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Florencia Lorenzo
Pesquisadora, Tax Justice Network
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Luiza Nassif
Economista, professora do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp-SP), Diretora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades | FEA-USP
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Cristina Pereira Vieceli
Economista, técnica do Dieese
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Esther Solano
Socióloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-SP)
Nós mulheres somos triplamente penalizadas: jornadas múltiplas de trabalho, recebemos menores remunerações e pagamos mais impostos dos que os homens, proporcionalmente. E é por isso que neste mês em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres, o episódio #59 do É da Sua Conta tem como tema a Justiça Fiscal como instrumento para acabar com a desigualdade de renda e riqueza entre homens e mulheres.
Ouça:
- Mulheres jovens mais progressistas, homens jovens mais conservadores: como pensa a geração Z? A socióloga Esther Solano (Unifesp-SP) comenta as diferenças.
- Elas as mais pobres, eles os mais ricos: mulheres pagam proporcionalmente mais imposto de renda e sobre o consumo do que homens, explica a economista Cristina Vieceli (DIEESE), co-autora do estudo “Tributação de gênero e classe no Brasil”. Cristina também comenta alguns dos pontos que contribuem com a diminuição da desigualdade de gênero que foram aprovados na reforma tributária de 2023 e indica o que pode avançar na segunda fase da reforma tributária, que deve ser votada pelo parlamento brasileiro em 2024.
- Mulheres podem aumentar suas rendas e ter mais qualidade de vida… se o Estado prover serviços públicos de cuidados – para crianças e idosos, por exemplo -, afirma a professora Luiza Nassif (Unicamp-SP)
- Homens brancos e super ricos devem contribuir mais! Tributá-los de maneira justa e, com o dinheiro arrecadado, investir em serviços públicos de cuidados pode diminuir as desigualdade de gênero, conclui Florência Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network e colunista do É Da Sua Conta.
“ Se essa mulher jovem e mãe não quer mais ficar em casa porque ela também quer conquistar o espaço público, a profissão, então quem tem que cuidar dos filhos e dos idosos também é o Estado. ”
~ Esther Solano, socióloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-SP)
“Quando a gente implementa políticas de serviços de cuidado, a gente tá dando a possibilidade para mais mulheres ingressarem no mercado de trabalho, bem como se cria empregos que são melhor distribuídos na economia.”
~ Luiza Nassif, professora do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp-SP)
“Quando a gente, inclui o viés de gênero, raça e classe, relacionado com as mulheres chefes de família, a gente tem uma penalização ainda maior das mulheres negras em função da regressividade tributária.”
Cristina Vieceli, autora do estudo “Tributação de gênero e classe no Brasil”.
“ Falar de tributação é falar de lutas sociais que envolvem todos nós que estamos preocupados em mudar a sociedade. O sistema tributário tem a capacidade de mudar a sociedade porque ele lida com a estrutura.”
~ Florencia Lorenzo, Tax Justice Network
Daniela Stefano
Grazi, o que você acha da teoria de que homens são de um planeta e mulheres de outro?
Grazielle David
Acredito que, na verdade, essas diferenças são mais culturais e impostas pelas sociedade que a gente vive…
Dani
Eu concordo, Grazi! Inclusive já incorporamos que há pessoas que menstruam ou pessoas com pênis, indiferente do binarismo homem e mulher e que todes precisam ter todos os direitos respeitados. Mas… As desigualdades sociais continuam divididas por gênero…
Grazi
É..na desigualdade social, até parece que cada gênero vem de um planeta, já que os super ricos são homens e as mais pobres são as mulheres…
Música É da Sua Conta
Grazi
Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.
Dani
E eu a Dani Stefano. O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal. Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.
Grazi
O tema do episódio #59 do É da Sua Conta é a justiça fiscal como instrumento para acabar com a desigualdade de renda e riqueza entre homens e mulheres.
Vinheta passagem
Dani
Globalmente, os homens possuem 105 trilhões de dólares em riqueza a mais do que as mulheres. Esses 105 trilhões a mais dos homens equivale a mais de quatro vezes o tamanho da economia dos EUA.Esta informação é do Relatório “Desigualdade S.A.” publicado pela Oxfam em janeiro de 2024.O que faz com que homens sejam tão ricos e mulheres tão pobres?
Grazi
São diversas as causas por trás dessa concentração absurda de riqueza nas mãos dos homens.Uma das mais importantes é a organização social do trabalho, isso é: quais trabalhos são considerados de homens e quais são considerados de mulheres.Trabalhos de homens costumam se remunerados; e muitos dos trabalhos das mulheres são feitos de graça!
