#58 Mudanças tributárias nas nossas mãos
#57 Monopólio = fábrica de desigualdades
#59 Primeiro justiça fiscal, depois flores!
Convidadxs

O fim do sigilo sobre privilégios fiscais de grandes corporações no México, a revogação de um imposto injusto sobre os combustíveis na França, uma administração tributária mais transparente na Guatemala. Em comum está o fato destas medidas ocorrerem após ações bem sucedidas de pessoas, movimentos populares e organizações da sociedade civil.

Estas e outras histórias de justiça fiscal nas mãos das pessoas então no livro Taxing Journey, How Civic Actors Influence Tax Policy (Jornada Tributária, como atores da sociedade civil influenciam a política tributária), organizado por Paolo de Renzio. No episódio #58 do É da Sua Conta, Paolo comenta os cinco elementos observados por ele nestas ações e que foram estratégicos para atingir o sucesso.

Ouça também:

  • Ivan Beneumea, da organização mexicana Fundar, detalha a campanha “Fim dos Privilégios Fiscais”, que conseguiu mais transparência em relação a anistias fiscais através do judiciário.
  • Florência Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Nework, é a nova colunista do É Da Sua Conta e explica como os  índices elaborados pela TJN contribuem na luta internacional por justiça fiscal.

  “Hoje temos mais argumentos, mais evidências e apostamos que o sistema tributário do México possa ser radicalmente modificado para que se torne mais transparente e também garanta que a extrema concentração de riqueza e rendimento diminua.”
~ Ivan Benumea, Fundar

“Uma mudança de governo, um escândalo de corrupção, uma crise econômica: são exemplos de momentos em que se abrem oportunidade de reforma tributária. A chave do sucesso é a sociedade civil estar pronta para aproveitar essa abertura.”
~ Paolo de Renzio, organizador do livro Taxing Journey, How Civic Actors Influence Tax Policy

“ Acredito que a TJN tem ampliado a compreensão sobre a geografia do abuso tributário, de quem são os principais responsáveis que, em certa medida, são aqueles que, com hipocrisia, dizem que estão tentando resolver esses problemas.”
~ Florencia Lorenzo, Tax Justice Network

Transcrição

Daniela Stefano: Grazi, alguns ouvintes mais recentes do É da Sua Conta têm perguntado quando a gente vai falar da reforma tributária no Brasil.

E eu respondo que a gente já abordou o tema, lá no episódio #5, em 2019, quando os entrevistados explicaram qual reforma tributária o Brasil precisava e segue precisando.

Graziele David

Sim, é um tema que voltou a ser importante, já que a primeira fase da reforma foi aprovada no final de dezembro de 2023,e estava focada no imposto sobre consumo.

Já  agora, em 2024, será o foco na tributação da renda, e há esperanças que pode trazer justiça fiscal e reduzir desigualdades.

Dani
A situação política pra reforma acontecer já está dada, mas será que com a reforma tributária os super ricos e as grandes corporações vão, de fato, passar a contribuir mais? Qual o papel do movimento por justiça fiscal pra fazer com que a tributação seja ferramenta de igualdade social?

Música É da Sua Conta

 

Grazi

Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.

 

Dani

E eu a Dani Stefano.

 

O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.

 

Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.

 

Grazi

Em diversos países ao redor do mundo as pessoas, junto com organizações e movimentos sociais, estão  tendo sucesso em ações por justiça fiscal.

Dani
Hmmmm o povo no Brasil precisa ouvir isso… Estamos prestes a ter uma nova etapa de reforma tributária…

O que faz com que essas ações em outros países sejam bem sucedidas? Elas podem ser replicadas em outras partes do mundo? Quais são os pontos em comum?

Grazi
Pessoas com Ações inspiradoras de sucesso por justiça fiscal é o tema do episódio #58 do É da sua conta.

MÚSICA

Reportagem EuroNews:

Coletes amarelos –  ao oitavo domingo França Manteve-se tingida de amarelo. Mas desta vez, o protesto foi no feminino. Centenas de mulheres saíram à rua para mostrar que a indignação pode ser ruidosa, mas sem violência.

