#49 Pacto fiscal pode reduzir desigualdades na América Latina
#48 Como aumentar arrecadação sem aumentar impostos?
#50 As armadilhas das criptomoedas
Convidadxs

A América Latina é a região com maior desigualdade de riqueza do planeta. Entre as várias causas da péssima realidade social e econômica está o abuso fiscal.  De que forma um pacto regional sobre tributação pode contribuir para diminuir as desigualdades?

No episódio #49 do É da Sua Conta você escuta sobre quatro eventos que ocorreram, na Colômbia e no Chile, em maio de 2023 para avançar rumo à Cúpula por um Pacto Regional e à Plataforma com o objetivo de uma tributação equitativa, inclusiva e sustentável. Se houver participação popular, direitos humanos cabem nessa conta!

No É da sua conta #49:

  • A importância de uma economia baseada em direitos humanos e o papel solidário da tributação para dimiuir desigualdades, com Pedro Rossi (Unicamp)
  • Três encontros na Colômbia e um no Chile: os processos rumo à cooperação regional, com Sergio Chaparro (Tax Justice Network)
  • Transparência fiscal: o papel da adoção do registro regional e global de ativos, com Florencia Lorenzo (Tax Justice Network)
  • O papel do governo brasileiro para um pacto regional de tributação, com Antônio Freitas (Ministério da Fazenda)

“Política fiscal é composta por decisões sociais, em termos de financiamento de bens e serviços coletivos de transferências de uma parte da população para outra, dos mais jovens para os mais idosos, dos mais ricos aos mais pobres; pensar a  ideia dos impostos como um pacto coletivo e a ideia dos direitos como algo fundamental nesse pacto.”
Pedro Rossi, Unicamp

“Anualmente, a região perde mais de 93 bilhões de dólares em receitas tributárias devido à existência de paraísos fiscais. Os membros ricos da OCDE e seus dependentes causam a maior parte das perdas fiscais e saídas financeiras ilícitas dos países latinoamericano. Então, um cenário cooperativo como uma cúpula regional é uma oportunidade de ouro para mudar de rumo.”
Sergio Chaparro, Tax Justice Network

“Não tem nenhuma outra região que chega na escala de deisgualdade da América Latina. Quando a gente pensa em ferramentas de transparência tributária,  é preciso construir uma agenda que lide com essas questão também.”
Florência Lorenzo, TJN

“Grandes corperações e pessoas de alta renda utilizam mecanismos de planejamento tributário para minimizar pagamento de impostos, então é importante esse tipo de diálogo e de cooperação na esfera internacional. .”
Antônio Freitas, Ministério brasileiro da Fazenda

É da sua conta é o podcast mensal em português da Tax Justice Network. Coordenação: Naomi Fowler. Produção e apresentação: Daniela Stefano e Grazielle David. Download gratuito. Reprodução livre para rádios.

Transcrição

Abertura + Sobe BG

Grazielle David; Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.

Daniela Stefano: E eu a Daniela Stefano.

O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.

ocê encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.

SOBE BG

Grazi: A América Latina é a região com maior desigualdade de riqueza do planeta. De que forma um pacto regional sobre tributação pode contribuir para diminuir as desigualdades? Este é o tema do episódio #49 do É da Sua Conta.

BG

Dani: As famílias que fazem parte dos 10% mais ricos na América Latina possuem 77% da riqueza total, enquanto as famílias que estão no 50% mais pobre possuem apenas 1% da riqueza.

Grazi: Além disso, 66% da população na América Latina não tem serviços de saneamento básico e 25 % da população não tem acesso à água potável. E o mais grave: em 2022 já eram 56 milhões e 500 mil pessoas em situação de fome.

Dani: Entre as várias causas da péssima realidade social e econômica está o abuso fiscal.

Fechar o cerco aos fluxos financeiros ilícitos entre países e combater o planejamento tributário agressivo com uso de paraísos fiscais requer cooperação entre os países nos níveis regional e global.

