#52 Convenção na ONU pode conter $480 bi de abusos fiscais
#51 Investimentos justos, economias melhores
#53 Contaminou mais? Paga mais!
Convidadxs

O mundo segue perdendo pelo menos 480 bilhões de dólares para os abusos fiscais, de acordo com relatório “Estado da Justiça Fiscal 2023”. Uma convenção tributária nas Nações Unidas é uma das maneiras recomendadas pela Tax Justice Network e outras justiceiras fiscais para que o mundo pare de perder recursos para paraísos fiscais.

América Latina, Caribe e África conseguirão que a ONU seja um espaço realmente inclusivo e democrático para reformar a tributação e o sistema financeiro internacional? O episódio #52 do É da sua conta traz os resultados da Cúpula Latinoamericana e Caribenha, que aconteceu em junho de 2023, e explica o papel do bloco africano para levar a questão tributária às Nações Unidas.

  • “O Estado da Justiça Fiscal 2023”: Florencia Lorenzo traz os valores perdidos por Brasil, Angola, Moçambique e América Latina  ao abuso fiscal e as recomendações da Tax Justice Network para por um fim a estes abusos;
  • Governos brasileiro e chileno avaliam a importância da Cúpula por uma tributação global e da Plataforma Tributária Latinoamericana e Caribenha para reformas tributárias dentro de seus países;
  • Jefferson Nascimento (Oxfam Brasil) faz uma análise de como a sociedade civil participou e entende a contribuição da Plataforma LAC para o fortalecimento da justiça fiscal na região;
  • A maior parte dos países do Caribe não são paraísos fiscais, desmistifica Gabriel Casnati (Internacional Serviços Públicos);
  • União África-América Latina e Caribe pode ajudar a combater lobby da OCDE e de empresas multinacionais em favor de uma Convenção Tributária Internacional, acredita Idriss Linge (Tax Justice Network).

“Componentes centrais estruturais do sistema que rege a tributação internacional tem falhado uma e outra vez e por isso essa edição do Estado da Justiça Fiscal 2023  tem essa chamada muito importante para produzir reformas substanciais nas regras e instituições que governam o sistema tributário internacional.
~ Florencia Lorenzo, Tax Justice Network

“Nossos governos estão comprometidos domesticamente com as reformas tributárias necessárias para a redução das desigualdades, mas também estão ativamente atuando internacionalmente no debate de redução da evasão fiscal, do combate aos paraísos fiscais, de um sistema tributário internacional que seja capaz de realmente promover o desenvolvimento sustentável, social e ambientalmente.”
Guilherme Mello, Secretaria de Política Econômica do Ministério brasileiro da Fazenda

“O relatório da Tax Justice Network  focou na democratização do debate tributário, principalmente na  ampliação do debate dos espaços multilaterais e de alguma maneira a Plataforma representa parte desse objetivo; a gente tem que continuar dando os passos nesse processo, ainda em construção”
Jefferson Nascimento, Oxfam Brasill

“Trabalhadores caribenhos não se beneficiam desses paraísos fiscais e instam para que países latinoamericanos não se baseiem nas listas feitas pela Europa e abram caminhos para mais cooperação e negócios com os países do Caribe. ”
Gabriel Casnati, Internacional dos Serviços Públicos

“Se o dinheiro (recuperado dos abusos fiscais) estiver lá,  governos terão de utilizá-lo para melhorar o acesso à escola, à energia, à escola para as meninas, à saúde, casas a preços acessíveis; resumindo o acesso aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.”
Idriss Linge, Tax Justice Network

É da sua conta é o podcast mensal em português da Tax Justice Network. Coordenação: Naomi Fowler. Dublagens: Edson Pinheiro Pimentel e Zema Ribeiro. Produção e apresentação: Daniela Stefano e Grazielle David. Download gratuito. Reprodução livre para rádios.

Transcrição

Abertura + Sobe BG

Grazielle David: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.

Daniela Stefano: E eu a Daniela Stefano.

O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.

Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.

SOBE BG

Grazi: O mundo segue perdendo pelo menos 480 bilhões de dólares para os abusos fiscais. Uma convenção tributária nas Nações Unidas é uma das maneiras recomendadas pela Tax Justice Network e outras justiceiras fiscais para que o mundo pare de perder recursos para paraísos fiscais.

América Latina, Caribe e África conseguirão que a ONU seja um espaço realmente inclusivo e democrático para reformar a tributação e o sistema financeiro internacional ?

O episódio #52 do É da sua conta é sobre isso.

