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Alex Jacquez
Coordenador de incidência na Groundwork Collaborative.
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Florencia Lorenzo
Pesquisadora, Tax Justice Network
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Marcelo Lettieri
Auditor fiscal, diretor de comunicação do Sindifisco Nacional e diretor do Instituto Justiça Fiscal.
O que representa o tarifaço de Trump às economias do Brasil e dos Estados Unidos e as tarifas de importação são os temas do episódio #76 do É da Sua Conta.
Você ouve:
- Razões geopolíticas da Imposição de tarifas de importação de Trump ao Brasil
- Crise de 2008, Brexit, pandemia: proteção de mercados internos ao longo das duas recentes décadas
- O papel da Organização Mundial do Comércio na regulamentação do mercado internacional
- Impactos do tarifaço nas economias do Brasil e dos Estados Unidos
- Ações do governo brasileiro para conter os impactos
- Falta de ações do governo estadunidense para conter os impactos
- Lições aprendidas com o tarifaço para fortalecer a economia brasileira
“Adotar tarifas disseminadas com pouca especificidade e sem pensar no impacto econômico ou estratégico que essas tarifas podem ter, do ponto de vista de quais setores está beneficiando ou prejudicando, e fazer isso com componentes políticos muito claros. São características muito fortes em Trump.”
~Florencia Lorenzo, Tax Justice Network“Trump quer minimizar a influência da China na ordem global, mas parece estar empurrando os países do BRICS para mais perto dela durante essas disputas comerciais.”
~Alex Jacquez, Groundwork Collaborative“Os defensores neoliberais de redução de gastos, principalmente as empresas que recebem benefícios (do governo) agora, depois vão dizer que o governo tem que cortar gastos; pedem para cortar gastos sociais e não reduzir benefícios fiscais.”
~Marcelo Lettieri, Sindifisco Nacional e Instituto de Justiça FiscalDublagem: Zema Ribeiro
Música É da Sua Conta
Graziele David: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas e o planeta. Eu sou a Grazielle David.
Daniela Stefano: E eu a Daniela Stefano. O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.
música abertura
Grazi: O tarifaço imposto ao Brasil por Donald Trump e as tarifas de importação são os temas do episódio 76 do É da Sua Conta.
música
Dani: Pelas mídias sociais, em 9 de julho de 2025, o presidente dos Estados Unidos enviou mensagem oficial ao presidente do Brasil impondo uma tarifa de 50% aos produtos brasileiros. Dentre as justificativas, Donald Trump afirmou que o Brasil mantém relações comerciais injustas e que prejudicam os interesses dos Estados Unidos. Mas isso não é verdade, já que o Brasil compra mais produtos dos Estados Unidos, ou seja, eles recebem mais dinheiro do Brasil do que o Brasil recebe dos Estados Unidos.
Grazi: A imposição de tarifas comerciais pelos Estados Unidos aos países parceiros comerciais já ocorria no primeiro mandato de Trump, continuou no governo Biden, mas ganhou muita força no início do segundo mandato do presidente estadunidense, em janeiro de 2025. Em 2 de abril, o governo dos Estados Unidos anunciou tarifas recíprocas sobre todas as importações com todos os países, argumentando que o objetivo é corrigir desequilibrios e proteger a indústria estadunidense. A medida gerou diversas reações de governos e instituições financeiras no mundo todo.
Presidente Lula: As últimas decisões anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos de taxação de comércio com todos os países do mundo de forma unilateral joga por terra a grande ideia do livre comercio, joga por terra a grande ideia do fortalecimento do multilateralismo e joga por terra muitas vezes o respeito à soberania dos países que nós temos que ter.