Dani
Essa concentração absurda de riqueza nas mãos dos homens permanece assim por que eles também são cheios de privilégios fiscais.E como os homens estão em maioria nas esferas mundiais de decisão, fazem de tudo para que os privilégios deles sejam mantidos e ampliados.São os homens quem possuem mais rendas de capital; estas são menos tributadas que as rendas do trabalho, ou sequer são tributadas.Os impostos sobre patrimônio são baixos e não têm uma base ampla, ou seja, não alcançam toda a diversidade de patrimônio.
Em muitos países os impostos sobre herança são baixos e nos países onde são altos permitem o tal do planejamento sucessório e tributário, como chamam advogados e contadores – ou abuso fiscal como constumamos chamar, fazendo com que os mais ricos consigam transferir riqueza sem serem tributados.E na maioria dos países não existe imposto sobre a riqueza.
Grazi
Já as mulheres… trabalham muito, mas muitas vezes esse trabalho, no lar, no cuidado, não é remunerado. Sem esse trabalho de cuidado não remunerado que as mulheres exercem, as economias ao redor do mundo iriam colapsar. O que as mulheres fazem é fundamental para o mundo funcionar. Quando elas têm trabalho remunerado, ocupam posições inferiores às dos homens. Somente 38% do cargos de liderança, CEO das empresas, são ocupados por mulheres no Brasil.
E como a maioria das mulheres têm renda de trabalho, enquanto as rendas de capital são mais recebidas por homens, as mulheres também acabam pagando proporcionalmente mais imposto de renda, já que o imposto de renda de capital é mais baixo que o imposto de renda do trabalho.
Dani
Mas esta realidade pode estar com os dias contados, no que depender das mulheres que já entenderam que sem reconhecimento do trabalho de cuidado e sem justiça fiscal não há igualdade de direitos entre homens e mulheres.
música
Grazi
Um dos padrões para medir a opinião pública é como cada geração tende a se mover, em termos de sua ideologia política e geral. Isso é, as pessoas nascidas em uma mesma geração compartilham, em geral, as mesmas experiências formativas, alcançam os grandes marcos da vida no mesmo tempo e se misturam nos mesmos espaços. Então, como entender que a Geração Z, daquelas pessoas nascidas entre 1990 e 2010, seja hiperprogressiva em certas questões, mas surpreendentemente conservadora em relação a outras?
Dani
Bom, de acordo com a pesquisadora do tema, Alice Evans, da universidade de Stanford, nos Estados Unidos menores de trinta anos estão atravessando uma grande divergência de gênero: Mulheres jovens são bem progressistas e homens jovens, ultra conservadores. Desa forma, a Geração Z são duas gerações: uma das mulheres e outra dos homens, de acordo com essa pesquisadora.
Grazi
Uma reportagem de janeiro de 2024 do Financial Times, que se chama “Uma nova brecha de gênero global está emergindo” mostra gráficos que exemplificam as diferenças entre homens e mulheres em alguns países:
Nos EUA, depois de décadas de grande aproximação ideológica entre os sexos, as mulheres entre 18 e 30 anos são agora 30 pontos percentuais mais progressistas do que os seus contemporâneos do sexo masculino.
No Reino Unido as mulheres são 25 pontos percentuais mais progressistas do que os homens.
E na Coreia do Sul a brecha ideológica de gênero é de impactantes 40 pontos percentuais, com as mulheres muito mais progressistas.
Como explicar esse fenômeno?
Esther Solano
Uma das coisas que a gente observa quando estudamos fundamentalmente juventudes é justamente que está se abrindo, o que poderíamos denominar, uma brecha de gênero, bastante consistente.
Dani
Esther Solano é socióloga e professora da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp.
Esther
As mulheres jovens, me parece que muito empoderadas pelo feminismo, elas têm uma perspectiva muito mais progressista, mais democrática, mais humana, mais generosa. Então, ao longo do mundo, o que você vê é que mulheres jovens são aquelas que têm uma visão muito mais progressista sobre direitos migratórios, direitos ambientais, evidentemente, questões sexuais reprodutivas, minorias, etc.
Grazi
E do lado dos homens jovens: o que está acontecendo para que se tornem mais conservadores que homens de gerações anteriores?