Grazi: E as mudanças parecem estar a caminho: em janeiro de 2023, durante o Fórum Econômico Global em Davos, a Colômbia convocou uma Cúpula Tributária Regional para julho por um sistema tributário global equitativo, inclusivo e sustentável.

Nesta edição do É da Sua Conta, você escuta como isso está sendo preparado.

SOBE BG

Dani: Para enfrentar os desafios comuns e promover cooperação regional, é importante repensar a organização da economia e da tributação com base nos direitos humanos.

Quem propõe é Pedro Rossi. Ele é professor de economia na Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, de São Paulo e também faz parte da iniciativa Princípios e Diretrizes de Direitos Humanos para a Política Fiscal.

Pedro Rossi: Reorganizar a economia com base nos direitos é pensar aquilo que é essencial para as pessoas e organizar os recursos da sociedade.

Grazi: Essencial pra nossa vida é poder se alimentar, ter um lugar para morar, acesso a saneamento básico, transporte, água potável. Também ter acesso à educação e a um sistema de saúde, além de cultura, lazer e trabalho, para poder financiar aquilo que as políticas públicas não cobrem, como roupas, calçados, enfim…

Quando falta qualquer um destes itens, garantidos na declaração universal dos direitos humanos e em outos tratados, isso significa uma violação aos direitos humanos.

E de acordo com Pedro, toda violação aos direitos humanos implica em uma desigualdade, ou seja, se uma pessoa tem e outra não tem acesso à água potável, isso é desigual.

Pedro: Eu posso ter situações de redução das desigualdades e agravamento dos direitos por exemplo quando se mercantiliza o acesso aos direitos e faço uma redistribuição de renda.

Dani: Ou seja, a desigualdade de renda pode ser diminuída ao se distribuir renda, mas o acesso aos direitos podem piorar se as pessoas precisam pagar pelos serviços. O que acaba gerando um individualismo exacerbado.

Pedro: Uma pessoa que vive num condomínio, os filhos estudam numa escola privada, usa transporte privado, segurança privada, tem um plano de saúde, vai ao shopping center porque não gosta de ir na praça pública. Para essa pessoa o Estado é um ser que incomoda a vida dele, ele não quer financiar as políticas públicas.

Grazi: Nesse exemplo, mesmo que a desigualdade de renda tenha sido reduzida a princípio, ela pode voltar a se ampliar quando se paga para acessar serviços de saúde e educação, já que quem é mais rico, dedicará uma menor porcentagem da sua renda para isso.

E ainda ocorrerá aumento da desigualdade de acesso a esses dois direitos fundamentais.

Pedro: Então, quanto mais a sociedade é partida, no sentido de que os serviços públicos ficam pra uma base mais pobre e que as elites não fazem uso desses serviços, mais difícil fica garantir com que os direitos sejam realizados e garantir o financiamento adequado das políticas públicas.

Dani: Isso se vê no Brasil:

quando as políticas públicas garantidoras de direitos basicos, como saúde e educação são mais utilizadas por quem têm poucos recursos, e os super ricos usam saúde privada e escolas particulares, não se sentem na obrigação de contribuir com impostos.

Grazi: Acontece que as pessoas de mais alta renda também usam muito esses dois serviços públicos fundamentais, só que de maneira distinta:

O SUS por exemplo é o responsável por toda a vigilância sanitária, que é fundamental para as pessoas poderem comer em restaurantes, por exemplo.

Já as universidades públicas são amplamente acessadas por pessoas de altas rendas.

Dani: E pessoas de baixa ou de alta renda têm direitos iguais a estes e outros serviços públicos, como saneamento básico e estradas.

Mas todo investimento público passa também por uma escolha política.

Pedro: Não tem gasto público neutro. Quando eu transfiro renda para uma população mais pobre eu estou beneficiando essa população em detrimento de outra, quando eu transfiro renda de aposentadoria eu estou beneficiando um grupo social específico, quando eu construo uma ponte em uma cidade eu beneficio especialmente aquelas pessoas que usam aquela ponte ou que consomem bens e serviços que passam por aquela ponte. Então toda a decisão de política fiscal é uma decisão política que afeta de maneira diferenciada aos vários grupos sociais.

