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Cláudio Fernandes
Economista associado da GESTOS, Soropositividade e Comunicação em Gênero.
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Florencia Lorenzo
Pesquisadora, Tax Justice Network
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Lena Lavinas
Professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) da Universidade de São Paulo
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Márcio Calvet Neves
Advogado tributarista empresarial, mestre em tributação pela Universidade Georgetown, mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Melbourne, doutorando em ciência política pela UFF e integrante do Instituto de Justiça Fiscal.
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Victor Dimitrov
Agricultor e coordenador da Rede Consumo Consciente ABC
A mudança nas alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no Brasil e a razão para taxar transações financeiras no mundo são os temas do episódio #75 do É da Sua Conta.
Ouça sobre:
- Executivo, Legislativo, Judiciário: a disputa do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF);
- Como ficou o IOF após decisão do ministro Alexandre de Moraes;
- Como foi criado e para que serve o IOF;
- Pode alterar por decreto? O que diz a Constituição Federal sobre o IOF;
- O papel da taxação sobre as transações financeiras;
- Financeirização da economia: famílias de rendas baixa e média endividadas garantem lucros aos bancos;
- Impostos sobre transações financeiras: dá pra ser progressivo?
“Eu gostaria que o IOF também tivesse alíquotas para as transações em ações, também dentro do ponto de vista de progressividade, porque o montante das grandes transações em ações de empresas privadas e em títulos de dívidas públicas e privadas traria um capital extra de receita pública.”
~Cláudio Fernandes, Gestos“Com o aumento do governo, algumas operações de câmbio saltaram para 3,5%. Essa alíquota é bem inferior à alíquota máxima do IOF fixada pela lei, que é de 25% .”
~Marcio Calvet Neves, Instituto Justiça Fiscal“A Finança ela domina todos os setores da economia e também todos os setores da sociedade. A população nunca viveu endividada como vive hoje. Esse processo de financiarização levou que cada vez mais se justificasse que houvesse uma redução da taxação dos super ricos no mundo inteiro.”
~Lena Lavinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro“Muitas vezes, a taxação sobre transações financeiras é evocada em contextos de crise porque precisa de respostas urgentes para dinâmicas econômicas distorcivas, como a especulação financeira.”
~Florencia Lorenzo, Tax Justice Network“Você fica suscetível aos empréstimos que são feitos no banco para poder parcelar as contas que precisam ser pagas naquele mês. Além de pagar os juros nós agora vamos pagar o IOF mais alto Com certeza vai impactar mesmo em nós, que fazemos uma economia solidária.”
~Victor Dimitrov, Consumo Consciente ABC
Músicas: Nerdymp, Paul Yudin e Dmitri Tara.
Música Harry Potter – Nerdymp
Claudio Fernandes: Eu chamo tributo sobre transações financeiras do tributo Voldemort,
que é aquele tributo que ninguém quer falar sobre ele.
Dani: O economista Claudio Fernandes compara a taxação sobre transações financeiras ao vilão de Harry Potter, aquele que os bruxos dizem que o nome não deve ser pronunciado
Claudio: As pessoas falam sobre todo tipo de tributos, de comércio, etc., mas ninguém quer falar sobre o sistema financeiro e a necessidade que nós temos de trazer o sistema financeiro um pouco para a realidade.
Grazi: Sistema financeiro, imposto sobre transações financeiras e IOF, o imposto sobre operações financeiras no Brasil, são falados, sim, no É da Sua Conta!
Música É da Sua Conta
Grazi: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas e o planeta. Eu sou a Grazielle David.
Dani: E eu a Dani Stefano. O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.
SOBE música abertura
Grazi: A mudança no Imposto sobre Operações Financeiras, IOF, no Brasil, e a razão para taxar transações financeiras no mundo são os temas do episódio #75 do É da Sua Conta
música
Dani: Em julho de 2025, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes decidiu restabeler o decreto presidencial que aumentou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF. Isso porque o Congresso Nacional havia aprovado um decreto legislativo para suspender o decreto do governo federal de maio de 2025, deixando o IOF como estava, sem aumento.A resposta do executivo para o legislativo foi levar o desacordo para a justiça. Na opinião do economista Cláudio Fernandes, as alterações das alíquotas do IOF desta vez se tornaram parte de uma disputa política:
Claudio: O que aconteceu foi a Câmara demonstrando que ela, principalmente, está mais preocupada com os privilégios e os ganhos das classes que têm mais recursos. E a reação da Câmara foi uma tentativa de proteger, principalmente, essas classes com mais recursos e, de certa forma, colocar o peso do tributo nas costas, principalmente da classe média brasileira, que é uma classe média já estrangulada.