BG

Victor Dimitrov: A notícia que foi veiculada sobre a cresol deu um animo muito grande pra nós, da consumo consciente ABC, um empreendimento de economia solidária que distribui alimentos orgânicos, agroecológicos, da agricultura urbana e periurbana

Dani: Esse é o nosso ouvinte Victor Dimitrov, agricultor e coordenador da Rede Consumo Consciente ABC, região metropolitana de São Paulo, Ele está se referindo ao episódio #51 do É da Sua Conta, investimentos justos, economias melhores.

Victor: Esse tipo de notícia que é veiculada pelo podcast que vocês produzem é muito importante para nós que somos empreendedores e ainda mais, nós somos empreendedores da economia solidária. A apesar de ser economia solidária a gente ainda está dentro de uma sociedade que pressupõe você ter um recurso de investimento; e essa notícia do banco, da cresol ela impacta muito as nosas decisões e a mídia em geral é carente de transmitir informações que impactam empreendimentos da economia solidária, sustentáveis.

Dani: Victor, agradecida pelo seu comentário e no que depender do É da Sua Conta, seguiremos trazendo notícias que impactam sempre na vida de todas as pessoas, mesmo que pareça bem distante.

Como é o caso das decisões que acontecem em cúpulas como a Latinoamericana e Caribenha para a tributação que ocorreu em julho de 2023 e contou com a participação de diversas pessoas que estão na luta por justiça fiscal, entre elas, a minha colega de podcast!

Grazi conta um pouquinho desta sua viagem a Cartagena, na Colômbia

Grazi: Dani, durante a Cúpula foram organizados também espaços paralelos de participação da sociedade civil. Então, estava participando deles. Além de participar da Cúpula de ministerios nos espaços de imprensa representando o podcast É da sua conta.

Dani: Sim, pro É da Sua Conta, você participou da coletiva de imprensa na qual o secretário de política econômica, Guilherme Mello representou o governo brasileiro.

Grazi: Exatamente, foi praticamente uma exclusiva, porque apesar da coletiva ter sido toda em espanhol, na hora de responder a pergunta do É da sua conta, ele falou em português com a gente.

Eu perguntei pra ele sobre como o processo da Cúpula e da plataforma LAC tributária podem impactar na reforma tributária que está ocorrendo no Brasil:

Guilherme Mello: Todos os nossos governos estão comprometidos domesticamente com as reformas tributárias necessárias para a redução das desigualdades, mas também estão ativamente atuando internacionalmente no debate de redução da evasão fiscal, do combate aos paraísos fiscais, encontrar uma solução para isso, de um sistema tributário internacional que seja capaz de realmente promover o desenvolvimento sustentável, tanto socialmente quanto ambientalmente. Então, acredito que esse aqui é um primeiro passo. Nós estamos montando aqui uma plataforma de trabalho e essa plataforma de trabalho ela vai gerar os insumos necessários para um posicionamento conjunto da região, um fortalecimento da região. O presidente Lula sempre tem trazido a temática do necessário fortalecimento da região latinoamericana, para que nós tenhamos uma voz mais ativa, mais presente no debate internacional.

Grazi: Aliás, o Brasil e o Chile foram co-anfitriões da cúpula. E fiz a mesma pergunta sobre a influência da cúpula para a reforma tributária no país para o representante do governo do Chile, Nicolas Bohme.

Nicolas Bohme: Precisamos de mais recursos fiscais e, para isso, precisamos que as pessoas com mais recursos possam contribuir um pouco mais e, acho que esse é um dos pilares do pacto fiscal que estamos construindo no país e acho que é um dos pilares que nos chama trabalhar em cooperação com os países da região em busca de construir um sistema tributário internacional mais progressivo no qual as grandes corporações também contribuam um pouco mais, especialmente, nos países onde operam.

BG

Dani: É urgente pensar nessa cooperação entre os paises porque anualmente o mundo perde pelo menos 480 bilhões de dólares com abuso fiscal. Deste valor, 311 bilhões de dólares são de abusos fiscais cometidos por corporações multinacionais e 169 bilhões de dólares por indivíduos super ricos. Estes dados são revelados no relatório “Estado da Justiça Fiscal 2023”, elaborado pela Tax Justice Network. Florencia Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network, comenta os resultados desta edição do estudo.

Florencia: Se a gente olha a trajetória dos três relatórios nos quais de fato a gente teve um segmento dos dados, a gente vê que a situação tem ficado estável no tempo, apesar de uma série de medidas que têm sido implementadas no plano internacional. A gente escuta sempre das reformas no âmbito da OCDE pensando o projeto BEPS 1, mas agora também o projeto BEPS 2 é muito impressionante que os dados têm permanecido estável.