Esther
Os homens jovens se sentem ameaçados por esse empoderamento feminino das colegas, das amigas, dessas jovens mulheres, e por isso, eles se retrotraem. Então, é como se eles, em vez de acompanhar as colegas, as amigas, as meninas, nesse processo de crescimento, de empoderamento, de luta pela igualdade, por um mundo mais humano, mais progressista, mais democrático, eles se sentem ameaçados porque eles perderiam esse lugar de privilégio histórico, cultural que eles têm, e retrocedem.
Dani
Essa posição mais conservadora tem levado os homens jovens a uma aproximação com a extrema direita.
Esther
Os homens jovens muito nesse backlash desse masculinismo e, claro, evidentemente, muito seduzidos por essas figuras da extrema-direita no mundo, que tem um nexo de relato, de performance, que é hipermasculino, que muito se adianta uma visão muito patriarcalizada, do macho, e conservadora e muito retrógrada. Então, é uma extrema-direita que se nutre muito desses fenômenos de backlash, de retrocesso, e que, infelizmente, conversa muito com nossos homens jovens.
Grazi
O fenômeno ocorre também no Brasil
Esther
Então, é uma dinâmica que a gente observa no Brasil, como, por exemplo, há uma juventude masculina seduzida pela lógica do bolsonarismo, evidentemente, essa lógica do bélico, da guerra, do inimigo, esse masculismo tão tóxico.
Dani
Do outro lado, as jovens mulheres também questionam a forma como a economia está estabalecida
Esther
Então você vê, de fato, de forma geral, as mulheres muito mais propensas, com uma tendência, de fato, maior a entender a economia como um lugar, obviamente, de formação de riqueza, de crescimento, mas também de cuidado. De cuidados com os mais vulneráveis, uma rede de assistência, digamos assim. Mas é uma coisa muito interessante também, que é a ideia de qual é o papel histórico da mulher nas relações econômicas do lar.
Grazi
Historicamente, o lugar econômico da mulher é no lar, cuidando da casa, das crianças, dos idosos… e fazendo tudo isso gratuitamente, colaborando para a manutenção do sistema capitalista.
É a economia do cuidado, como explica Luiza Nassif, professora do Instituto de economia da Universidade de Campinas, em São Paulo.
Luiza Nassif
A economia do cuidado estuda a forma como essas atividades se dão e o que a gente observa na nossa sociedade atual é que existe o que a gente chama de uma crise, do cuidado. Isso porque o cuidado ele foi relegado socialmente às famílias e sobretudo as mulheres. E o que a gente observa é que ele cria certas discrepâncias socioeconômicas de gênero. Então, por exemplo, a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho, ela é mais baixa do que a dos homens e um dos motivos apontados é exatamente a sobrecarga dos trabalhos reprodutivos.
Dani
A atual juventude feminina definitivamente não aceita os papéis históricos impostos e as relações econômicas do lar.
Esther
Isso é super interessante, porque essas meninas mais jovens, elas não aceitam mais, evidentemente, essa mulher que fica dentro de casa, que não trabalha, que ela que é a organizadora do cuidado. Então a lógica do cuidado sendo muito subvertida para essas meninas, que dizem o seguinte: bom, eu já não quero mais ficar em casa cuidando do lar, cuidando dos filhos, dos mais velhos, cozinhando, limpando a casa.
Grazi
No episódio #47 do É da Sua Conta, uma de nossas entrevistadas explicou que o trabalho de cuidado não remunerado não é sequer contabilizado no PIB, o que torna esta contribuição muito escondida e invisibilizada para nossas sociedades.
Esther
As tarefas domésticas do cuidado, passam em um outro lugar que é o papel do Estado. Se a mãe, se essa mulher jovem não quer ficar mais em casa porque ela também quer conquistar o espaço do público, da rua, da profissão, etc., então quem tem que cuidar dos filhos também é o Estado, que tem a obrigação da proteção social da infância. Quem tem que cuidar das pessoas mais velhas, dos idosos, também é o Estado.
Luiza
Pra solucionar essa crise do cuidado. A gente, a aponta a importância da coparticipação do governo com a provisão do serviço de cuidado. Isso, normalmente se dá, por exemplo, com creches públicas. com os serviços de atendimento a idosos, que sejam públicos.