Grazi: A Constituição Federal garante que o Imposto sobre Operações Financeiras sofra alterações de alíquota através de Decreto do Executivo, desde que cumpra a função regulatória. Mas o Congresso vetou, alegando que a alteração tinha como objetivo arrecadar.Na opinião de Marcio Calvet Neves, advogado tributarista empresarial, havia pouca chance desse argumento convencer o judiciário brasileiro.
Marcio Calvet Neves: Era um argumento muito difícil de ser aceito no STF, já foi tentado outras vezes, e a jurisprudência, na maior parte das vezes, considerou a alteração da alíquota do IOF constitucional
Dani: Além de impor a função do imposto, que precisa ser regulatório e extrafiscal, a Constituição impõe também limites de alíquotas.
Marcio: o IOF tem um decreto que regulamenta todas as operações, que é o decreto 6306 de 2007. Sempre que o Poder Executivo quer alterar a legislação do IOF, ele edita novos decretos que alteram esse decreto que é decreto principal. Porque essa alteração de alíquota pelo Poder Executivo é uma exceção na Constituição Federal. Diz lá o artigo 153, o parágrafo 1º, que é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, ou seja, a lei vai estabelecer determinados limites, alterar as alíquotas do IOF.
Grazi: Essa exceção ocorre porque o IOF é utilizado também como instrumento de política monetária e cambial, cujas alterações podem ser diárias e requerem ação imediata. Florencia Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network.
Florencia Lorenzo: como o câmbio flutua, o IOF é implementado justamente para que o Estado tivesse algum instrumento para atuar em certas dinâmicas relacionadas à política monetária. Ele também é adotado e usado pelo governo como um instrumento regulatório, né? Para tentar conter, por exemplo, variações cambiais, mas também, por exemplo, em contexto de alta entrada de capital especulativo por alto juros, etc., ele pode ser usado para também mudar os incentivos.
Sobe música
Dani: O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, acatou quase todos os aumentos do IOF estabelecidos pelo decreto do governo federal. Seguros VGBL, de previdência privada, e fundos de investimento em direitos creditórios, que até então tinham alíquotas zeradas, passaram a pagar impostos.
Claudio: eu avalio relativamente justo, não completamente progressivo.
Grazi: Quem comenta é Cláudio Fernandes, economista associado a GESTOS, Soropositividade e Comunicação em Gênero, uma organização não governamental com sede em Pernambuco.
Claudio: Eu gostaria que o IOF também tivesse alíquotas para as transações em ações, inclusive para os títulos de dívida pública do Tesouro Nacional. Também dentro do ponto de vista de progressividade, porque grandes transações em ações de empresas privadas e também em títulos de dívidas públicas e privadas, o montante dessas transações traria um capital extra de receita pública.
Dani: Com o decreto, aumentam também as alíquotas para compras internacionais com cartão de crédito e débito, compra de moeda em espécie e remessas ao exterior. E nesse caso, a Constituição estabelece alíquotas até bem mais altas do que as que passaram a valer após a decisão do STF:
Marcio: Ela fixou uma alíquota máxima de 25% nas operações de câmbio. Olha como mesmo com o aumento do governo, e algumas operações de câmbio saltaram para 3,5%, essa alíquota é bem inferior à alíquota máxima do IOF fixada pela lei, nas operações de câmbio.
música
Victor Dimitrov: A Consumo Consciente ABC, como um empreendimento de economia solidária, nós prezamos pela planificação dos preços. Como trabalhamos com a agroecologia, nós tentamos substituir o máximo de insumos industrializados por insumos que nós mesmos produzimos. No caso, nós temos os nossos próprios adubos, nós construímos ferramentas, mas mesmo assim nós dependemos de fontes externas para manter a produção ok. E as formas de pagamento que os nossos consumidores usam para pagar o alimento que eles compram, impacta o nosso negócio.
Grazi:Esse é o Victor Dimitrov, da Consumo Consciente ABC, empreendimento da economia solidária que atua na região metropolitana de São Paulo.