 

As mulheres são determinadas, são fortes, Estamos aqui em peso e não vamos desistir. elas não desistiram e acompanhadas de crianças marcharam por melhores condições de vida em várias cidades francesas, uma ação de protesto,

Precisamos de coisas concretas. Precisamos de poder de compra. Agora, precisamos de baixar os impostos sobre bens de necessidade básica, exigências comuns com diferentes formas de manifestação.

 

Dani

Por diversas semanas entre o fim de 2018 e início de 2019, homens, mulheres e crianças saíram às ruas de diversas cidades na França para protestar contra as medidas tributárias do governo de Emmanuel Macrón, que aumentaria o custo de vida através de mais impostos sobre o consumo.

O movimento, que ficou conhecido como “coletes amarelos” levou para as ruas até  pessoas que nunca antes haviam protestado.

E exigiram a revogação do aumento de um imposto regressivo e injusto sobre os combustíveis e que atingia os mais pobres, a volta do imposto sobre patrimônio e a organização de referendos, para que a população fosse informada sobre as escolhas políticas.

O imposto injusto sobre os combustíveis foi revogado e as consultas populares aconteceram após as manifestações.

Grazi

O sucesso do movimento dos coletes amarelos é uma das sete  histórias de justiça fiscal que são contadas no livro “Taxing Journey, How Civic Actors Influence Tax Policy”, que traduzindo livremente para o português, seria: Jornada Tributária, como atores da sociedade civil influenciam a política tributária.

Dani

Da América Latina, o livro traz dois bons exemplos, um que ocorreu na Guatemala, com uma campanha  que conseguiu que fosse feita uma reforma na administração tributária, para que se tornasse mais transparente.

E a outra iniciativa bem sucedida ocorreu no México, que conseguiu mais transparência em relação a anistias fiscais, bem como das isenções de impostos.

Além disso, medidas que aumentaram a transparência foram implementadas e seguem em vigor. Como isso foi possível?

Grazi
Quem responde é Ivan Benumea, coordenador de justiça fiscal na organização mexicana Fundar.
Foi ele quem coordenou a pesquisa sobre privilégios fiscais que levou à ação de sucesso  no país.

Ivan Benumea 

O que fizemos na Fundar, uma organização tributária mexicana que promove a justiça fiscal, foi iniciar um contencioso estratégico, ou seja, ir ao tribunal para exigir que as informações sobre os contribuintes que tiveram impostos perdoados nos seis anos anteriores fossem divulgados, o que nos levou quase cinco anos.

Dani

Cinco anos para chegar aos tribunais. Isso significa um longo caminho de pesquisa, preparação de materiais e argumentos.

Ivan

Tivemos que nos valer de diferentes estratégias para conseguir, em um primeiro momento, fazer com que o Serviço de Admnistração Tributária no México, SAT, fosse obrigado a abrir as informações. E então, como o SAT, que é o órgão responsável pela arrecadação de impostos perdeu o caso, ficou sem argumentos jurídicos, o que aconteceu foi que as grandes corporações e os bancos mais poderosos do México também iniciaram um processo para impedir que suas informações fossem reveladas. Por isso que o processo durou muito tempo.

PROMO campanha privilegios fiscais

Ivan

Toda a nossa campanha ganhou o nome de privilégios fiscais, e acho que essa ideia gerou muita indignação e continua indignando. Construímos diferentes mensagens dirigidas à mídia, às organizações da sociedade civil, ao setor acadêmico.

Deixamos muito nítido que o que aconteceu foi injusto e que os privilégios fiscais deveriam desaparecer. A partir daí exploramos muitas formas de comunicar a injustiça por trás das anistias fiscais.

Grazi

O que as grandes corporações e os super ricos tentavam esconder?

Ivan

E no fundo o que queriam esconder era uma série de injustiças fiscais que foram referendadas pelos poderes Executivo e Legislativo na esfera federal, que consistiu basicamente em conceder perdão fiscal aos grandes contribuintes num quadro de total discrição.

Dani

De 2006 a 2018, nos governos de Enrique Peña Neto e de Felipe Calderón, foram realizadas anistias fiscais massivas.