Dani: Essa declaração do presidente Lula foi feita em 9 de maio de 2025 durante uma visita ao presidente russo Vladimir Putin. A visita tinha como objetivo estreitar relações e parceria, já pensando em diversificar mercados e ficar menos dependente dos Estados Unidos. Para o Marcelo Lettieri, auditor fiscal da receita federal, diretor do Sindifisco Nacional e do Instituto de Justiça Fiscal, o tarifaço tem a ver com essas aproximações brasileiras de outros grupos de países:
Marcelo Lettieri: Existe uma questão geopolítica que preocupa os americanos, essa aproximação do Brasil com a China e a questão dos BRICS. Então isso tem preocupado os americanos e eles veem o Brasil na América Latina como um país muito importante para eles perderem o poder que eles têm sobre o Brasil e deixar que o Brasil se alie a outros parceiros comerciais, como no caso da China, no caso dos BRICS e por trás também de toda essa questão da taxação, essa pressão sobre o Supremo, está relacionado aos grandes financiadores da campanha do Trump, que foram as Big Techs, os grandes parceiros do Trump, e estão exigindo do Trump que ameace principalmente o judiciário brasileiro a não adotar medidas que regulamentem as redes sociais.
Grazi: BRICS é um grupo de economias emergentes, iniciado por Brasil, Russia, Índia e Africa do Sul em 2009, e que hoje conta 11 países membros e mais 10 países aliados. Se você quer saber mais sobre o BRICS, ouça o episódio #70 do É da sua conta.
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Alex Jacquez: O Presidente Trump está incomodado com a discussão do abandono do dólar como moeda de reserva pelos países do BRICS, o aumento do comércio em suas próprias moedas e a tentativa de estabelecer sistemas comerciais alternativos à ordem global tradicionalmente dominada pelos Estados Unidos há várias décadas. Ele acredita que isso poderia ser resolvido por meio de tarifas e ameaçou todos os países do BRICS com novas taxas se tomassem medidas para abandonar o dólar como moeda de troca.
Dani: Esse é Alex Jacquez, coordenador de incidência na Groundwork Collaborative, uma think thank de economia com sede em Washignton nos Estados Unidos. Será que essa política tarifária consegue conter o BRICS?
Alex: Com esses altos impostos que ele impôs ao Brasil e à Índia, parece que esses países estão se voltando mais para a China, o que, mais uma vez, é uma espécie de objetivo declarado que Trump queria evitar. Ele quer minimizar a influência da China na ordem global, mas parece estar empurrando os países do BRICS para mais perto dela durante essas disputas comerciais.
Grazi: Alex, o que motiva a política tarifária de Trump?
Alex: É um pouco difícil de saber, e parece que muda a cada dia. Trump disse que sua política tarifária visa uma série de resultados econômicos, incluindo a realocação da indústria de volta aos Estados Unidos, a arrecadação de enormes quantias de receita, 2 trilhões de dólares ao longo de 10 anos com as empresas que pagam as tarifas e, óbvio, como uma ferramenta de negociação para obter o que ele quer de outros países.
Dani: Na opinião de Alex, esses três objetivos não tem como ocorrer ao mesmo tempo.
Alex: Se você arrecada uma quantia enorme de receita, significa que necessariamente os empregos na indústria não retornaram aos Estados Unidos. Se você estiver usando as tarifas como ferramenta de negociação, significa que nenhum desses dois primeiros objetivos se concretizará, porque se baseia na redução das tarifas assim que um resultado for garantido.
Grazi: Com países da União Europeia, Vietnã e Reino Unido já foram feitos acordos.
Alex: O que parece acordado, em geral, é um nível tarifário básico definido pelos Estados Unidos em cerca de 10% ou 15%, e então um acordo com o outro país para comprar certos bens, incluindo aeronaves Boeing ou produtos agrícolas, bem como eliminar suas barreiras tarifárias para os Estados Unidos. Portanto, no geral, o que acabamos tendo é uma tarifa básica ligeiramente mais alta, ou deveria ser muito mais alta, em todos os países com os quais geralmente fazemos comércio.
Dani: Com outros países, qualquer tipo de acordo parece inviável até o momento.
Alex: E uma espécie de grande ponto de interrogação pendente com a China é como o governo Trump está propondo lidar com nosso déficit comercial bilateral com a China, bem como uma série de preocupações de segurança nacional.
Grazi: E no caso específico da política tarifária com o Brasil, o que passa na cabeça de Trump?