Victor: Impacta que quando você aceita o cartão de crédito você vai receber o valor depois de 30 dias e ainda com alguns descontos de taxa e algumas outras coisinhas, né? E você fica suscetível a questão do crédito, ou seja, dos empréstimos que são feitos no banco para poder parcelar as contas que precisam ser pagas naquele mês. Além de pagar os juros nós agora vamos pagar o IOF mais alto, eu não sei como é que vai ficar essa situação do IOF, se vai aumentar, com certeza vai impactar mesmo em nós que fazemos uma economia solidária.
Dani: Pois é! Vivemos num planeta onde a economia solidária precisa conviver, e em alguns casos depender, da economia financeirizada. A alíquota paga a empréstimos a empresas também aumentou, ou seja, Victor, vocês da economia solidária também vão pagar mais IOF.
Cláudio: Empresas podem entrar em certo nível de dificuldade às vezes e esse aumento dessa alíquota, desse IOF sendo diário, pode complicar um pouco a vida financeira de determinadas empresas, principalmente eu colocaria as empresas pequenas e médias. No entanto, isso abre brecha para tipos de operação que são operações não bancárias dessas empresas, que é justamente algo que foi, interessantemente, protegido pelo Alexandre de Moraes, que foi esse retorno do sacado.
Grazi: Retorno do sacado, risco Sacado é a única exceção mantida pelo STF, ou seja, o governo havia pedido o imposto, mas permanecerá isento.
Claudio: é um recurso que as empresas fazem quando elas têm um processo de garantir a recepção de um determinado produto para sua linha de montagem, digamos assim, para sua cadeia de valor, mas ao mesmo tempo ainda não tem um recurso para pagar aquele fornecedor. E aí faz um contrato de pagamento daquele fornecedor baseado na quantidade de vendas que já tem contratuado com outras empresas naquele seu produto final.Isso é uma operação de crédito. É uma operação de crédito entre as empresas.Você não tem o intermediário. O cálculo de juros sobre essa operação de crédito é feito entre as empresas bilateralmente.
Grazi: O ministro do STF entendeu que esse tipo de operação não pode ser equiparada a uma operação de crédito. Ou seja, a cobrança de IOF seria indevida.
Marcio: Porque o Alexandre de Moraes corretamente entendeu que aquela equiparação do risco sacado a uma operação de crédito não poderia ser feita por meio de decreto, se a Constituição limita o IOF as operações de crédito você não pode aumentar aquilo que é definido como operação de crédito e a decisão é muito boa até. Ele vai na legislação do Banco Central para mostrar o que que é a operação de crédito e operação do risco sacado não era.
Dani: De acordo com o site do G1, o governo previa arrecadar 12 bilhões de reais, cerca de 2 bilhões de dólares em 2025 com todas as mudanças no IOF. A tributação do risco sacado representaria cerca de 10% do total estimado.
SOBE música
Grazi: O Imposto sobre Operações Financeiras foi criado na reforma tributária de 1966 como um imposto regulatório quando o Brasil estava em plena ditadura. O economista Cláudio Fernandes explica o contexto da criação do IOF:
Claudio: Trazer o contexto, 1966 é a primeira fase da ditadura militar, que se inicia em 1964 e ainda durante o governo Castelo Branco, sobre a batuta do ministro Otávio de Bulhões,com assessores como Roberto Campos, o avô do ex-presidente do Banco Central, Delfim Neto e outras figuras da economia brasileira. Criaram uma arquitetura desse sistema financeiro e, dentro dessa arquitetura, criaram um pilar regulatório de um imposto sobre operações financeiras para identificar a procedência desses recursos. Na época, era principalmente sobre o ponto de vista da disciplina e do controle, saber que tipos de recursos estrangeiros, por exemplo, estariam chegando no país, ou que tipos de recursos nacionais estavam sendo investidos, ou estariam financiando determinadas atividades que poderiam estar contrárias às direções do regime militar da época.
Dani: O que os economistas do governo militar talvez não calcularam é que o IOF brasileiro antecipou uma onda dentro da história do pensamento econômico.