Ivan

Dos 14 bilhões de dólares que foram perdoados, quem mais se beneficiou com essas anistias foi um grupo muito pequeno de contribuintes. Estamos falando de cerca de 200 empresas, o que representou 95% do valor que foi perdoado pelas administrações anteriores.

Grazi

A maioria dos perdões de dívidas beneficiaram grandes empresas e o setor financeiro do México. Ou seja: enquanto pequenas e médias empresas seguiam contribuindo com impostos, as grandes corporações tornavam ainda mais desigual e injusto o ambiente de negócios.

E estes dados só vieram a público após o trabalho intenso da Fundar, junto com outras organizações, por transparência fiscal.

MÚSICA

Paolo de Renzio

Na França, o famoso caso dos Gilet Jaunes, das jaquetas amarelas, que se revoltaram contra a introdução dos novos impostos na França

Grazi

O pesquisador  Paolo de Renzio é professor da Fundação Getúlio Vargas e é colaborador do International Budget Partnership, que traduzindo livremente seria a Parceria Internacional sobre Orçamento.

Dani

O Paolo de Renzio foi juntando histórias de sucesso do trabalho das pessoas, organizações e movimentos sociais enquanto coordenava a Iniciativa de Equidade Tributária no International Budget Partnership

Ele buscou um fio condutor entre sete histórias de sucesso por justiça fiscal e encontrou em todas  elas cinco elementos em comum.

A importância destes cinco elementos estão explicadinhas no livro organizado por Paolo de Renzio, publicado em inglês e que traduzimos livremente como Jornada Tributária, como atores da sociedade civil influenciam a política tributária.

VINHETA NARRATIVA

Paolo

O primeiro é a narrativa.

Grazi

No caso mexicano a narrativa foi sobre os “privilégios fiscais” a grandes corporações.Com isso, conseguiram mostrar a injustiça e desigualdade que as anistias fiscais provocavam.

Paolo

A gente identifica três narrativas principais que estes grupos usam pra apresentar o caso, né, por que é importante uma reforma tributária que tome em conta justiça e equidade. E tem, né, uma primeira narrativa que tem a ver exatamente com conceitos de justiça, e de equidade, e como é que esses grupos tentam vender essa ideia. Depois tem uma narrativa que liga a reformas tributárias com temas ligados à corrupção, por exemplo, a evasão fiscal e os problemas que vêm de tudo isso, e a ligação entre aumento da arrecadação fiscal e prestação de serviços básicos, né, então tentando fazer essa ligação direta entre a necessidade de cobrar imposto e a capacidade do Estado de fornecer serviços. E uma terceira narrativa que tem mais a ver com transparência mesmo, com… Consolidação do pacto, do contrato fiscal, vamos dizer, então entender como a transparência, de fato, ajuda a tornar um sistema tributário mais justo, mais representativo, mais eficaz também.

VINHETA “portas de entrada”

Dani

O  segundo elemento para uma estratégia de sucesso são as portas de entrada. No caso mexicano, por exemplo,a entrada foi pelo judiciário.Mas a incidência e a campanha por justiça fiscal podem ter outros mecanismos como porta de entrada.

Paolo

Esses grupos, alguns de uma maneira mais organizada e estruturada, outros simplesmente numa sequência de tentativas e erros, eles vão tentando usar diferentes pontos de entrada, né, para influenciar a política pública sobre reformas tributárias. Então, trabalhando diretamente com o Executivo, trabalhando através dos parlamentos e dos congressos, trabalhando através de partidos políticos. Então, eles vão meio que tentando vários canais de influência e o que a gente vê é que as campanhas mais diversificadas são as campanhas que conseguem ter mais impacto, mais sucesso.

VINHETA “Coalizões”

Grazi

Mas é preciso também se unir, formar coalizões com outras organizações que atuam por direitos para poder atingir o maior número de pessoa possível: este é o terceiro elemento.