Grazi: BEPS é o projeto conduzido pela OCDE que tem o objetivo de reduzir a perda de recursos que deveriam fazer parte do orçamento dos países, mas que são desviados para paraísos fiscais.

Entrentanto, ainda existem muitas dúvidas se ele realmente será implementado e também muitos questionamentos se a OCDE deve permanecer como o espaço de regulação da tributação internacional, já que nem todos os países estão representados e os esforços não estão diminuindo o abuso fiscal.

Bem, frente às multicrises que todos os países estão vivendo, decorrente da pandemia, da guerra, da inflação… e precisando de recursos… como é possível que o abuso fiscal não esteja sendo reduzido, seguindo estável desde 2020?

Florencia: Em termos gerais as regras que regem a tributação internacional, elas têm vários objetivos como por exemplo evitar a dupla tributação de uma mesma renda mas elas também deveriam buscar evitar que a tributação principalmente de rendas que tem uma natureza transnacionais deixem de ser tributadas, e o que a gente vê é que componentes centrais estruturais desse sistema tem falhado uma e outra vez nessa parte dos seus objetivos e por isso essa edição do relatório tem essa chamada muito importante para produzir reformas substantivas nas regras e instituições que governam o sistema tributário internacional.

Dani: “O Estado da Justiça Fiscal 2023” traz três recomendações para promover justiça fiscal:

Florencia: Propostas e ideias que a gente acredita são fundamentais para mudar essa situação também né como a introdução de um imposto sobre lucros excessivos ou lucros extraordinários né que é chamado nas multinacionais que é realizar ganhos por questões de dinâmica de volatilidade mercado: pandemia isso aconteceu mas ano passado também no contexto da guerra a gente viu a questão dos lucros extraordinários de algumas empresas ligadas ao setor energético e também a introdução de um imposto sobre a riqueza sobre os indivíduos mais ricos para justamente ajudar a possuir mais recursos para financiar os serviços públicos e fazer isso de forma mais justa mais redistributiva.

Grazi: Mas a medida fundamental e mais urgente para conter o abuso fiscal sugerida pela Tax Justice Network em o Estado da Justiça Fiscal é a transferência das decisões de tributação internacional da OCDE para as Nações Unidas, com a adoção de uma Convenção Tributária.

Essa transferência é importante porque a OCDE não é um espaço realmente democrático; ali só os países membros têm direito a voto.

Dani: Para que haja uma convenção tributária na ONU na qual os países sejam de fato escutados e tenham suas demandas atendidas, é melhor que cheguem a esse fórum fortalecidos.

Uma das maneiras para isso é trabalhar em bloco, o que vem sendo construído pelos países do Sul Global.

BG música colombiana

Grazi: Nos dias 27 e 28 de julho de 2023 ocorreu em Cartagena na Colômbia a primeira Cúpula latinoamericana e caribenha por uma tributação global inclusiva, sustentável e equitativa.

Sobre os eventos que antecederam esta cúpula, o episódio 49 do É da Sua Conta mostrou como o pacto fiscal dela advindo pode reduzir as desigualdades.

O Jefferson Nascimento, coordenador de justiça social e econômica da Oxfam Brasil conta sobre como esta cúpula foi articulada:

Jefferson Nascimento: Ela parte um pouco primeiro da convocação do governo da colômbia e depois se juntaram os governos de chile e brasil como co-anfitriões partindo um pouco desse pressuposto dessa ideia de que a região latino americana é uma região muito afetada pela evasão fiscal né pela desigualdade né em relação à justiça do sistema tributário global. E muitos desses países da região se encontram agora discutindo reformas tributárias em plano interno.

Dani: Qual é a oportunidade que se abre para a América Latina e o Caribe com a Cúpula?

Jefferson: Se pretende justamente ser um espaço de diálogo constante né de cooperação entre esses países inclusive para atuação conjunta da região em outros espaços por exemplo é no âmbito da OCDE no âmbito do G20 né de forma que faça com que o espaço latino-americano e caribenho tenha uma voz de peso nesses debates globais. Grazi O recente “estado da justiça fiscal 2023” da TJN, que foi lançado em Cartagena dois dias antes da Cúpula, mostra que pelo menos 24 bilhões de dólares estão sendo perdidos por conta do abuso fiscal na América Latina, dos quais 21 bilhões são por conta das multinacionais.

24 bilhões de dólares representa cerca de 11% do que a região gasta com saúde…

Jefferson, de que forma o relatório repercutiu durante a cúpula?