Grazi: O Pedro Rossi defende que é preciso pensar uma tributação que inclua os direitos humanos e a solidariedade, de modo a reconhecer no outro um igual, que tem os mesmos direitos que você, bem como reconhecer em você alguém que tem os mesmos deveres para com o outro, proporcionalmente à renda de cada um.

Pedro: Política fiscal é isso: nada mais nada menos de que a sociedade decide em termos de financiamento de bens e serviços coletivos de transferências de uma parte da população para outra, dos mais jovens para os mais idosos, dos mais ricos aos mais pobres. São decisões sociais. Então pensar a ideia dos impostos como um pacto coletivo e a ideia dos direitos como algo fundamental nesse pacto.

Dani: Essa é a economia que desejamos, que funcione para todas as pessoas. Entretanto, nesse momento é utópico, haja vista que vivemos em uma economia machista, racista e que flerta até mesmo com o fascismo.

SOBE BG

Grazi: Neste mês de maio de 2023, a Colômbia e o Chile sediaram eventos com o objetivo de dialogar sobre um pacto fiscal para a América Latina e o Caribe.

Dani: Bogotá, capital da Colombia, sediou três eventos:

O governo colombiano realizou dois dias debates acadêmicos;

Em seguida, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento promoveu um dia de diálogo com defensores dos direitos humanos;

E, por último, organizações da sociedade civil pré-lançaram uma campanha por um pacto fiscal regional.

Grazi: O Sergio Chaparro, coordenador de incidência global da Tax Justice Network, participou dos três eventos.

No primeiro, mais acadêmico, ele foi palestrante em uma das mesas do evento, que tratou do tema de inclusão, governança e processo na reforma tributária internacional.

Sergio, qual foi sua mensagem principal?

Sergio Chaparro: Países da América Latina e Caribe têm muito pouco a ganhar e muito a perder com o status quo liderado pela OCDE em questões tributárias internacionais.

Anualmente, a região perde mais de 93 bilhões de dólares em receitas tributárias devido à existência de paraísos fiscais. Os membros ricos da OCDE e seus dependentes causam a maior parte das perdas fiscais e saídas financeiras ilícitas dos países latinoamericano.

Então, um cenário cooperativo como a cúpula regional dos países da América Latina e Caribe, que acontecerá em julho, é uma oportunidade de ouro para mudar de rumo.

Dani: A OCDE é também conhecida como um clube dos países ricos. E as soluções que criam os beneficiam. Mas, e a América Latina?

Sergio: Embora persistam posições que defendem o papel da OCDE, está ficando cada vez mais claro, mesmo para esses setores, que a chamada solução de dois pilares é insuficiente e pode até ser contraproducente para países de baixa e média renda, que deveriam desistir de impor medidas unilaterais em troca de benefícios muito baixos e incertos.

Grazi: Vale lembrar o que é essa solução de 2 pilares:

Em 2014, o G20, que é o grupo que reúne governos das 20 maiores economias globais, solicitou à OCDE uma proposta para enfrentar os desafios tributários decorrentes da digitalização da economia.

Em 2015 a OCDE iniciou o projeto BEPS, que chegou em 2021 a proposta de solução de dois pilares.

O Pilar 1 amplia o direito de tributar dos países e faz com que além dos países sede ou produtores de uma corporação, os países onde ocorrem as vendas e onde estão os trabalhadores remotos também possam tributar esta multinacional.

Isso é bom, o problema está na porcentagem muito inferior que os paises do segundo grupo, normalmente do sul global, poderão tributar.

As empresas que serão tributadas são as multinacionais com rendimento global acima de 22 bilhões de doláres e lucratividade acima de 10%.

Dani: O pilar 2 institui uma alíquota mínima de 15% para esse tributo. Ter uma alíquota mínima é um avanço. O problema é a aliquota muito baixa, beirando aquilo que ocorre em países que são paraísos fiscais, e muito abaixo do que países da América Latina, por exemplo, cobram de suas empresas nacionais.