Dani
Como estes serviços de cuidado por parte do Estado não atendem a maior parte das mulheres que estão no mercado de trabalho, isso acarreta jornadas múltiplas para estas mulheres que não podem ou querem mais ficar em casa:
Luiza
A gente tem muitas mulheres, isso a gente não mede, que estão no mercado de forma menos constante que homens. Estão em mercados mais informalizados ou precarizados ou são trabalho de tempo integral por causa das atividades, você tem toda uma outra gama de mulheres lá no mercado de trabalho, trabalhando muitas horas voltam pra casa, trabalham mais horas em casa, o que não é considerado trabalho do ponto de vista econômico, mas é considerado trabalho por nós né. E que então tem que sofrem no que a gente chama de pobreza de tempo? Então tem uma qualidade de vida muito baixa. Não tem tempo para cuidar de si pra dormir direito e afins, né. Todas essas diferentes combinações entre trabalho em casa e trabalho fora, tem impacto na renda das mulheres. Então, é uma das razões pela qual a renda média das mulheres é menor do que a dos homens. Tem impacto na qualidade de vida, tem impacto no avanço na carreira.
Grazi
Se o Estado cumprir o papel na garantia dos direitos de cuidados, a desigualdade entre homens e mulheres pode diminuir:
Luiza
Quando a gente implementa políticas de criar serviços de cuidado, a gente não só tá dando a possibilidade pra mais mulheres ingressarem no mercado de trabalho se elas quiserem terem essa autonomia de decidir trabalhar, como também a gente cria empregos que são melhor distribuídos na economia. Então, se a gente olha, por exemplo, pra saúde pública e pra educação pública, um pouco mais da metade dos empregos vai pra mulheres. Quando a gente olha pra nossa economia de modo geral, os homens, tem uma participação maior no mercado de trabalho. Então, ampliar serviços de educação e saúde gera mais empregos exatamente gera mais empregos para mulheres.
Dani
A política de cuidados públicos esbarra numa dificuldade orçamentária para se tornar realidade no Brasil.
Luiza
É essencial para qualquer aumento de gasto do governo esse ano, seja para o que for, que a gente consiga implementar uma reforma tributária que aumente a arrecadação. E que aumente a arrecadação a partir do aumento da nossa progressividade tributária, o que significa taxar mais os mais ricos. Isso criaria mais espaço orçamentário para a provisão de serviços públicos, de modo geral, dentre os quais cuidado.
Grazi
Colocar os serviços de cuidados no orçamento público significa investir na economia e também na sociedade
Música
Dani
De acordo com o estudo “Tributação de gênero e classe no Brasil” a política tributária brasileira reforça as desigualdades entre homens e mulheres; pobres e ricos. Uma das autoras do estudo é Cristina Vieceli, economista e técnica do DIEESE em Florianópolis.
Cristina, o que faz com que famílias chefiadas por mulheres sejam as que pagam mais imposto de renda?
Cristina Vieceli
Os homens são oitenta por cento do total de declarantes de Imposto de Renda Pessoa Física e se a gente for separar esse total de declarantes por faixa de salário mínimo, as remunerações masculinas vão ser mais elevadas do que as femininas em todas as faixas. Em contrapartida as mulheres vão pagar maiores alíquotas de Imposto de Renda do que os homens em quase todas as faixas de salário.
Então isso faz com que o Imposto de Renda ele tem essa característica de reforçar as questões de desigualdade de gênero que já são estruturantes.
Grazi
Em geral, as rendas das mulheres são exclusivamente rendas do trabalho, enquanto as rendas de capital estão muito mais nas mãos dos homens.
Dani
E em relação aos impostos indiretos, aqueles sobre o consumo, por que as mulheres pagam proporcionalmente mais?
Cristina
A gente enxerga que as mulheres, quando elas são chefes de família, elas despendem maior parte da sua renda em alimentação, habitação, isso proporcionalmente, em relação aos homens. O que acontece nesse caso? a gente vai enxergar que as mulheres, elas dão mais importância, por exemplo, ao cuidado dos filhos, à família. Em relação aos homens, elas têm um sentimento mais altruísta, vamos dizer assim, do que os homens. Então isso faz com que haja uma diferenciação de consumo, né?
Já os homens, eles têm proporcionalmente mais do que as mulheres em ativos e transporte…
Então, a gente tem esse perfil de consumo diferenciado que faz com que a forma como país tributa, por exemplo, possa onerar mais as mulheres.
Grazi
Para Cristina, também é importante ressaltar que mulheres brancas são mais privilegiadas que mulheres negras:
Cristina
Quando a gente, inclui o viés de gênero, raça e classe. E daí também relacionado com as mulheres chefes de família que são negras, né?