Jefferson: A TJN focou em uma recomendação principal que é a democratização do debate né, focado principalmente na questão da ampliação do debate dos espaços multilaterais e de alguma maneira a Plataforma ela vai um pouco nesse sentido e de alguma maneira, a plataforma representa uma parte desse objetivo; a gente tem que continuar dando os passos, como a gente mencionou um processo em construção ainda.

Dani: Para que esses espaços sejam realmente representativos e eficientes, é fundamental que eles respeitem os princípios de direitos humanos de transparência e participação social.

Como está essa questão na Plataforma Tributária LAC?

Jefferson: A plataforma prevê um conselho participativo, ter um espaço de diálogo com a sociedade civil de maneira permanente né então esse foi um dos aspectos que foi previsto na criação da plataforma menos especificado do que gostaríamos mas de alguma maneira presente essa importância de a gente ter a sociedade civil participando desse processo e também dentro dos grupos de trabalho que se vão constituir dentro da plataforma para debater os temas de uma forma mais detalhada também.

Grazi: Participaram da cúpula mais de 140 representantes de organizações que lutam pelos direitos das pessoas, de diversos setores sociais, especialistas, acadêmicos, sindicalistas e ativistas; a chamada sociedade civil.

A cúpula foi sediada na Colômbia, mas Brasil e Chile também participaram como co-anfitriões. Jeff, como você avalia a participação do Brasil?

Jefferson: A gente teve um envio do secretário de política econômica e mais uma delegação grande do Brasil, talvez uma das maiores que estavam presentes no evento inclusive com integrantes da Receita Federal para trazer um debate e fazer uma ponte por exemplo com o debate que acontece dentro da OCDE a respeito dessa agenda. é um fato que merece notar porque isso de alguma maneira também indica pelo menos nesse momento qual é o tipo de suporte político que se dá esse processo, os 15 governos que tiveram presentes na cúpula, apenas o governo da Colômbia tinha uma representação ministerial no evento.

Grazi: Quais foram as principais mensagens do Brasil durante a Cúpula?

Jefferson: A orientação dos representantes do governo do estado brasileiro na cúpula foi de apoio ao avanço da agenda da progressividade na região, do aumento do debate sobre tributação verde, da rediscussão a respeito de benefícios tributários. O Brasil ele teve um papel positivo dentro desse processo e a grande questão é como essa posição positiva no âmbito da cúpula, ela vai se refletir de alguma maneira também uma continuidade no apoio político a esse processo e seus reflexos dentro do que ocorre hoje no Brasil, a reforma tributária.

Dani: No caso do Brasil, o relatório Estado da Justiça Fiscal, da Tax Justice Network estima que pelo menos 8 bilhões de dólares por ano são perdidos para o abuso fiscal de multinacionais, o que está perto de 10% do que o país gasta com saúde.

Grazi: Realmente será fundamental que o Brasil siga fortalecendo o processo da Plataforma e suas ações para que ela realmente ganhe relevância e capacidade de incidir na agenda por uma tributação global.

O principal resultado da Cúpula foi a constituição da Plataforma Tributária Latinoamericana e Caribenha. Ficou decidido que a Colômbia a presidirá no primeiro ano e também deve estabelecer um plano de trabalho para a Plataforma em até seis meses.

A secretaria tecnica, que dará todo apoio à plataforma, ficará com a Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

BG música caribenha

Dani: E o Caribe, hein?

BG música caribenha

Grazi: Ilha, coqueiro, praia branca no Caribe… E se estamos falando disso no É da Sua Conta, é sinônimo de…

Gabriel Casnati: Os trabalhadores caribenhos da nossa Internacional se incomodam muito com esse estereótipo de paraíso fiscal da região.

Dani: A maioria das ilhas caribenhas não são paraísos fiscais, como explica o Gabriel Casnati, responsável pela área de justiça fiscal na América Latina da Internacional de Serviços Públicos, entidade que representa servidores e servidoras públicas de mais de 160 países:

Gabriel: Grande parte das ilhas caribenhas que são, de fato, paraísos fiscais são parte principalmente do Reino Unido ou também da Holanda e da França.

Grazi: Países independentes, como Haiti, República Dominicana, Cuba, Jamaica e Barbados não estão no topo do ranking dos estudos da Tax Justice Network.

Entretanto, uma das questões que muito preocupa os países caribenhos é o fato de muitos deles, como o Bahamas, Trinidad e Tobago e Costa Rica, figuram em listas de juridições que não colaboram com os propósitos fiscais, de acordo com a OCDE, o clube dos países ricos e a União Europeia.