Alex: Sua imposição ao Brasil parece não ter qualquer cunho econômico e se deve inteiramente a razões geopolíticas. Obviamente, o presidente Trump declarou que está impondo essas tarifas como uma ferramenta de coerção, para fazer com que o governo brasileiro interrompa a investigação e o processo contra o ex-presidente Bolsonaro. Isso é nitidamente um favor. Bolsonaro tem laços com os Trumps. E agora ele está usando a política econômica como uma ferramenta de coerção e de barganha para tentar obter o que deseja no âmbito político, o que, na minha opinião, é bem diferente da maneira como as ferramentas comerciais têm sido usadas. Mas também as autoridades específicas que ele está usando para implementar essas tarifas, a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional, que está sujeita a processos judiciais, é uma ferramenta que supostamente visa lidar com danos econômicos. E o presidente Trump usa esse manto de segurança nacional basicamente para aplicar tarifas por qualquer motivo que ele considere adequado.
Dani: Alguns tribunais estadunidenses decidiram a favor e outros contra o uso de tarifas pelo presidente Trump por meio da lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional. Nos próximos meses, a Suprema Corte estadunidense terá que tomar a decisão final.
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Grazi: As exportações brasileiras para os Estados Unidos representam entre 12 e 13% do total de vendas externas do país. E os Estados Unidos é o segundo país para o qual o Brasil mais exporta, ficando atrás apenas da China. Quando Donald Trump incluiu outros 40% de tributação sobre os produtos brasileiros, além dos anteriores 10%, o governo brasileiro tentou negociar em âmbito comercial com os estadunidenses, mas o governo Trump não estava aberto para isso.
Dani: O tarifaço imposto pelos Estados Unidos ao Brasil passou a vigorar em 06 de agosto de 2025. No mesmo dia, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro acionou o mecanismo de solução de controvérias na Organização Mundial do Comércio contra os Estados Unidos. Marcelo Lettieri analisa a reação brasileira contra o tarifaço de Trump.
Marcelo: Os argumentos do governo brasileiro são baseados em violação dos princípios fundamentais do sistema multilateral, foi questionado o princípio da nação mais favorecida, houve a violação de tetos tarifários consolidados pelos Estados Unidos na OMC. Isso está sendo atacado por todos os países que estão também sobre o efeito do tarifaço americano. Essa base legal robusta, ela aumenta as chances de sucesso no processo.
Grazi: Por outro lado, um processo na Organização Mundial do Comé rcio tem limitações, principalmente quando o outro lado é uma grande potência.
Marcelo: A gente tem um poder de barganha limitado, é uma assimetria muito grande de poder nas negociações bilaterais como a superpotência, a gente tem que reconhecer isso, e tem uma dependência de alguns mercados específicos que cria certas vulnerabilidades. Eu acho que o presidente Lula tem agido de uma forma muito responsável ao reconhecer tudo isso.
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Dani: A Organização Mundial do Comércio, OMC, foi estabelecida em 1995. Surgiu dos chamados acordos gerais de comércio, que depois se consolidou nesse modelo da OMC, que tinha como objetivo estabelecer regras multilaterais de comércio, limitar tarifas, resolver disputas específicas entre países e criar regras para o comércio bilateral e multilateral.
Grazi: Apesar de existirem alguns mecanismos importantes, como critérios de diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, a OMC já foi muitas vezes criticada por não estar muito adequada para demandas de países em desenvolvimento. Florencia Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network:
Florencia Lorenzo: O Brasil, por muito tempo, e ainda quando o Lula volta, ele busca reassumir esse critério de países em desenvolvimento, porque você tem regras um pouco distintas do que em países desenvolvidos no órgão da OMC, mas, na medida que os Estados Unidos também passou a se sentir prejudicado por alguma dessas regras, ele tem bloqueado alguns dos mecanismos.
Dani: O mais importante mecanismo, que é o Órgão de Apelação de Solução de Controvérsias está bloqueado desde dezembro 2019, pelos EUA, que se opôs à nomeação de novos membros para o órgão. O órgão é a última instância para disputas comerciais entre países. Com o bloqueio, quando um caso não é resolvido em um painel do Mecanismo, os países não conseguem apelar e os casos de conflito comercial ficam sem solução.