Aí a gente tem ainda mais uma penalização ainda maior, desses indivíduos em função da regressividade tributária.
Dani
O estudo também traz propostas para a reforma tributária no Brasil…
Cristina, como você avalia a reforma aprovada em fins de 2023 em relação às políticas para a diminuição das desigualdades entre gênero e renda?
Cristina
Depois de pressão do movimento feminista acho que tem alguns pontos bastante positivos, né? Entre os quais a questão do pagamento de alíquotas menores para alguns setores como educação, saúde, que vai ter um desconto aí de sessenta por cento da carga tributária. Creio que essa segregação é importante, que são serviços que são empregadores principalmente força de trabalho feminino, né? E também são utilizados muito por mulheres. Então, eu creio que esse é um ponto importante. Outro ponto que creio que seja bastante importante da reforma é a questão da criação da cesta básica nacional de alimentos e a desoneração dessa cesta. Como as famílias chefiadas por mulheres, elas despendem uma parcela importante da sua renda em alimentos. E também isso acontece entre as famílias pobres, no geral, a desoneração da cesta básica é extremamente importante.
Grazi
Fundos offshore, ou seja, aqueles fundos de investimentos ou ativos que estão no exterior e que antes eram isentos, a partir da reforma tributária aprovada em 2023, passam a ser tributados, mesmo se os recursos permanecerem no exterior. Até esse momento só eram tributados quando o recurso retornava ao país.
Com certeza, vai requerer transparência e colaboração entre os países para que o fundo seja conhecido e tributado.
Cristina
Isso também é importante porque os homens são os principais detentores desses ativos e de investimentos.
Dani
Privilégios para os homens, como a não tributação de ativos, lucros e dividendos, devem ser revistos na segunda fase da reforma tributária que está planejada pra ser discutida em 2024 na Câmara dos deputados e Senado Federal.
Outra medida que deve entrar na pauta nesta fase segunda da reforma tributária é sobre as faixas de alíquotas do imposto de renda.
Atualmente, a primeira faixa para pagar imposto de renda, de 7 e meio por cento, é para quem ganha 450 dólares por mês. Depois há apenas outras três faixas, sendo que a mais alta delas é para quem ganha a partir de 930 dólares, com uma alíquota de 27 e meio por cento. E aí não importa se você ganha 930 dólares ou 930 mil dólares por mês, você vai pagar os 27 e meio por cento.
A Cristina acredita que é necessário aumentar as faixas no imposto de renda para beneficiar as mulheres e as pessoas com rendas mais baixas.
Cristina
Porque as mulheres estão concentradas principalmente entre a população que recebe menores remunerações. Então se você aumenta as faixas de renda pra definir a tributação você tá pegando uma parcela maior de homens e aferindo uma alíquota maior entre aquelas faixas de renda onde os homens estão mais concentrados.
Grazi
Por exemplo, o 0,5% mais rico do Brasil tem uma renda mensal de 46 mil reais ou em torno de 10 mil dólares, de acordo com o livro “os ricos e os pobres: o Brasil ea desigualdade” do Marcelo Medeiros. E esses grupo é composto em sua maioria por homens e com várias rendas de capital.
Se somente esse pequeno grupo da população tivesse uma alíquota maior do imposto de renda, já seria possível torna-lo mais progressivo e reduzir desigualdade entre homens e mulheres.
Música
Dani
Sabe aquelas mulheres da geração Z?
Então, a possibilidade da diminuição da desigualdade seria mais fácil se houvesse a presença delas no congresso brasileiro, acredita a economista e professora Luiza Nassif:
Luiza Nassif
Você ter uma maior representação política de mulheres seria importante. Éclaro que mulheres progressistas é o que a gente precisa, mas eu também vejo um ganho da preocupação com a pauta de gênero, pensar o que é e como melhorar a vida das mulheres é essencial pra todos os governos nesse momento, inclusive para barrar a extrema direita.
Florencia Lorenzo
O Brasil tem um problema de representação feminina brutal. Assim ele tá muito atrás de ter uma representação adequada das mulheres na maior parte das instâncias. E aí pensando tanto o Legislativo, mas também o Executivo, enfim, e acaba que muitas vezes as mulheres não são incluídas em discussões tidas como “sérias”.