E isso é um desastre para pequenas e médias empresas nacionais, pois não podem competir de maneira justa já que as grandes corporações estão criando vantagens só para elas, que contribuem com menos impostos.

Além disso, essa proposta de solução retira o direito dos países de adotar medidas tributárias às multinacionais dentro de seus países, o que se chama medidas unilaterais.

Um exemplo fácil de entender: retira o direito da cobrança de imposto de quem assina Netflix.

Grazi: Tudo isso indica que a proposta de solução da OCDE e do G20 tem muitos problemas ainda, principalmente para os países da África, América Latina e sudeste asiático.

Sérgio, deve haver maneiras melhores e mais justas de resolver a questão da tributação internacional. Quais são as alternativas?

Sergio: Como alternativa à chamada solução de dois pilares da OCDE, tem a oportunidade de ter um papel muito mais forte das Nações Unidas nessa discussão, e a abertura de uma convenção tributária da ONU pode ser uma oportunidade para incorporar medidas como registros públicos país por país, e também, por exemplo, um registro global dos ativos para identificar onde está a riqueza e efetivamente tributar a riqueza, entre outras medidas que os países de renda média e baixa reivindicam há muito tempo.

SOBE BG

Dani: O Sérgio citou o registro global de ativos como ferramenta para descobrir onde está a riqueza no mundo.

A Florência Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network, também esteve na Colômbia e participou em uma mesa daquele evento acadêmico exatamente para explicar a importância desse registro.

Florencia Lorenzo: Basicamente seria um mecanismo de cooperação multilateral que conectaria informação sobre beneficiários finais, as pessoas de carne e osso que, em última instância, são as proprietárias por trás de empresas, com informação sobre quem são os proprietários desses ativos. Então, a gente está falando, por exemplo, do registro de propriedade imobiliária, a gente está falando, por exemplo, do registro de barcos, de aviões privados, enfim, conectar todas essas informações sobre os proprietários de ativos, que muitas vezes a gente só sabe, por exemplo,que um avião está registrado no nome de uma empresa, mas quem que é essa pessoa que realmente está se beneficiando desse avião? A gente às vezes não sabe, então a ideia é justamente conectar essa informação.

Dani: E se você não ouviu ainda, o episódio 37 do É da Sua Conta é totalmente dedicado ao Registro Global de ativos.

Grazi: E implementar o registro global de ativos é muito importante para a América Latina e o Caribe:

Florencia: É o contexto muito particular da América Latina, que é o contexto de uma escala da desigualdade, a desigualdade tanto de renda, mas também da riqueza, que é a maior do mundo. Não tem nenhuma outra região que chega na escala que a gente possui.

Então, quando a gente pensa em ferramentas de transparência tributária, quando a gente está tentando construir uma agenda que lide com essas questões de transparência tributária do ponto de vista da região, a gente não pode perder isso de vista.

Dani: A transparência tributária permite combater desigualdades porque com um registro global de ativos, é possível saber onde foi parar o dinheiro que deveria estar sendo investido na garantia dos direitos humanos.

Florência: E aí, por exemplo, para entender quem são as empresas que estão sendo usadas para acobertar crimes ambientais, elas podem ser também entendidas como empresas de fachada, são utilizadas para acobertar a riqueza de determinados indivíduos, ou, por exemplo, para eventuais conflitos de interesse na questão da governança do Estado.

Outro exemplo também relacionado com transparência de mercado, eu quero saber quem são os sujeitos por trás de empresas com as quais eu estou conduzindo transações.

Grazi: Florência, você pode dar um exemplo prático de como a transparência pode contribuir para diminuir desigualdade?

