, foram assentadas depois de muita luta ao ocupar um latifúndio improdutivo e, desta forma, exigir o direito, garantido na constituição, de reforma agrária.

BG

Dani: Além da Copavi, os 17 milhões e meio de reais dos investidores foram emprestados para outras seis cooperativas de produção de alimentos, beneficiando no total 13 mil famílias assentadas através da luta por reforma agrária organizada pelo Movimento dos Trabahadores Rurais Sem Terra, o MST.

Quais são os impactos que este recurso gerou?

Quem responde é a Ana Terra da Finapop:

Ana Terra: A gente tem casos de cooperativas que duplicaram ou triplicaram até o faturamento; ou seja, significa que elas aumentaram as condições de realizar vendas.

A gente tem cooperativas que geraram mais postos de trabalho na geração de emprego, Então, dentro da agroindústria, poder gerar trabalho para jovens filhos de assentados e para pessoas das próprias comunidades.

Acho que tem um elemento bastante importante é que várias dessas indústrias, elas fizeram adaptações para eliminar o seu impacto ambiental. Então a gente tem casos, por exemplo, de diminuição de emissão de efluentes, de tratamento de resíduos.

Então são agroindústrias que têm esse aspecto de sustentabilidade ambiental, inclusive um cuidado com o meio ambiente bastante importante.

Grazi: Ana Terra, quais são os próximos passos da Finapop?

Ana Terra: A ideia é que a gente crie um sistema financeiro e esse sistema financeiro tenha os instrumentos corretos para que qualquer pessoa possa movimentar o seu recurso ou fazer investimentos, ou colocar aquilo que tem de reservas a serviço de um projeto maior, que é esse projeto de mudança da matriz produtiva mesmo, da agricultura.

Dani: Ou seja, a Finapop quer se tornar uma cooperativa que funcione como um banco?

Ana Terra: Pra que todo mundo possa usar essa cooperativa de crédito como um banco qualquer ou uma conta de pagamentos por pix, por todos os serviços que o aplicativo bancário tem. Só que esse recurso ficaria por dentro de um modelo de crédito que sirva para a produção de alimentos saudáveis. Que os projetos sejam financiados e sejam definidos também pelo conjunto da sociedade, das pessoas que participam dessa cooperativa. É ousado e é grande, mas a gente gosta de sonhar alto (risos)

BG

Grazi: Uma cooperativa que funcione como um banco, realmente é uma proposta ousada… e que já existe.

O sistema Cresol é um deles. De acordo com o site da instituição, possui mais de 817 mil cooperados e conta com agências de relacionamento em 19 estados brasileiros.

O Vitor Hugo Tonin é coordenador da cooperativa Cresol, em São Paulo, e explica um pouco mais sobre como funciona uma cooperativa que cumpre com as mesmas funções de um banco, mas sem visar o lucro.

Vitor: As cooperativas, em geral, é uma reunião de pessoas com um determinado objetivo econômico.

No nosso caso, a cooperativa de finanças, a cooperativa de crédito, como ela é mais conhecida, ela tem essa tarefa, fazer com que o grupo de sócios tenham serviços financeiros mais baratos do que nos bancos tradicionais. Isso é feito porque ela substitui a propriedade privada, que visa lucro, pela propriedade coletiva, que visa a utilização do produto.

Mas é óbvio que cada cooperativa vai depender dos seus associados. Então veja, se uma cooperativa de crédito tem como associados grandes produtores de soja, ela vai atender o interesse de grandes produtores de soja, pelo crédito e dos serviços financeiros. Se a cooperativa de crédito tem como associados pessoas que são empreendedores de economia solidária, que são produtores orgânicos, que são produtores agroecológicos, essa cooperativa de crédito, ela vai captar recursos e vender recursos somente para esses associados, e principalmente somente na comunidade em que ela atua.

Dani: Em São Paulo, a Cresol tem sede em Campinas e Osasco, e está focada em trabalhar com pessoas físicas e jurídicas que têm interesse na economia solidária, na agroecologia, na inovação, na economia criativa, e conta com diversas pessoas associadas que são de sindicatos e movimentos sociais.

Vitor: A pessoa que só quer receber seu salário, usar um cartão de crédito, mas ela quer fazer isso numa instituição financeira que destina seus recursos privilegiadamente, prioritariamente para a agroecologia, para a economia solidária, para outras cooperativas de produção, essa pessoa pode se associar com a gente com a certeza de que vai estar fortalecendo essa instituição financeira voltada para esse lado.

Dani: Qualquer pessoa que tenha interesse em buscar uma alternativa a bancos privados, pode se associar a uma cooperativa financeira.

Vitor: Eu brinco sempre usando a fala importante da Bela Gil sobre alimentar ser um ato político e aí eu estendo essa definição pra instituição financeira, escolher um banco também é um ato político e está na nossa mão, a partir da nossa consciência financeira.

Dani: Para uma cooperativa financeira funcionar ela precisa ter fontes de recursos. A primeira é a de associação, quem entra na cooperativa faz um investimento em capital social.