Claudio: Principalmente tratando do mercado de câmbio, de moedas internacionais, que tinham perdido o lastro completamente dentro do princípio que tinha sido estabelecido pelas instituições de Bretton Woods, nesse caso o FMI, o Banco Mundial, e o acordo sobre tudo estar atrelado ao dólar e que antes o dólar estava atrelado ao ouro. Em 1971, acaba o atrelamento em relação ao dólar, então você tem uma cesta de moedas que começa a se ampliar, além do dólar você passa a ter o yen, a libra sterlina inglesa, o franco suíço que antes também tinha um franco francês, mas que depois se transformou no euro a partir de 1992. Então, James Tobin, em 1973, diz, a partir do momento que você tem todas essas moedas flutuando em relação ao valor delas, em comparação à principal, que é o dólar, mas entre elas também, seria interessante que esse nível de transação de operações intercambiais fossem reguladas por um tributo sobre operações financeiras.
Grazi: O Imposto sobre Operações Financeira é um tipo de taxação sobre transação financeira.
Claudio: E é, no mundo, um dos tributos sobre transações financeiras mais bem desenhados, digamos assim.Tanto do ponto de vista positivo, que é o fato de você ter uma base ampla de aplicação, também como do ponto de vista negativo, que é como realmente a elite consegue se manter fora da incisão. comparado com vários outros. Teve um paper que foi escrito por dois economistas, um era indiano e outro europeu, em que fala sobre a vantagem dos tributos sobre transações financeiras no mundo, mas não cita o Brasil. Então, essa parte do Brasil, por exemplo, inclusive, ela precisa ser mais divulgada.
SOBE música
Dani: O CEPR – Center for Economic and Policy Research, uma think thank com sede em Washigton, fez um estudo em 2018 que mostra que existem pelo menos 25 países com algum tipo de imposto sobre transações financeiras.Florencia Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network.
Flor: Esses impostos variam muito em relação ao desenho, ao objetivo deles e também em seus impactos. E aí, para a gente olhar um pouco como essa variação ocorre, a gente precisa olhar, por exemplo, para a alíquota que é adotada, a base do imposto, então qual tipo de transação financeira esse imposto incide sobre, enfim, existe uma série de elementos que vão impactar tanto em quais são os objetivos que esse imposto pretende cumprir, mas também qual é o seu impacto. Então, se ele é mais progressivo, se ele é menos regressivo, se ele corrige distorções, se ele cria distorções
Grazi: O imposto sobre transações financeiras funciona em países da União Europeia?
Flor: Existem países da União Europeia que têm algum tipo de imposto nesse sentido, mas assim, eles variam muito de país a país. Dentro do contexto da União Europeia, inclusive teve em um momento uma discussão sobre a implementação de um imposto regional sobre transações financeiras, mas dado que para implementar impostos na União Europeia você precisa de unanimidade, foi bloqueado por alguns países, mas é uma discussão que ela aparece sempre em parte justamente porque é um imposto que pode ser um impacto importante em contextos de crise.
Dani: Por que em contextos de crise?
Flor: Muitas vezes ele é evocado em contextos de crise porque precisa de respostas para dinâmicas econômicas distorcidas como a especulação financeira.
Grazi: Além disso, ele pode ter impactos arrecadatórios significativos.
Flor: Então, também em contextos de austeridade ou de pouco espaço fiscal, alguns países ou organizações apelam para a relevância deles.
Dani: E aí usam a taxação sobre transação financeira de maneira estratégica e justa para uma medida de austeridade do lado da receita, para não ter que fazer corte de orçamento para políticas públicas essenciais, como é o caso da saúde, educação, entre outras. Para a Florencia Lorenzo, houve um ganho na compreensão da importância da tributação no país:
Flor: Da forma como estava colocada a discussão no começo do ano, que era ou o governo ia pelo lado do IOF ou ele ia pelo lado do corte. Agora a gente conseguiu entrar para um novo contexto que a gente está discutindo de forma um pouco melhor e mais profunda, eu acho, o sistema tributário como um todo e principalmente a reforma sobre o imposto de renda, que eu acho que é um espaço de avanço mais importante para discutir progressividade tributária. Só que a ideia de que não existe um impacto na progressividade do sistema do orçamento e do sistema fiscal do país como um todo em relação ao IOF, não é verdade, porque justamente a demanda por não aumentar o IOF, ela era acompanhada por uma demanda por cortes, em áreas essenciais, né? Saúde, educação, o piso dos professores.
Música
Grazi: O Imposto sobre Operações Financeiras brasileiro foi criado em 1966. De lá pra cá as operações financeiras foram se tornando cada vez mais complexas e muitos produtos financeiros não estão sendo regulados ou tributados.
Dani: Quando eu perguntei pro economista Claudio Fernandes de que forma isso afeta a economia ele me disse que o melhor era começar explicando o que é um sistema financeiro.