Florencia: Tem uma frustração crescente com essa organização e eu acho que está na base de muitas demandas por reformar, encontrar um papel novo para essa organização
Grazi: Para Alex Jacquez, a Organização Mundial do Comércio não será o local de solução da disputa tarifária do Brasil com os Estados Unidos.
Alex: O uso de tarifas para fins de segurança nacional está fora da competência da OMC para julgar. A maior ameaça será a Suprema Corte estadunidense e se os tribunais estarão dispostos a permitir que as tarifas sejam usadas da forma como Trump usa sob a autoridade de segurança nacional.
Dani: Ainda que o Brasil tenha apelado à OMC, será necessário que acompanhe com muita atenção a ação na Suprema Corte estadunidense.
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Grazi: As tarifas de 50% aplicadas pelos Estados Unidos contra parte dos produtos exportados pelo Brasil afetam diretamente a economia brasileira. Marcelo Lettieri.
Marcelo: Só para ter uma ideia da magnitude do impacto,77,8% da pauta exportadora brasileira para os Estados Unidos vai estar sujeita a alguma tarifa adicional. Só para ter uma ideia do impacto regional, 22 estados brasileiros têm pelo menos 50% de suas exportações para os Estados Unidos impactadas pelo tarifaço.
Dani: Dentre os principais produtos exportados estão combustíveis e óleo minerais, ferro e aço, aeronaves, madeiras, além de café, carne bovina, pescados e frutas.
Marcelo: O Brasil é responsável por 35% da produção mundial de café e os Estados Unidos constituem um dos nossos principais mercados consumidores. Então isso vai ter um grande impacto, inclusive, sobre milhões de pequenos produtores rurais, no Sudeste e no Nordeste.
Alex: Nós amamos nosso café brasileiro.
Grazi: Alex Jacquez, coordenador de incidência na Groundwork Collaborative, uma think thank de economia com sede em Washignton nos Estados Unidos.
Alex: Não temos uma indústria de café. Não conseguimos produzir grãos de café suficientes para satisfazer qualquer pequeno segmento da nossa população. Portanto, impor tarifas ao café só vai aumentar os preços. Não há alternativa real aqui, e já vimos isso. O preço do café aumentou tremendamente desde 2 de abril e o início do mandato do presidente Trump. A expectativa é que continue subindo.
Marcelo: No setor de carnes, o Brasil é o maior exportador mundial de carne, bovina e frango. Esse tarifaço tem um impacto amplificado pela natureza perecível desses produtos. Há uma necessidade de reorientação para outros mercados. Eu não tenho como fazer estoques por muito tempo desses produtos, porque eles são perecíveis. Isso, sim, vai ter impactos potenciais sobre preços e margem de lucros dessas empresas exportadoras de carne. Frutas, pescado e mel são setores que têm vantagens comparativas significativas. São produtos que têm alto valor agregado, mas aí terão um impacto direto sobre comunidades, algumas comunidades rurais.
Alex: Carne bovina, frutos do mar, frutas e mel são outras grandes categorias vindas do Brasil que pagam mais tarifas. Parece que não há uma lógica entre o que recebeu isenção e o que não recebeu, se o objetivo era minimizar os impactos nos EUA. Mas acredito que algumas dessas categorias de alimentos em particular, assim como têxteis, calçados e alguns desses produtos siderúrgicos semiacabados que o Brasil exporta para os EUA, também terão impactos econômicos aqui.
Marcelo: Vai haver uma necessidade de redução de preços para tentar manter minimamente a competitividade no mercado americano enquanto tiver essas tarifas. Isso vai reduzir a margem de lucro das empresas, por isso que os empresários entraram no jogo.
Dani: Além dos impactos para os setores, há o impacto na economia nacional brasileira.
Marcelo: Os efeitos macroeconômicos, redução das receitas de exportação, obviamente, isso vai ter um impacto negativo no saldo da balança comercial, vai haver uma pressão sobre o câmbio no Brasil, porque vai ter menos entradas de dólares, isso deve afetar um pouco o crescimento no Brasil. Eu acho que a maior preocupação do governo federal são os impactos sociais. O desemprego em setores afetados, vai ter alguma redução de renda nessas comunidades especializadas, e isso vai gerar mais pressão sobre programas sociais do governo, se tiver mais desemprego, tem mais auxílio-desemprego, tem mais Bolsa Família.