Outras fontes de recursos são os depósitos à vista, as contas correntes, os investimentos, as aplicações financeiras, poupança ou registro de depósito cooperativo, RDC.

São esses recursos que permitem que a cooperativa financeira empreste dinheiro em condições melhores, como, por exemplo menor taxa de juros do que o setor bancario e financeiro.

Mas, quem faz o investimento com uma cooperativa, também tem vantagem financeira?

Vitor: Com certeza, com exceção de conta corrente, mas capital social, RDC e poupança, são todos remunerados. O capital social recebe juros sobre capital todo final de ano, além da distribuição do lucro da cooperativa que vai para o capital social também. Porque isso é importante deixar claro. Como a cooperativa não tem fins de lucro, a parte do resultado que seria apropriado como lucro pelo banqueiro, vai para a assembleia dos associados decidirem o que fazer. Em geral, os associados decidem uma redistribuição para os próprios associados.

Dani: Para um investimento ser justo também precisa ser tributado.

Como é no caso dos investimentos feitos com a cooperativa?

Vitor: Os juros pagos sobre o capital da cooperativa, ele é tributado, imposto de renda, os cotistas pagam o imposto de renda na fonte pelos juros pagos sobre a sua cota capital. O RDC é um investimento também tributado.

Então, nos investimentos em RDC, também são retidos na fonte o imposto sobre os rendimentos. E, com exceção, o único investimento que não é tributados é a poupança, que é um investimento isento de imposto.

Grazi: Ou seja, de acordo com o que vigora na lei tributária brasileira. E além disso, uma cooperativa está livre da engenharia financeira: sem acionistas, executivos com altos salários ou o beneficiamento de uma elite.

BG

Dani: O sistema tributário brasileiro não tributa os mais ricos, embora existam impostos sobre investimentos.

Grazi: Em 2023 o Brasil está passando por uma reforma da tributação do consumo e tudo indica que em breve o país vai passar por um processo de reforma do imposto de renda.

Marcio Calvet, do Instituto de Justiça Fiscal: quais medidas você considera fundamentais para torná-lo mais justo?

Marcio: Uma é a tributação de dividendos, é claro. Tirando os paraísos fiscais, é claro, o Brasil é praticamente o único país a não tributar dividendos. É essencial que a gente tribute dividendos, porque o topo da pirâmide social recebe mesmo dividendos, e cada vez mais.

Dani: O que mais deveria mudar com a reforma no imposto de renda?

Marcio: Uma outra medida é você acabar com os incentivos que não têm qualquer justificativa. Vou dar um exemplo aqui de um caso de investimento no mercado financeiro brasileiro por estrangeiros.

O estrangeiro tem uma série de isenções, tanto para ganho de capital quanto para rendimento, que seguindo determinados procedimentos para fazer esse investimento ele consegue entrar e sair do Brasil de forma especulativa, gerando muito lucro. Essas isenções são aplicáveis apenas para o mercado especulativo, para o investimento em Bolsa de Valores, para o investimento de portfólio.

Se uma empresa estrangeira vem para o Brasil e resolve construir uma fábrica aqui no Brasil, investir, criar empregos e digamos que essa fábrica teve sucesso e gerou empregos e foi lucrativa e tal, e se essa empresa estrangeira resolve sair, essa empresa estrangeira vai ser tributada.

Se você comparar essa tributação no mercado, num investimento permanente, num investimento que gera empregos, com a tributação do mercado especulativo, do mercado financeiro, que é só ali dinheiro trocando de mão e o mercado financeiro fazendo dinheiro.

E o Brasil tem uma legislação que o mercado especulativo tem uma tributação muito mais benéfica do que um investimento em ativos que geram empregos, que podem estimular a economia, não faz o menor sentido.

Grazi: Tem muita coisa que não faz sentido e que precisa ser corrigida numa reforma do imposto de renda…

Marcio: Por exemplo, é o fato dos fundos exclusivos de pessoas que claramente têm muitos recursos ,recursos suficientes para justificar a criação de um fundo exclusivo esses recursos não são tributados até as cotas ; do fundo serem liquidadas as famílias vão multiplicando o seu patrimônio mantendo esse patrimônio nesses fundos sem qualquer tributação isso é um absurdo.

Dani: Realmente é um absurdo. O atual ministro da fazendo, Fernando Haddad, manifestou a mesma indignação com os fundos de investimento exclusivos, que são usados para minimizar a contribuição tributaria evitando o pagamento de impostos de herença ou doação.

Haddad: Os fundos exclusivos, você acha normal, ele lega as cotas do fundo pros descendentes e não paga imposto de renda nunca. Coisas que chamam a atenção do mundo sobre um Brasil. Como é que o Brasil, que é um país com tanta desigualdade isenta do imposto de renda o 1% da população? O trabalhador tá isento hoje até 2640 reais. Você ganhou 2650 reais você já está pagando imposto de renda. E uma pessoa que ganha 2 milhões 600 e 40 está isenta do imposto de renda?