Claudio: E o sistema financeiro é sempre baseado num aspecto ficcional, porque o comportamento no futuro não é completamente determinado no presente.
Grazi: E a financeirização é o domínio do sistema financeiro sobre todos os outros setores econômicos. É o que explica Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de São Paulo.
Lena Lavinas: A Finança ela domina todos os setores da economia e também todos os setores da sociedade por exemplo a população nunca viveu endividada como vive hoje Antes há 20 anos 30 anos atrás, a população de baixa renda, mais pobre, inclusive classe média, não tinha acesso a empréstimos bancários. Quem tinha conta em banco era elite, e quem tinha acesso a crédito imobiliário, etc, também era elite. E a partir dos anos 2000, a gente tem uma mudança estrutural, porque não só a finança se generaliza do ponto de vista de novos regimes de acumulação, eu quero dizer, por exemplo, hoje as rendas derivadas da propriedade de capital, da propriedade, por exemplo, de títulos, de papéis, ela gera mais lucros do que a renda derivada de investimentos produtivos.
Dani: O investimento produtivo se materializa na economia real – ele vira emprego, renda, uma nova escola ou unidade de saúde, um alimento. Beneficia a população.Já o capital especulativo está diretamente ligado às atividades do mercado financeiro, às operações de curto prazo que visam apenas obter lucros rápidos para um indivíduo, ou pequeno grupo de pessoas que em geral já é privilegiado. Hoje as empresas inclusive obtêm recursos para expandir sua produção e crescer dentro do mercado de capitais sem pegar crédito junto aos bancos, como era antigamente. Assim, as empresas operam nos seus próprios setores econômicos mas também no sistema financeiro. É uma financeirização das empresas.
Lena: no Brasil, a rentabilidade, a lucratividade dos bancos, ela hoje é assegurada pelas famílias e não pelas empresas, porque justamente as empresas, elas se financiam para a sua expansão, para o seu crescimento no mercado de capitais, emitindo papéis, títulos, debêntures, que investidores vão comprar e para os quais elas pagarão juros posteriormente, ou então elas abrem capital em bolsa.
Grazi: A Lena explica que hoje, quem mantém o crescimento do sistema financeiro e assegura o lucro dos bancos são as pessoas e as famílias de renda baixa e média. Num mundo no qual a remuneração da classe trabalhadora está relativamente estagnada e as políticas de austeridade, com corte de gastos, afetam justamente políticas de educação, cuidados, saúde e moradia.Isso porque infelizmente estão sendo obrigadas a se endivididar para suprir necessidades básicas como pagar mercado, aluguel, creche, escola, energia.
Dani: Existe uma narrativa na grande mídia, que vem do mercado financeiro, de que o problema do déficit fiscal do Estado está nos gastos sociais elevados com previdência, assistência social, saúde, educação. E por isso, promovem reformas e privatizações, que reduzem acesso e qualidade desses direitos.Entretanto, o déficit vem de uma taxa Selic extremamente elevada, na opinião da professora Lena Lavinas. Mas o que é a taxa Selic, Grazi?
Grazi: A taxa Selic é a taxa básica de juros da economia, que influencia outras taxas de juros do país, como taxas de empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras. Então, para o Estado, que faz dívida para financiar gastos correntes e de investimento, se a Selic está alta, isso significa que o Estado tem que pagar um alto serviço da dívida para os credores dos títulos. É como se ele pagasse um valor três, quatro vezes maior do que o que tomou emprestado, devido a alta taxa de juros. Ao pagar um alto serviço da dívida, o orçamento do Estado fica limitado, e outros gastos, como os sociais, acabam sendo sacrificados.
Lena: E a gente não consegue enxugar a relação dívida-PIB, por causa disso, e, ao mesmo tempo, só se fala em corte social, tem que cortar, cortar, mas a gente já vem cortando na veia. Então, o governo, ele tentou muito corretamente elevar menos do que havia antes como taxa, a tributação, a taxa em cima do IOF, que é o imposto sobre operações financeiras.