Paolo

E tem casos bem interessantes de grupos que conseguem, de fato, trabalhar o  que a gente chama de Insider-Outsider Strategy, estratégia por dentro e por fora, né, de ao mesmo tempo conseguir criar alianças com elementos, vamos dizer, reformadores dentro do governo, mas ao mesmo tempo botar pressão no governo por fora através de criação de alianças mais amplas dentro da sociedade civil. Por exemplo, think tanks que se aliam com movimentos sociais, com outros tipos de associações, em alguns casos associações também do setor privado, né, que em toda reforma tributária há quem ganha e quem perde. E às vezes quem perde pode não ser um aliado, vamos dizer, óbvio, mas se você consegue, dentro da sua estratégia, identificar aliados potenciais além daqueles que são mais comuns e talvez mais até confortáveis, né, para grupos da sociedade civil, isso é um elemento interessante que pode contribuir também para o impacto.

Ivan

Tivemos que nos aproximar de muitas organizações, pessoas diversas, do setor acadêmico, fizemos alianças com a mídia. Foi um processo muito longo. Estou falando de uma estratégia que durou cinco anos. E a cada ano tivemos que inovar e buscar alternativas para que essa luta não fosse esquecida.

Dani

Ivan Benumea, coordenador de justiça fiscal na organização mexicana Fundar.

Grazi

Após cinco anos acumulando conhecimentos específicos sobre a importância da transparência fiscal, o que mudou na maneira como a Fundar vê a tributação?

Ivan

Na Fundar começamos a nos interessar muito mais pelas injustiças do sistema tributário. Digamos que também nos especializamos em contencioso tributário com ênfase no acesso à informação.

Dani

Com essas capacidades ampliadas, como está o trabalho de vocês?

Ivan

Hoje acredito que graças ao apoio de muitas pessoas que há muito tempo lutam por um sistema tributário mais justo global ou nacionalmente, temos mais argumentos, mais evidências, e apostamos que o sistema tributário do nosso país seja radicalmente modificado para que se torne mais transparente e também garanta que a extrema concentração de riqueza e rendimento diminua progressivamente.

VINHETA “Capacidades”

Grazi

Capacidade de lutar e construir parcerias, de ter evidências que mostrem como o sistema funciona e de construir argumentos sobre a importância de atuar por justiça fiscal:

Isso tem tudo a ver com o quarto elemento, que é o de “capacidades”, sistematizado por Paolo de Renzio no livro que já mencionamos.

Paolo

Mas a gente  vê que são três tipos de capacidade. Tem, sim, a capacidade técnica importante, mas tem a capacidade política, né, a capacidade de articulação, a capacidade de influência, a capacidade de criar aliados,criar, coalizões, como a gente já falou, e tem uma capacidade de comunicação, que se liga mais ao tema da narrativa, né, da capacidade de vender uma ideia.

Dani

Para vender uma ideia é  preciso saber comunicar a narrativa:

Paolo

E essa questão das narrativas joga muito com as estratégias que esses grupos adotam trabalhando com a mídia, né, porque você tem que formular uma mensagem e conseguir comunicar essa mensagem à sociedade através de vários meios e desenvolver uma capacidade mesmo de contar uma história que possa convencer a opinião pública.

VINHETA oportunidade política

 

Grazi

E… o último elemento estratégico encontrado por Paolo em todos os casos de sucesso na luta por justiça tributária é a oportunidade política.

Paolo

É isso: é uma mudança de governo, é um escândalo de corrupção, é uma crise econômica. São vários momentos em que, de repente, se abrem, vamos dizer, janelas de oportunidade de reforma, e que a chave nesses casos é a sociedade civil está pronta para aproveitar essa oportunidade, essa abertura. E, às vezes, isso quer dizer que você vai ficar… 5, 10 anos tentando, tentando, sem conseguir fazer nada, mas, ao mesmo tempo, construindo.

Dani

Faz sentido, como por exemplo os casos do Panama Papers, Paradise Papers, que abriram oportunidades para incidência… e no México, qual foi a oportunidade política?

Ivan

Para não prolongar a história, no México há um órgão constitucional autônomo para acessar a informação. E as resoluções ou sentenças emitidas por este órgão devem ser cumpridas pelo governo, pelo poder legislativo e pelos demais atores. Esse orgão foi inaugurado, digamos, em 2015, que foi o ano em que iniciamos o contencioso.