Grazi: Mas a gente sabe que pra esta reforma de fato promover o fim da desigualdade, é preciso que a população pressione os parlamentares para que se comprometam em beneficiar a todas as pessoas e não se deixem levar pela pressão do 1% mais rico.

Marcio: O nosso objetivo tem que ser acabar ou, pelo menos, limitar aproximar a tributação do capital à tributação da renda. O que acontece hoje, da forma como está a legislação brasileira, com uma tributação sobre o capital muito baixa e alguns investimentos até zerada, você acaba aumentando a desigualdade social.

BG Fechame nto

Grazi: Quase não andamos mais com dinheiro em espécie na bolsa ou bolso. É cartão e pix no Brasil. Toda a nossa relação com a moeda está intermediada por um banco ou uma instituição financeira.

E já que vivemos um relacionamento sério com o sistema financeiro, escolher a instituição que faz essa intermediação, da gente com tudo que compramos, se tornou algo extremamente relevante.

Essa parceria precisa ser uma decisão política, ideológica, de desejo de mundo que queremos viver. Ao escolhermos uma instituição financeira, estamos dando a ela o poder de decidir o que vão fazer com o nosso dinheiro. Será que os projetos e valores do seu banco estão alinhados com os seus?

É preciso acabar com a mera especulação financeira que faz com a economia apenas favoreça aos super ricos enquanto prejudica principalmente as pessoas de mais baixa renda e o meio ambiente.

É preciso direcionar os investimentos para algo mais justo, produtivo, que promova direitos, que respeita a natureza, que traga retorno social para a maioria, e não apenas ao bolso de uns poucos.

Podemos trocar a movimentação de uma conta corrente ou de fazer investimentos através de um grande banco comercial por com uma cooperativa que tenha valores mais humanos, sugere o coordenador da Cresol em São Paulo, Vitor Hugo.

Vitor: O sistema financeiro tem a potencialidade de canalizar recursos de quem tem dinheiro parado para quem precisa, a questão está justamente em quem dirige o sistema financeiro, quem são os proprietários e dirigentes desse sistema por isso, a importância da gente ter um sistema financeiro que seja dirigido coletivamente, endereçado para atender coletivos, e não interesses individuais.

Grazi: E para serem verdadeiramente justos, precisamos que os investimentos sejam tributados. Com isso, serão gerados recursos para bens e serviços públicos: mais uma forma de fortalecer uma economia que funcione para todas as pessoas.

No Brasil, também podemos exigir que nossos representantes no legislativo votem uma reforma tributária que aproxime a tributação de renda do capital da tributação da renda do trabalho.

BG

Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David.

Um abraço e até o próximo.

Dani: Te desejo uma excelente continuação do que vc está fazendo… E eu vou ali, abrir um conta corrente na Cresol… Até o próximo!


Outras Fontes

1

Artigo de Guilherme Leite e Lena Lavinas, “Rentier Brazil”

2

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É Da Sua Conta
#58 Mudanças tributárias nas nossas mãos
O fim do sigilo sobre privilégios fiscais de grandes corporações no México, a revogação de um imposto injusto sobre os combustíveis na França, uma administração tributária mais transparente na Guatemala. Em comum está o fato destas medidas ocorrerem após ações bem sucedidas de pessoas, movimentos populares e organizações da sociedade civil.Estas e outras histórias de justiça fiscal nas mãos das pessoas então no livro Taxing Journey, How Civic Actors Influence Tax Policy (Jornada Tributária, como atores da sociedade civil influenciam a política tributária), organizado por Paolo de Renzio. No episódio #58 do É da Sua Conta, Paolo comenta os cinco elementos observados por ele nestas ações e que foram estratégicos para atingir o sucesso.
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jan. 25
2024
É Da Sua Conta
#57 Monopólio = fábrica de desigualdades
Monopólios são muito mais poderosos do que definem os dicionários. Para além do domínio econômico, possuem forte influência nas decisões políticas nacionais e internacionais, ampliam as desigualdades trabalhistas, sociais e até mesmo o grau de insegurança nas ruas. Também tornam impossível a subsistências das pequenas empresas.São os monopólios que tomam as decisões sobre os alimentos que comemos, os remédios e agrotóxicos que ingerimos, a distribuição, uso e venda de nossos dados pessoais e das informações que recebemos, falsas ou verdadeiras. Por que os monopólios são tão prejudiciais para a sociedade e como conter o poder abusivo destas gigantes corporações?
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dez. 21
2023
É Da Sua Conta
#56 Escola de heróis tributários
Esse é o tema do episódio #56 do É da Sua Conta, especial de fim de ano e em homenagem a auditores e auditoras fiscais das administrações tributárias do Brasil e dos países africanos lusófonos.
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dez. 19
2023
É Da Sua Conta
#55 Criminosos na Amazônia lavam dinheiro nos EUA
Desmatamentos, exploração ilegal de minérios e de madeira: parte do dinheiro sujo dos crimes ambientais na Amazônia acabam em paraísos fiscais nos Estados Unidos. Quem são os responsáveis? Como parar com isso? Esse é o tema do episódio #55 do É da sua conta.
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