Florencia: Na maior parte das cidades latinoamericanas a gente tem problemas urbanos seríssimos e em parte disso é porque a gente não consegue analisar muito bem questões de concentração fundiária, a gente não consegue por exemplo saber às vezes quem é o proprietário de um imóvel que está vazio há anos e não está cumprindo sua função social. Mas o que a gente sabe é que os mecanismos que a gente tem hoje em dia não são suficientes pra gente conseguir entender, capturar e lidar com a desigualdade de riqueza e pra isso a gente precisa de um registro global de ativos.

Dani: Um pacto regional que inclua um registro de ativos seria um grande passo para chegar a um registro de ativos global.

Florencia: Porque a gente sabe que os ativos às vezes não estão distribuídos só no âmbito doméstico, então um ponto de partida que a gente está querendo trazer nessa discussão justamente é essa necessidade de fortalecer os mecanismos internacionais de cooperação, tanto no nível da região, mas também pensando assim também a nível global, para que as diferentes administrações dos países intercambiem informação sobre quem são os proprietários dos ativos.

SOBE BG

Grazi: A cooperação para o combate de abusos fiscais só funciona de fato com a colaboração de todos os países do mundo, já que pessoas super ricas e grandes corporações podem esconder seus milhões em paraísos fiscais em outros países e continentes.

Sergio, de que forma um pacto fiscal regional poderia colaborar para uma reforma tributária mais justa para todos os países?

Sergio: Um pacto Fiscal regional pode ser a base para avançar em uma agenda decidida sobre esses temas, porque pode criar um mecanismo permanente de monitoramento e um mecanismo de intercâmbio entre os países para primeiro chegar a um acordo sobre posições comuns em negociações internacionais, mas também implementar uma agenda regional coerente com a possibilidade de proteger seu espaço fiscal e mobilizar mais recursos para garantir os direitos de suas populações.

Dani: A Florência complementa:

Florencia: A proposta central dessa discussão é a construção de uma agenda coletiva entre os diferentes países da região, mas não só os países, pensamos também os diferentes atores que estão envolvidos nessas questões, administrações tributárias e pensar quais são os problemas que a região tem e como a gente quer abordar eles, quais são as ferramentas que a gente precisa pra abordar eles.

Grazi: Um pacto regional traz muitos avanços por levar a pauta comum de regiões para fóruns internacionais de tributação.

A Europa já faz isso há muitos anos. E foi a União Africana quem apresentou uma resolução às Nações Unidas para que ela se envolvesse mais com questões tributárias.

Faltava um espaço assim na América Latina.

Florencia: Isso é uma oportunidade muito central pra gente começar a ter essas discussões e pensar quais são os nossos interesses enquanto região, como que a gente pode abordar eles no âmbito internacional e como que a gente pode contribuir pruma discussão mais ampla sobre a questão de transparência, necessidade de mecanismos melhores do que a gente tem hoje em dia,, mas também pensando em questões de governança com a questão da convenção das Nações Unidas pra questões tributárias.

Dani: Além da transparência e da cooperação entre os países, é fundamental que um pacto fiscal tenha como base os direitos humanos.

Foi sobre isso que Pedro Rossi, que também esteve na Colômbia, falou numa mesa naquele evento mais academico.

Pedro como construir um pacto regional de tributação focado nos direitos humanos?

Pedro: Eu não vejo outro caminho para essa construção na América Latina sem a participação social porque se a gente deixar com a tecnocracia, ou seja, com os economistas que estão tomando decisões e fechados em quatro paredes e fazendo cálculos de eficiência, a gente não tem esse avanço.

Dai a importância desse podcast em discutir a questão dos impostos, da política fiscal é porque o que tem hoje dominante, a visão tecnocrática que fala olha esses impostos são mais eficientes.

No fundo são temas políticos, são temas que interferem na distribuição de riqueza. Esse tema necessariamente tem que ser um tema político e um tema que seja difundido para a população e que não fique sobre o véu de uma tecnocracia, de um discurso economicista que no fundo contribui para reproduzir desigualdades e defender e preservar privilégios.

SOBE BG

Grazi: Além da Cúpula, se avança também para a constituição de uma Plataforma para criar um espaço de tomada de decisões políticas permanente sobre questões tributárias na região.