E como o órgão constitucional de acesso à informação concordou conosco, isso nos permitiu depois ter mais argumentos jurídicos para que o SAT não ganhasse o caso e posteriormente as empresas e corporações perdessem o caso.

Foi um momento que nos fez perceber que o acesso à informação é muito importante para avançarmos na agenda da justiça fiscal.

E depois também uma oportunidade política foi a mudança de governo. Andrés Manuel López Obrador chegou ao poder com uma narrativa muito forte em torno da revisão do perdão fiscal e dos privilégios fiscais.

Grazi

E como está a situação hoje, depois do trabalho intenso e da vitória de vocês por justiça fiscal?

Ivan

Hoje já temos novas regras, inclusive na constituição, que impedem o perdão de impostos, pelo menos na esfera federal. Nos governos locais esse problema ainda continua mas acreditamos que esse caso foi muito importante para avançarmos.

Grazi

Impressionante. Vocês são super justiceiros fiscais!

VINHETA  vai justiça fiscal!

Dani

A despedida do jornalista Nick Shaxson como colunista do É da Sua Conta foi no episódio #57. E neste episódio #58 te apresentamos a nossa nova colunista, embora se você é ouvinte frequente, já conhece a voz dela: Florência Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network. Florência, Você nasceu na Argentina, veio pequenininha pro Brasil… como a justiça fiscal entrou na sua vida?

Florencia Lorenzo

Como você mencionou, eu nasci na Argentina eh com três anos eu vim com a minha família pro Brasil, né? Meu pai é biólogo e ele começou a trabalhar na Fiocruz e a gente veio a família toda pra cá. eu cresci em BH em Belo Horizonte. Qquando eu era adolescente, catorze anos, como meu pai é biólogo, ele foi fazer o pós doutorado na Suécia. E acho que essa experiência de ter um contraste com um país tão igualitário como a Suécia me deu uma noção muito maior do tanto que o o Brasil é um país profundamente desigual, né?

E aí isso foi um dos motivos pelos quais eu acabei decidindo fazer ciências sociais, né? Querendo entender e também atuar em algum desses problemas que eu enxergava na nossa sociedade e a decisão de acabar estudando justiça fiscal de uma forma geral e paraísos fiscais em particular, foi, em grande medida, influenciada por uma aula que eu tive com o professor doDepartamento de Ciência Política, que naquele momento foi num contexto de uma disciplina optativa, mas que acabou virando o meu orientador na monografia e no mestrado, que é o professor Bruno Reis, do Departamento de Ciência Política da UFMG, que ele deu uma optativa que chamava democracia, representação e corrupção. E dentre as várias recomendações de leitura que ele deu, uma que me marcou muito e que assim foi um ponto chave que virou assim pra mim foi o livro do NickShaxson, que era o colunista aqui do podcast antes, que é o Treasure Islands, ilhas do Tesouro, que é um livro muito legal que conta a história de formação dos primeiros paraísos fiscais.É um livro assim que foi um uma virada chave na minha vida que me levou a fazer uma monografia relacionada a esse tema e depois, também no mestrado, eh estudar algumas dinâmicas relacionadas à tributação, relações internacionais e representação de forma geral.

Grazi

E, olha que curioso! Agora você está no É da Sua Conta, assumindo o posto de colunista, que antes foi ocupado pelo jornalista Nick Shaxson, que muito te influenciou.

Você é pesquisadora da Tax Justice Network desde 2021. Conta um pouco mais sobre o seu trabalho e no que vai estar se ocupando neste ano de  2024.

Florencia

Eu trabalho com várias coisas dentro da TJN, mas hoje em dia uma das principais é a produção dos índices, né, que são duas ferramentas chaves que a organização publica todos os anos: um é o índice de sigilo  financeiro e o outro, que é o índice de paraísos fiscais corporativos. Nesse ano,  a gente tá no processo de reformular os índices, repensar o formato deles e vamos retomar um pouco também esse processo de publicação.