Grazi
Mulheres ocupando cada vez mais espaços políticos é também apontado pela nossa colunista, a pesquisadora da Tax Justice Network Florencia Lorenzo, como uma das maneiras para alcançar a justiça fiscal e a igualdade econômica entre homens e mulheres:
Florencia
Talvez se coloca o gênero como um apêndice, mas não no centro da questão, porque assuntos “sérios” são assuntos masculinizados e, no máximo, você tem um setor de gênero mas que não tem uma visão transversal de todo o sistema fiscal.
Dani
Enquanto as mulheres progressistas jovens não chegam às esferas de decisão e nem detém as riquezas, os homens brancos formam a maior parte do 1% mais rico do mundo.
Florencia
A riqueza ela não só é muito desigualmente distribuída, Mas ela também tem gênero, ela tem cor, ela tem raça, enfim, ela tá muito concentrada em determinados grupos sociais. E aí a gente pode olhar pro mundo isso, e aí claramente tá muito concentrado em homem branco, homem europeu, homem rico. Mas se a gente olhar por conta do Brasil, a gente vê coisas muito parecidas também. Então, a receita, por exemplo, publicou. Tem pouco tempo, uma pesquisa no qual mostra que se a gente olhar pros setores mais ricos da sociedade, né? Tipo aquelas pessoas que ganham mais de duzentas vezes o salário mínimo, mais de noventa por cento da riqueza declarada tá na mão de homem.
Grazi
De que forma tributar os super ricos pode beneficiar as mulheres?
Florencia
Então quando a gente está falando de redistribuir riqueza, redistribuir renda, a gente está falando também de combater a concentração dessa riqueza na mão de alguns homens. Essa riqueza ela não é apenas um poder econômico na vida das mulheres, isso também é um poder político. É um poder de desigualdade dentro de casa, de quem que detém a renda, quem detém a riqueza e que isso se expressa em várias formas de violência, às vezes explícitas e, às vezes, implícitas também.
Dani
O que um sistema tributário deve ter para levar as mulheres em conta?
Florencia
Então a gente está falando de justiça, de fazer com que as pessoas que tem menos paguem menos, a gente tá falando justamente de construir um regime tributário com menos incidência no consumo justamente pra tirar um pouco o peso dessas mulheres que tem que cuidar dos seus filhos sozinhas que tem que garantir todo um sistema de cuidados que o Estado, hoje em dia não garante, né?
Isso, em parte, também tem a ver com não ter suficientes recursos para garantir que que esse sistema seja feito de forma formal Da mesma forma que a gente tem saúde pública, da mesma forma que a gente tem educação pública, que precisa melhorar. A gente precisa de uma rede de cuidados públicas. A gente tem que sair dessa lógica de que cuidado é uma coisa que a gente faz só por amor.
Grazi
A Florencia lembra que a tributação é da nossa conta e deve ser discutido por toda população…
Florencia
Falar de tributação é falar também sobre representação, falar sobre transformação da sociedade, portanto, de lutas sociais que envolvem não só tributaristas ou advogados ou economistas; envolvem todos nós que estamos preocupados em mudar a sociedade, se o sistema tributário tem a capacidade de mudar a sociedade, ele tem, porque ele lida com a com a estrutura da sociedade, então a gente precisa envolver mais gente.
Vinheta call to action
Grazi
Pesquisadoras mostram que enquanto as mulheres jovens da geração Z avançam em entendimentos mais igualitários e progressistas, os homens jovens se acuam em pensamentos cada vez mais conservadores e discriminatórios, em uma tentativa de manter os privilégios vividos por séculos.
Homens, detentores da maior parte da renda e riqueza global, usam diversas estratégias para deixar de contribuir com tributos.
Na ausência de impostos sobre a riqueza;
Com imposto a renda de capital mais baixo que à renda do trabalho;
No excesso de impostos sobre o consumo; os homens são também privilegiados no campo fiscal.
As mulheres já estão dizendo basta a esses privilégios e requerendo justiça fiscal.
E precisam agora conquistar os espaços onde as decisões são tomadas.
Homens que decidam apoiar são bem vindos, até porque é do interesse deles também, já que sociedades mais igualitárias são mais felizes e as economias mais fortes.
Essa seria uma grande conquista para o dia internacional de luta das mulheres.
Dani
Um recadinho pra você, ouvinte do É da Sua Conta: Se quiser, compartilhe com a gente também suas dúvidas ou sugestões de assuntos para serem abordados. Você nos encontra no X @e_dasuaconta, no Facebook ou pode nos escrever em [email protected].
Música É da Sua Conta
Grazi
O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.
Dani
Te desejo uma ótima continuação do dia, tarde ou noite… E até o próximo…