Grazi: Nos Estados Unidos ainda não foi possível medir o impacto TOTAL da política tarifária de Trump porque as medidas têm sido anunciadas, adotadas, pausadas, renegociadas, ameçadas, como em uma montanha russa, o que tem causado grande incerteza econômica. Empresários querem mais nitidez sobre os detalhes da política tarifária.
Alex: Ainda não conseguimos isso. Ainda estamos em negociação com vários países. As tarifas ainda estão em constante mudança, sendo alteradas o tempo todo. Há várias pausas na negociação com a China e com o México, onde as tarifas ainda precisam ser resolvidas.
Dani: Acontece que os custos da política tarifária começam a ser repassados para os consumidores. E o mercado de trabalho estadunidense também está sendo impactado.
Alex: As empresas dizem que estão basicamente paralisadas. Não fazem investimentos. Não tomam grandes decisões de contratação porque não sabem como estará a economia na semana ou no mês que vem. Começamos a ver isso também nos preços. O índice de preços ao produtor, o que os produtores pagam por bens e serviços, foi divulgado recentemente com um índice bem elevada. O que acreditamos estar acontecendo é que esses atacadistas estão aumentando seus preços e isso será repassado aos varejistas em breve. Portanto, a inflação subiu um pouco, as contratações e o mercado de trabalho diminuíram, e o crescimento econômico desacelerou. Vimos isso nos números do PIB. Portanto, no geral, se a ideia dessa política comercial era impulsionar a economia dos Estados Unidos, não vimos nenhum sinal disso até agora.
Grazi: Empregos em risco, inflação, promessas de crescimento econômico frustradas. Como a população estadunidense está reagindo a isso?
Alex: As pessoas estão muito bravas com a implementação e os impactos da política comercial e com a incerteza econômica por ela impulsionada. Os números preliminares de agosto do sentimento do consumidor mostra uma queda acentuada. As pessoas estão preocupadas, acham que a inflação está subindo e estão pessimistas em relação às próprias condições econômicas.
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Dani: Os impactos para o Brasil poderiam ser ainda maiores, já que mais de 700 itens ficaram de fora da sobretarifa de 40%.
Grazi: Além disso, 726 mil postos de trabalho diretos, indiretos e induzidos pela redução da renda, previdência, fundo de garantia e negociações coletivas seriam afetados se nenhuma iniciativa governamental fosse adotada para minimizar os prejuízos. O cálculo é do Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Socioeconômicos, DIEESE. O estudo sobre os impactos do tarifaço e a síntese do tarifaço, ambos elaborados pelo DIEESE estão na descrição deste episódio, em www.edasuaconta.com
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Dani: Vamos voltar para o fim dos anos 1990. para entender como a política tarifiária funciona no mundo. Com a globalização houve a tentativa de diminuir as tarifas com o objetivo de beneficiar todos os países. Florencia Lorenzo
Florencia: Esse movimento claramente foi muito criticado naquele momento dos anos 90, e corretamente apontado por muitos economistas que na verdade isso teria vencedores e perdedores da globalização, que alguns países se beneficiariam disso e outros não, e que isso poderia afetar, por exemplo, o mercado de trabalho doméstico de alguns países com impactos bastante negativos.
Grazi: Que tipo de de impacto negativo?
Florencia: Esse processo dos vencedores e perdedores da globalização abriu espaço para o crescimento de alguns movimentos de extrema direita, que alguns vão chamar de populistas, mas que basicamente estão falando, assim: esse movimento desenfreado da abertura dos mercados, ele pode ter consequências laborais tão grandes que tem impactos políticos, né? Que você vai ter alguns setores que vão se organizar depois para contestar, muitas vezes, por uma narrativa racista, que é, por exemplo, como a gente vê no caso dos Estados Unidos, todo um discurso contra a China muito forte, narrativas nacionalistas de direita que vão se beneficiar desse conflito econômico para crescer.