E pra além da minha pesquisa, esse é um ano que vai ser muito intenso pra quem mora no Brasil e mexe com alguma dessas dinâmicas porque esse ano o Brasil assume a presidência do G 20. E além disso a gente tá num contexto de continuação das discussões que a gente teve ano passado sobre convenção tributária no âmbito das Nações Unidas. Então, do ponto de vista político, tem um monte de coisa acontecendo e a gente tá tentando acompanhar e tentar participar de forma positiva em algum desses marcos que vão acontecer durante esse ano e que que eu acho que tem eh a chance de ser muito importantes pra forma como a gente pensa a justiça tributária no mundo, como a gente organiza as relações tributárias, internacionais, eh enfim, é um pouco isso, no qual eu vou tá atenta esse ano.

Dani

Qual o papel da TJN no movimento por justiça fiscal internacional?

Florencia

Então um ponto importante é que eu acredito que a TJN tem feito muito, é  em mudar um pouco a compreensão do que que é a geografia desse abuso tributário, de quem são os principais responsáveis e também jogar um pouco de luz sobre uma certa hipocrisia daqueles que dizem que tão tentando resolver esses problemas, né?

Grazi

Você pode dar um exemplo de ação da TJN que trouxe resultados significativos na tributação internacional?

Florencia

Os índices  são uma ferramenta analítica. Técnica, né? A gente olha pra pra as leis dos países pra quais países, por exemplo, permitem ou não o abuso fiscal, mas pra além disso, a gente também olha pro impacto real. Se a gente pega uma lista de diferentes fiscais, por exemplo, da da, OCDE, onde só tem países como o Trinidad e Tobago, a gente vai ver que nos nossos índices de sigilo financeiro ou no índice de paraíses corpo fiscais corporativos, a maior parte dos países que estão no topo do nosso ranking são países muito eh enfim, muito poderosos os países com muito de economia fortes.

Então a gente tá pensando. Por exemplo, nos Estados Unidos, a gente tá pensando na Suíça. São países que historicamente acabam conseguindo escapar das diferentes fiscais e o que que acontece quando a gente, né? Trabalha em cima dessa mudança de narrativa e isso nos leva a precisar repensar também algumas estratégias políticas, né? Porque a gente percebe que alguma das entradas históricas pra discutir política tributária que a gente teve. Por exemplo, a ênfase na OCDE que historicamente foi um dos principais FS, no quais se discutiu política tributária internacional. Isso essa nova narrativa. Ela também impacta na nossa capacidade de acreditar que esses fóruns, que são dominados por alguns dos principais países dos nossos rankings, vão conseguir dar respostas significativas pro problema do abuso fiscal internacional.

Dani

E ao pesquisar e entender que a OCDE elabora as regras de tributação internacional que beneficiam apenas ao próprio clube de países ricos, a Tax Justice Network junto com várias outras organizacões defendeu por mais de uma década que o fórum ideal pra se tratar de questões tributárias deve ser a ONU, por permitir a participação mais democrática de todos os países.

E essa grande vitória aconteceu no fim de 2023! Em meados de fevereiro de 2024, foi montado o grupo de trabalho para a convenção tributária na ONU. Inclusive, o Brasil foi eleito como membro desse grupo, que agora elaborará seu plano de trabalho.

A partir de agora, a Florência estará no É da Sua Conta pra colaborar com análises que vão facilitar a compreensão da importância da justiça fiscal.

BG Conclusão

Grazi

Recapitulando os cinco elementos para que uma ação de justiça fiscal possa ser bem sucedida:

  • Construir boas narrativas e encontrar a melhor maneira de comunicar:
  • Diversificar as portas de entrada para a incidências; partidos políticos, parlamentares, judiciário são alguns exemplos.
  • Atuar em parcerias, construir coalizões, juntar o maior número de pessoas, organizações e movimentos em torno de uma ideia;
  • Fortalecer capacidades técnicas, políticas e de relações com outras organizações e redes
  • E ter “antenas” atentas às oportunidades políticas.

O Brasil está no meio de um processo de reforma tributária. Os elementos para que uma campanha organizada por justiceiros fiscais seja bem sucedida estão aqui.