Estas negociações requerem, sem dúvida alguma, um acordo diplomático e discussões técnicas.

É por isso que a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – Cepal – , sediou em Santiago, no Chile, o quarto evento de maio de 2023 sobre o tema.

Participaram da reunião representantes dos diversos países da região e o Brasil foi representado pelo subsecretario de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda, Antonio Freitas.

Antonio Freitas: Discutiu-se a proposta colombiana de um mecanismo de concertação de cooperação regional na área tributária para avançar propostas da América Latina e do Caribe, que possam ser aplicadas na esfera internacional, propostas por uma tributação global mais includente, sustentável e equitativa. O Brasil vê com simpatia esse mecanismo, as ideias avançadas pelos colombianos.

E nós basicamente assinalamos que nós vivemos situações fiscais difíceis, com altas taxas de juros, que dificultam a capacidade de investimentos em políticas sociais e de desenvolvimento econômico, e que uma alternativa importante para superar essa situação é arrecadar melhor, de maneira mais ampla, mais justa, includente e progressiva. E para que isso possa acontecer, é importante também que haja alinhamento e cooperação internacional.

Dani: A relação das altas taxas de juros com a dificuldade em investimentos estão explicadas no episódio #48 do É da Sua Conta.

Grazi: Antonio, por que cooperação regional e internacional na área tributária é essencial?

Antonio: Nós sabemos que grandes corperações e pessoas de alta renda utilizam mecanismos de planejamento tributário para minimizar pagamento de impostos, então é importante esse tipo de diálogo e de cooperação na esfera internacional.

Nós sabemos que nós vivemos em contexto de alta mobilidade de capitais, tem um aumento significativo da economia de serviços, temos os desafios da digitalização, o crescimento do valor dos ativos intangíveis e outros desenvolvimentos que tornam mais desafiante a tarefa de uma tributação mais abrangente e justa.

Dani: Em julho de 2023 acontece a Cúpula, em Cartagena, na Colômbia. Depois, de forma mais permanente, se estabelece a Plataforma Tributária Regional, com o secretariado da Cepal.

Antonio: Tem uma proposta de estrutura de governança que nós vamos avaliar, há questões também que precisam ser trabalhadas diplomaticamente, envolvendo diferentes perspectivas, por exemplo, dos países caribenhos, os países da América Central, os países da América do Sul, enfim, tem um trabalho diplomático que os colombianos vão ter que liderar e que o Brasil espera poder contribuir para que se chegue a um resultado importante, interessante, e a gente tem que ter em vista também que o Brasil vai assumir a presidência do G20 ao final do ano, e essas discussões vão poder contribuir para que propostas progressistas e propostas importantes na esfera global possam ser discutidas e implementadas eventualmente a partir do G20, mas também para foros mais amplos, como por exemplo as Nações Unidas.

Grazi: Espera-se que com o Brasil na presidência do G20 seja possível impulsionar uma agenda de tributação nacional, regional e global mais justa, inclusiva e sustentável.

Que seja uma oportunidade de fortalecer o pacto tributário regional, levar uma posição tributária justa do grupo para as Nações Unidas e também fortalecer reformas tributárias justas dentro dos países.

Inclusive dentro do Brasil, que está em processo de reforma tributária e precisa avançar a discussão da tributação de renda, patrimônio e riqueza – a tributação dos super ricos.

Dani: Voltando à Santiago, representantes de organizações da sociedade civil , ou seja, organizações não governamentais que lutam por justiça fiscal, equidade e direitos humanos, também estiveram nesta reunião, apenas como ouvintes.

Um deles foi o Sergio Chaparro, da Tax Justice Network.

Sergio: Organizações da sociedade civil acompanharam o evento da CEPAL e saudaram o apoio unânime dos países à cúpula e à plataforma de coordenação. Destacaram a necessidade de mecanismos robustos para a participação da sociedade civil, inclusive no âmbito do documento de governança da plataforma.