Dani: Antes dos Estados Unidos imporem tarifas comerciais, existiram alguns momentos nas recentes duas décadas que fizeram com que este movimento de redução de tarifas de importação começasse a perder força.
Grazi: A Crise Econômica de 2008-2009 foi uma grave recessão global desencadeada pelo colapso do mercado imobiliário dos EUA. A partir daí, os países começaram a buscar mais mecanismos de proteção nacional contra os efeitos da economia globalizada. Isso fez com que a política tarifária voltasse a parecer relevante para diversos países, como por exemplo o Reino Unido, que saiu da União Europeia em janeiro de 2020 num movimento conhecido como Brexit. O Brexit separou a economia do Reino Unido da União Europeia com o discurso de proteger a economia doméstica.
Dani: Essas ações de medidas regulatórias para controlar a exposição do mercado a produtos estrangeiros podem ser observadas a partir de diversos elementos no acordo Mercosul União Europeia.
Grazi: Dificultar a entrada de um produto do Mercosul no mercado europeu com o objetivo de proteger as empresas europeias. O Acordo Mercosul-União Europeia foi negociado entre os blocos econômicos do Mercosul e da União Europeia com o objetivo de facilitar o comércio, aumentar os investimentos e fortalecer a cooperação política e institucional entre os dois blocos. Embora a fase de revisão legal tenha sido concluída em 2019 e revista em 2024, o acordo ainda precisa de ser ratificado pelos parlamentos de cada país da União Europeia e do Mercosul para entrar em vigor.
Dani: Outro momento em que a proteção a mercados nacionais se tornou relevante foi durante a pandemia. Com tudo fechado, houve uma quebra abrupta de cadeias globais de produção, que afetou o comércio internacional e a capacidade de suprir a demanda nacional em diversas partes do mundo.
Florencia: Eu acho que uma coisa que foi muito importante na pandemia é que vários países passaram a avaliar sobre política industrial, percebendo que a dependência extrema de alguns setores estratégicos colocava ele em lugares muito fragilizados, em um contexto de crise.
Grazi: Embora o movimento de olhar para a política industrial já venha acontecendo , o que os Estados Unidos iniciou no governo Trump 2 é algo novo.
Florencia: Adotar tarifas disseminadas com pouca especificidade e sem pensar no impacto econômico ou estratégico que essas tarifas podem ter, do ponto de vista de quais setores ele está beneficiando ou prejudicando, e fazer isso com componentes políticos muito claros. Eu acho que é uma característica que é muito forte nele
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Haddad: Nosso fundo garantidor de exportador passa a contar com recursos liberados pra financiar a custo baixo os setores afetados pelo tarifaço
Dani: Você ouviu o Ministro da Fazenda Brasileiro, Fernando Haddad, anunciando o Plano Brasil Soberano. Seis dias após a entrada em vigor do tarifaço, o governo brasileiro divulgou um plano para socorrer os setores mais afetados da economia. Estão previstas neste plano medidas de concessão de crédito, aumento das compras governamentais, prazo maior para as empresas pagarem seus impostos, descontos de tributos, entre outros.
Grazi: Marcelo Lettieri, auditor fiscal da receita federal, diretor do Sindifisco Nacional e do Instituto de Justiça Fiscal.
Marcelo: Teve foco e eficiência, então a priorização foi dessas empresas mais dependentes das exportações para os Estados Unidos.
Dani: Só que o plano do governo tem limitações.
Marcelo: Tem um caráter predominante defensivo, com foco na mitigação de danos, em vez de criação de oportunidade, mas é o que dá para fazer no curto prazo. Ainda não tem um componente robusto de diversificação de mercados, o governo anunciou aí uma ampliação de 400 novos mercados, mas isso você não muda da noite para o dia.
Grazi: Além disso, o governo Lula decidiu não adotar uma política de retaliação à política tarifária de Trump.
Dani: Com relação aos créditos que o governo está oferecendo às empresas, o Marcelo acredita que possa haver um problema de sustentabilidade fiscal.
Marcelo: os grandes defensores neoliberais de redução de gastos , principalmente as empresas que recebem esses benefícios, depois vão dizer que o governo tem que cortar gastos, porque teve que ampliar esses gastos, pedem para cortar gastos sociais e não reduzir benefícios fiscais.