Muitos desses pontos já estão sendo colocados em prática, alguns ainda precisam ser fortalecidos…

Que as ações do México, da França e de outros lugares do mundo possam nos dar a esperança de que vale a pena lutar por justiça fiscal e ter vitórias.

Espaço do ouvinte
Dani

E por falar em reforma tributária no Brasil, e frente aos pedidos de ouvintes, sim, vamos fazer um episódio sobre essa nova etapa da reforma do imposto de renda.  Se quiser, compartilhe com a gente também suas dúvidas ou sugestões de assuntos para serem abordados. Você nos encontra no X @e_dasuaconta, no Facebook ou pode nos escrever em [email protected].

Grazi

O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David.

Um abraço e até o próximo.

Dani

Te desejo uma ótima continuação do seu dia, tarde ou noite… E até o próximo…


Outras Fontes

1

Livro A Taxing Journey , How Civic Actors Influence Tax Policy . Download gratuito.

2

Materiais da Campanha “Privilegios Fiscales” da Fundar.

3

#16 Sem democracia não há justiça fiscal
Mais episódios
dez. 19
2024
É Da Sua Conta
#68 OCDE falhou: abuso fiscal global escala para meio trilhão
Há uma década, as economias mais poderosas do mundo reunidas no G20 haviam dado uma missão à OCDE: elaborar instrumentos para tributar corporações que operam em vários países e pagam menos imposto do que deveriam. Entretanto, estes  mecanismos foram insuficientes para conter o abuso fiscal. O mundo deixa de arrecadar estimados 492 bilhões de dólares por ano, quase meio trilhão, de acordo com o Estado Atual da Justiça Fiscal 2024, relatório da Tax Justice Network. Este é o tema do episódio #68 do É da Sua Conta. 
Ver informações do episódio
nov. 29
2024
É Da Sua Conta
#67 Futuros roubados pela injustiça fiscal
O mundo tem dinheiro suficiente para financiar a educação e outras políticas públicas para toda população do planeta. Para isso, os países precisam aumentar seus orçamentos nacionais. Dois trilhões de dólares globalmente por ano podem vir de duas medidas: combater o abuso fiscal e taxar a riqueza dos super ricos.
Ver informações do episódio
out. 31
2024
É Da Sua Conta
#66 Facilitar abuso fiscal é neocolonização do Reino Unido
O episodio #66 do É da sua conta traz detalhes sobre o ranking dos países que mais facilitam abusos fiscais de grandes corporações. O Brasil, que estava em 64º em 2021 subiu para o 56º lugar em 2024. O que fez com que o país piorasse?
Ver informações do episódio
set. 26
2024
É Da Sua Conta
#65 Comida saudável barata, ultraprocessada com imposto
O papel da tributação para diminuir o consumo de ultraprocessados e aumentar a oferta de alimentos saudáveis é o tema do episódio #65 do É da Sua Conta.
Ver informações do episódio
ago. 29
2024
É Da Sua Conta
#64 Direitos humanos podem tornar a tributação mais justa
Os Direitos Humanos se tornaram uma das bases para que a tributação internacional seja mais justa. Isso porque eles estão presentes no termo de referência aprovado em agosto de 2024 e  que vai guiar a construção da Convenção Tributária Internacional das Nações Unidas. Mas até ser incluído no texto, esse foi um dos pontos que gerou mais debates entre os países membros da ONU que participaram do processo. Saiba como foi esse debate e a importância da inclusão de direitos humanos nesse documento.
Ver informações do episódio
jul. 25
2024
É Da Sua Conta
#63 Poluidores devem pagar pela crise climática
Um dos setores que mais polui no mundo é o de transporte marítimo. Em 2022, 858 milhões de toneladas de gás carbono foram emitidas por embarcações no mundo todo. Deste total, 63% vêem dos navios gigantes dos países que fazem parte da OCDE. Além dos danos ambientais, essas corporações internacionais são também as que menos pagam impostos. Com justiça tributária também se combate a crise climática. Esse é o tema episódo #63 do É da Sua Conta
Ver informações do episódio