Música Creepy Fairy Tale – Paul Yudin
Dani: Junto com a falsa narrativa de que o problema está nos altos gastos sociais, também está a perversa narrativa de que imposto é ruim, de que são altos demais. Mas, eles só são altos mesmo, em proporção à renda, para pessoas de rendas baixa e média. Até o imposto de renda, que deveria ter capacidade de ser mais progressivo, só é progressivo até um ponto e depois cai muito, justamente para os super ricos. Então, as pessoas estão sem renda adequada por seu trabalho e sem políticas públicas adequadamente financiadas que supram suas necessidades e direitos. Com isso o acesso ao crédito, a partir de dívidas, se tornou uma necessidade estrutural das famílias.
Lena: Então, o crédito é importante, isso mostra que as famílias se endividam, e esse processo de financiarização levou que cada vez mais se justificasse, através das políticas de austeridade, que houvesse uma retração, uma redução do que a gente chama os impostos, a taxação, que vem diminuindo no mundo inteiro e que, na verdade, por eu cada vez taxar menos, sobretudo esses ricos, porque hoje quando a gente fala de ricos, a gente fala de bilionários.
Grazi: E por taxar cada vez menos os super ricos, os governos estão ficando sem alternativa de financiamento por meio dos tributos. Por que, dentro dos interesses de quem defende a economia financeirizada, é melhor manter um IOF baixo?
Lena: O capital nunca quer ser taxado, ele quer circular livremente, sem taxação, e justamente são montantes vultuosos, quer dizer, é uma magnitude você poder investir na Bolsa de Nova York, na Bolsa de Londres, ninguém manda R$ 500 para lá, manda volumes muito grandes, manda em dólar, então você podia realmente arrecadar mais. Então, quando o governo tenta justamente elevar o IOF do câmbio para quem está mandando dinheiro para fora, para quem compra moeda em espécie, etc., e sobretudo para remessas no exterior, ele, de alguma forma, está retirando riqueza das mãos desses grandes capitais que circulam livremente, está certo? E isso não foi aceito.
Dani: E quem são os donos desses capitais que não aceitam pagar impostos ?
Lena: representantes do grande capital nacional, que é o agro, que é o setor financeiro, que são as grandes empresas, porque elas também estão financeirizadas.
Grazi: Quando houve resistência ao aumento do IOF, o governo tentou negociar em itens relevantes para esses setores da sociedade, ao propor, por exemplo, criar uma alíquota de 5% no imposto de renda para as chamadas letras de crédito do agronegócio e do imobiliário – LCA e LCI, que são títulos de crédito vendidos pelos bancos.
Lena: É emissão privada, os bancos emitem esses títulos, vendem, e eles atraíam muitos investidores, inclusive setores de classe média, classe média baixa, na medida que não incidia imposto de renda sobre isso. Então, é uma tentativa que o governo está fazendo, vocês não querem que eleve o IOF para 3,5? Tudo bem, voltamos para 0,38, mas a gente vai, então, instituir uma alíquota de 5% em cima desses títulos de crédito que não sofriam nenhuma tributação ou seja, chegam a remunerar em alguns casos 90% do CDI se você pega a taxa selic hoje em 15 eles estariam remunerando algo em torno de 13 por cento ao ano sem que a pessoa tivesse que pagar imposto de renda agora se você comprar uma security do governo, se você investir lá no título do Tesouro e você vai ter que pagar 22,5 de imposto de renda. Então, você tinha um fluxo de receita muito grande indo para dois setores, agricultura e para o setor imobiliário. E quem gere tudo isso é o setor bancário privado, não é o governo. E aí eles também não querem aceitar isso. Ninguém quer pagar imposto em nada.
Dani:Ou seja, mesmo que pessoas de renda média ou baixa invistam nesses títulos, é o agronegócio e os setores imobiliário e bancário que saem lucrando.
Lena: Se não tem receita para o Tesouro funcionar, eu vou ter que cortar gasto. Mas cortar gasto de quem? A gente já tem a saúde desfinanceirizada, a educação desfinanceirizada. Nós sabemos que hoje 75% dos estudantes estão em universidades privadas, eles pagam ou eles tomam crédito do FIES para poder estudar nessas universidades. O sistema de saúde hoje é altamente financiado também, por uma série de plataformas que vão criando serviços novos e que vão competindo com o SUS, que vem se desfinanciando também. A gente tem o saneamento hoje que é essencialmente financiado através de parcerias público-privadas, ou seja, os municípios e os estados emitem títulos que empresas privadas vem e vão operar e nós vamos pagar juros a eles. Então, nós estamos tirando o financiamento dessa sociedade do orçamento.
Grazi:E o orçamento público, na mão do Congresso!