Esta plataforma de cooperação fiscal deve ser uma oportunidade para começar a fornecer soluções eficazes que atendam às expectativas dos grupos que mais sofrem na região em decorrência dos abusos fiscais. Além disso, é essencial que a voz da sociedade civil seja ouvida nesses processos da Cúpula e da plataforma e que possamos continuar a contribuir em todas as suas etapas.

BG Fechamento

Grazi: América Latina e Caribe parecem estar avançando por uma tributação mais justa para fazer com a região deixe de ser a com maior desigualdade de riqueza. Pelo menos nos processos previstos.

Uma Cúpula Tributária Regional em julho de 2023 e deve levar a um Pacto com três objetivos principais:

O primeiro é fortalecer a cooperação regional para evitar abuso fiscal na América Latina e Caribe;

O segundo é ter uma voz unificada da região frente às propostas de reforma tributária internacional;

E o terceiro é promover reformas tributárias progressivas na região; levando a sistemas equitativos, inclusivos e sustentáveis.

Além de uma Plataforma Regional Tributária, com a secretaria da Cepal, para ser um espaço permanente de tomada de decisões de política tributária entre os países da região.

Para que essas ações governamentais alcançem os objetivos pretendidos é fundamental seguir garantindo a transparência e a participação social.

Para que as vozes das pessoas sejam escutadas e nos leve em direção a um pacto e uma plataforma regionais em matéria tributária que avançem na direção de uma economia baseada em direitos humanos e que promova o fim das desigualdades na América Latina e no Caribe.

BG

Dani: Pra falar com a gente, estamos no facebook e no twitter e_dasua conta. E se você quiser fazer parte da nossa lista de distribuição pelo whatsapp, envia seu nome e número para [email protected] que a gente te cadastra.

BG

Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David.

Um abraço e até o próximo.

Dani: E o próximo será na última quinta-feira deste mês de junho: até lá!

Bonus: teaser Canción con todos, Mercedes Sosa


Dicionário
Jurisdição de Sigilo

Um paraíso fiscal ou jurisdição de sigilo é um lugar que deliberadamente fornece uma rota de fuga para pessoas ou entidades que vivem ou operam em outro lugar. Essas jurisdições as blindam contra quaisquer impostos, legislações penais, regulamentações financeiras, transparência ou outras limitações que elas não apreciem. Pessoas comuns cujas vidas são afetadas pela legislação dos paraísos fiscais não são consultadas sobre essas leis porque vivem em outros países: elas não têm voz sobre como são feitas essas leis, solapando, assim, seus direitos democráticos.

Paraíso Fiscal

Um paraíso fiscal ou jurisdição de sigilo é um lugar que deliberadamente fornece uma rota de fuga para pessoas ou entidades que vivem ou operam em outro lugar. Essas jurisdições as blindam contra quaisquer impostos, legislações penais, regulamentações financeiras, transparência ou outras limitações que elas não apreciem. Pessoas comuns cujas vidas são afetadas pela legislação dos paraísos fiscais não são consultadas sobre essas leis porque vivem em outros países: elas não têm voz sobre como são feitas essas leis, solapando, assim, seus direitos democráticos.

Offshore

Um paraíso fiscal ou jurisdição de sigilo é um lugar que deliberadamente fornece uma rota de fuga para pessoas ou entidades que vivem ou operam em outro lugar. Essas jurisdições as blindam contra quaisquer impostos, legislações penais, regulamentações financeiras, transparência ou outras limitações que elas não apreciem. Pessoas comuns cujas vidas são afetadas pela legislação dos paraísos fiscais não são consultadas sobre essas leis porque vivem em outros países: elas não têm voz sobre como são feitas essas leis, solapando, assim, seus direitos democráticos.

Outras Fontes

1

World Inequality Report 2022, elaborado pelo World Inequality Lab

2

Seminário de Política Fiscal 2023 da Cepal e reunião por uma Plataforma Tributária Regional

3

Seminário acadêmico do governo colombiano por um pacto fiscal regional

4

#37 Registro global de ativos pode acabar com sigilo financeiro
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