Grazi: Talvez fosse o caso de considerar esse Tarifaço como uma situação emergencial e todo o gasto para mitigar seus efeitos ficar fora da regra fiscal e do limite orçamentário, assim como ocorreu na pandemia. Dessa forma, o enfrentamento dos efeitos do tarifaço não poderia ser usado como desculpa para cortes orçamentários em outras políticas públicas importantes.
Dani: Já nos Estados Unidos, o Alex diz que não existe exatamente um plano do governo Trump para lidar com os impactos econômicos e na vida das pessoas.
Alex: Parece que a resposta oficial à obtenção de dados econômicos ruins é simplesmente demitir a mensageira.
Dani: Erika McEntarfer, comissária do Bureau of Labor Statistics, uma secretaria de estatísticas sobre o trabalho estadunidense, foi demitida no início de agosto de 2025. Horas antes, um relatório foi divulgado mostrando que houve uma piora no número de pessoas desempregadas entre maio e junho.
Alex: Acho que só teremos mais problemas se o governo Trump se recusar a encarar o que as suas políticas estão causando.
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Grazi: Marcelo, que lições os brasileiros podem tirar do tarifaço para fortalecer a própria economia?
Marcelo: É importante a gente pensar na diversificação de mercados. Essa eu acho que deve ser uma prioridade estratégica. Então, a gente precisa reduzir a dependência de mercados específicos, fortalecer relações comerciais principalmente com a Ásia, a África e a própria América Latina. Temos que diversificar produtos, ou seja, agregar mais valor aos produtos exportados. Desenvolvimento de novos produtos com maior valor agregado e inovação em alguns setores que são tradicionais. A gente precisa trabalhar também o fortalecimento da competitividade estrutural. Então, investimentos em infraestrutura, uma logística mais eficiente para reduzir custos, a infraestrutura digital para essa economia do conhecimento,energia renovável para uma vantagem competitiva sustentável. Avançar cada vez mais nessa transição para a economia intensiva em conhecimento. Temos que usar esse momento e essa crise, para tentar dar esse salto na questão do comércio internacional, porque o Brasil continua muito dependente, principalmente de exportações de commodities.
Dani: Para o Marcelo, o tarifaço do Trump pode servir como um catalisador para essas transformações estruturais, que já eram necessárias.
Música de fechamento
Grazi: Tarifa de importação pode funcionar como um imposto, como ocorre no Brasil, onde o controle de mercadorias que entram e saem do país é feita pela Receita Federal. A tarifa tem um objetivo de reprecificação, de proteger um setor estrátegico nacional, de possíveis efeitos que uma importação excessiva poderia causar. E em alguns casos, pode ter um efeito arrecadatório, ainda que não seja seu principal objetivo. Entretanto, as tarifas não deveriam ser usadas para promover retaliação ou interferir na soberania de outros países. A maneira como a tarifa de 50% dos Estados Unidos ao Brasil foi justificada perdeu os elementos econômicos e se transformou em estratégia de manipulação. O Brasil resiste e defende sua soberania com medidas articuladas internacionalmente, inclusive com políticas de mitigação de efeitos e busca de parceiros comerciais substitutivos. Enquanto isso, o governo Trump isola ainda mais os Estados Unidos, prejudica sua economia e a vida de seus cidadãos, que já enfrentam os efeitos da inflação, da piora do mercado de trabalho, da estagnação econômica, e… da perda do seu amado café brasileiro.
Música É da Sua Conta
Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A dublagem é de Zema Ribeiro. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.
Dani: Lembrando que em www.edasuaconta.com, você encontra a descrição e a transcrição completa, pode ouvir os episódios anteriores, assinar o nosso boletim e ficar sabendo em primeira mão quando um episódio é lançado. www.edasuaconta.com. Se preferir, envie um email para [email protected], com seu nome e número de telefone que a gente te cadastra em nossa lista de distribuição pelo whatsapp. Também estamos no facebook e no BlueSky.Um abraço a você que nos ouviu até a última palavra e até o próximo!