Lena: O Congresso, com as suas emendas secretas, ele levou em alguns anos alguma coisa com 250 bilhões de reais. Então, é uma loucura o que a gente vê nesse país. De um lado, o Congresso se serve de emendas secretas e usa o dinheiro aleatoriamente, sem que se saiba para onde ele foi. De outro existe uma pressão em cima dessa política de austeridade que não pode haver gasto primário, então tem que cortar gasto daqui, dali e daqui lá, e a justificativa é que não tem receita, e não tem receita por quê? Porque a gente não consegue ter um sistema tributário progressivo, justo que realmente tribute os mais ricos.
Dani: Os super ricos que investem milhões nas bolsas de Nova York ou Londres serão ao menos um pouco regulados com o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras.
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Grazi: Apesar da finalidade do Imposto sobre Operações Financeiras ser regulatória, o IOF pode ter um resultado arrecadatório. Cláudio Fernandes:
Claudio: com fins arrecadatórios, porque aumentou bastante, por exemplo, o uso de cartão de crédito internacional. O seguro, todo seguro é uma operação financeira, você está sempre se segurando para o futuro, para um problema que vai acontecer no futuro, possivelmente. E em todo tipo de seguro no Brasil, você paga IOF.
Dani: Mas a base de arrecadação poderia ser bem maior se o mercado de ações, por exemplo, fosse tributado:
Claudio: Quando eu fiz esse cálculo há alguns anos atrás, era em torno de 1 bilhão de reais por mês de arrecadação. Num tributo de 0,05%.
Grazi: Com um bilhão de reais seria possível financiar metade do orçamento para gestão de riscos e desastres, como os alagamentos que ocorreram no Rio Grande do Sul, ou as queimadas no Norte e Centro-Oeste. Só que como a função principal deste Imposto é regular as operações financeiras, o IOF no Brasil é regressivo, ou seja, as alíquotas são as mesmas, independente se você é uma pessoa de alta ou baixa renda que utiliza os serviços de crédito. Então, proporcionalmente, quem ganha menos contribui com mais:
Claudio: ele no Brasil acabou sendo regressivo porque ele principalmente tem uma base de incidência que afeta praticamente todas as pessoas, de uma maneira geral, que tem contratos de seguro, que tem dívida, empréstimo, cartão de crédito.
Dani: Qualquer tipo de operação baseada no futuro e que não seja especulativa paga IOF. Um exemplo: o Brasil vem destinando cada vez menos recursos ao Sistema Único de Saúde, o SUS. Como os serviços ficam sucateados, quem tem condições financeiras acaba contratando os seguros de saúde privados, que pagam IOF…
Claudio: Seria moralmente questionável quando, na verdade, você não paga IOF se você está especulando sobre as ações do Banco Itaú ou da Coca-Cola
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Dani: Até mesmo as casas de apostas virtuais, conhecidas como bets, poderiam ser tributadas com o IOF.
Claudio: Sim, as apostas, que se proliferou de uma forma assustadora pela sua velocidade de adoção no Brasil, elas são operações financeiras, é um cassino. Então, ela volta ao princípio de um capital fictício. Até o momento em que você transforma esse seu capital em liquidez, ou seja, você retira o seu capital das apostas, esse capital é um montante de multiplicação de capital fictício. E todas as vezes que você aposta, baseado na existência ou não de um capital real, mas na utilização desse capital fictício acumulado, constitui também operações financeiras. Então, essas operações deveriam ser tributadas dentro do ponto de vista do IOF e também dentro do ponto de vista do ganho de capital.
Grazi: Juridicamente, seria possível o governo incluir, por exemplo, as operações de bets no Imposto sobre Operações Financeiras? Quem responde é Marcio Calvet Neves, advogado tributarista de empresas
Marcio: O IOF é tratado no artigo 153, inciso 5º da Constituição. E ali diz que o imposto incide sobre operações de crédito, Câmbio, seguro ou relativos a títulos ou valores imobiliários. Então, para você tributar a bet especificamente, a operação da bet teria que estar relacionada a algum desses outros itens e talvez você conseguisse isso sim, por meio de uma operação de câmbio, por exemplo tributar uma remessa das bets para o exterior e criar uma alíquota específica só para as operações de bets. Tem várias considerações aí, se isso atinge o objetivo regulatório extrafiscal do IOF, mas seria uma possibilidade desde que estivesse relacionado a uma operação de crédito câmbio, seguro relativos a títulos, ou valores imobiliários.
Dani: E IOF em compra e vendas de ações?
Marcio: A Constituição permite, porque a ação é um valor mobiliário. A legislação do IOF trata da tributação de valores mobiliários. Seria possível.
Música
Grazi: O IOF pode promover progressividade tributária ou seja, fazer com que quem tem mais contribua com mais? Forencia Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network.
Flor: por ele incidir sobre a transação, ele não tem diferença pela renda, o que significa que, em última instância, ele pode ser mais regressivo, como, por exemplo, o imposto sobre o consumo. Isso não significa que tem alguns elementos do IOF que também possam ter impactos um pouco mais positivos, especialmente se, por exemplo, você isentar o pequeno crédito. Enfim, tem algumas formas de fazer com que ele seja menos regressivo. Mas ele não é desenhado, em última instância, para a redistribuição, apesar de que certas questões do mercado, por exemplo, se a maior parte da compra e venda de títulos está concentrada em setores mais ricos da população, isso pode fazer com que o IOF possa eventualmente ter um impacto um pouco mais progressivo. Mas ele não termina de ser o melhor instrumento para promover redistribuição.
Dani: Para o Márcio, até haveria espaço pra tentar maior progressividade tributária com o Imposto sobre operações financeiras…
Marcio: Só que a gente não pode perder de vista que essa não é a função do IOF. A função do IOF é extrafiscal e ela é regulatória. O IOF seria, talvez, um ganho incremental na progressividade, mas sujeito a muito questionamento, então não seria o caminho mais recomendável.
Grazi: Para fazer com que os ricos contribuam mais, proporcionalmente à sua renda, há outros tributos mais efetivos assegurados pela constituição federal:
Marcio: A Constituição Federal nos deu vários tributos que podem ser melhor utilizados para se conseguir progressividade aqueles tributos são os tributos que incidem sobre renda, patrimônio, então o imposto de renda e os tributos sobre o patrimônio como IPTU como IPVA grandes fortunas, que ainda não foi instituído, e o ITR, que é tão pouco aproveitado para se obter progressividade fiscal.
Dani: IPTU é o imposto predial territorial urbano, o episódio 9 do É da Sua Conta´é sobre ele. IPVA é sobre veículos e o ITR sobre territórios rurais… Podem ser bons temas de novos episódios! Considerando os 5 Rs da tributação – receita, redistribuição, reprecificação, representatividade e reparação: para quais destes objetivos o Imposto sobre operações financeiras é útil?
Grazi: Florencia Lorenzo
Flor: o IOF é um imposto que ele tem esse papel de reprecificar, né, e mudar os incentivos de determinados comportamentos, mas recentemente tem tido um papel importante no contexto da arrecadação também, né?
Música de encerramento
Grazi: Os impostos sobre transação financeira, como o IOF, sofrem grande resistência no Brasil, e no mundo. Apesar de vários países na União Europeia já terem o imposto, como bloco não conseguem aprova-lo. No Brasil, aumentar a alíquota do IOF gera grandes repercussões. A resistência vem do setor financeiro, talvez o setor mais forte da economia globalmente, uma vez que vivemos na era do capitalismo financeirizado. Buscar as melhores práticas dos impostos sobre transação financeira, fazer campanhas para sua adoção, pode ser um instrumento fundamental para fortalecer os sistemas tributários, regular o setor financeiro e fortalecer as democracias globalmente. Também pode ser muito importante para a economia já que o IOF tem o potencial de reduzir investimentos especulativos, de curto prazo, sem retorno para a economia real. Em Nova York, centro financeiro do mundo, a duração de propriedade de uma ação é de 22 segundos, devido às negociações de alta frequência de papéis. É tempo de nomear e falar sobre ele… Imposto sobre operações financeiras, IOF, Taxação sobre transação financeira… é tempo de derrotar a magia perversa da financeirização.
música
Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.
Dani: Lembrando que em www.edasuaconta.com, você encontra a descrição e a transcrição completa, pode ouvir os episódios anteriores, assinar o nosso boletim e ficar sabendo em primeira mão quando um episódio é lançado. www.edasuaconta.com. Se preferir, envie um email para [email protected], com seu nome e número de telefone que a gente te cadastra em nossa lista de distribuição pelo whatsapp. Também estamos no facebook e no BlueSky. Um abraço a você que nos ouviu até a última palavra e até o próximo!