Dani: Acontece que estas listas deixam de fora aqueles que, de fato, promovem sigilo financeiro e cobram zero ou bem pouco de impostos e que fazem parte da OCDE e União Europeia, como é o caso do Reino Unido, Estados Unidos e Holanda, por exemplo.

Gabriel: Então, é muito importante levar em conta esse teor neocolonial, esse teor enviesado e esse teor que exclui os principais paraísos fiscais do mundo, fazendo com que o Caribe leve um estigma injusto e com que essas listas sejam completamente inúteis para os seus propósitos.

Grazi: Mas o Bahamas, por exemplo, também consta do ranking elaborado pela Tax Justice Network por oferecer sigilo e impostos baixos para aqueles que buscam esconder suas fortunas…

Ainda que numa escala bem menor do que os Estados Unidos ou Reino Unido. Qual o motivo?

Gabriel: Bahamas é um país de população pequeníssima, que recentemente, em termos históricos, se independizou. Muito influenciado culturalmente, geograficamente pelos Estados Unidos, até por estar muito perto, que até hoje é parte da Commonwealth, então ainda não concluiu o seu processo completo de descolonização.

Dani: O Bahamas só deixou de ser colônia do Reino Unido em 1973.

Commonwealth é a comunidade dos países que faziam parte do império britânico.

Gabriel: O que acontece no caso de Bahamas, também pode ser aplicado no caso das nações não independentes. São países com territórios muito pequenos, muito escassos em recursos naturais, com pouquíssimo espaço de crescimento, com pouquíssima população. Então, de fato, para atrair investimentos, para atrair dólares, para atrair capital externo, uma das poucas estratégias que esses países encontraram foi se colocarem como paraísos fiscais e liberarem os fluxos financeiros ilícitos para essas nações.

Grazi: E de que forma a população acessa políticas públicas como saúde e educação, quando há zero ou baixa tributação?

Gabriel: Sempre existe alguma alíquota, existe algum capital estrangeiro que entre e possa ajudar um pouco nas contas públicas e na própria valorização das moedas locais desses países, na grande maioria dos casos, esse posicionamento das nações se traduz muito pouco numa melhoria dos serviços públicos básicos para as populações.

BG música caribenha

Gabriel: O fato desses países, no caso de Bahamas, se converter num paraíso fiscal recebendo esses fluxos financeiros ilícitos, principalmente advindos dos Estados Unidos e de países do Norte, como a Grã-Bretanha, tem muito a ver com sua história e sua trajetória de ser um país ou direta ou indiretamente controlado por interesses das metrópoles centrais, das economias centrais do capitalismo. Você voltar atrás com essa rede de fluxos financeiros ilícitos, que no caso de Bahamas permite hoje, também é algo muito custoso, muito oneroso, em termos principalmente políticos, até mais do que econômicos, para uma nação tão pequena, tão sem poder de barganha e que não tem praticamente nenhuma outra alternativa como Bahamas.

Grazi: Aqui tem uma oportunidade pra mudar essa história.

Por um lado, países tão pequenos, como o Bahamas e as outras ilhas independentes do Caribe podem se fortalecer e se tornarem independentes de fato dos países ricos se caminharem junto com os países latinoamericanos.

Por outro lado, para que a plataforma latinoamericana e caribenha por justiça fiscal funcione com toda a potencialidade, é preciso incluir os países caribenhos.

Dani: So que as barreiras culturais e de idioma podem ter inibido a participação da maior parte destes países na cúpula. Nenhum país de língua inglesa participou em Cartagena, na Colômbia: somente os governos do Haiti e República Dominicana estavam representados. Por parte de organizações que defendem os direitos das populações estavam presentes: Barbados, Trinidad e Tobago, Jamaica e Belize, além da Guiana e Suriname, que embora sejam países que geograficamente ficam no continente sulamericano, são considerados como Caribe.

Grazi: Os representantes destes caribenhos e caribenhas afirmaram que, de fato, a falta de tradução para o inglês de textos elaborados durante a cúpula é um problema.

Mas a demanda mais importante que apresentaram para os demais países da região latinoamericana se refere a por um fim ao estigma de paraíso fiscal:

Gabriel: Então, países até como o Brasil, muitas vezes, usa a lista da União Europeia como sua lista base e, por isso, acaba discriminando economicamente algumas nações do Caribe. Então, ter uma visão crítica a essas listas, que tem um claro teor político e um claro teor neocolonial, criticando essas listas, clamando para que, de fato, acabe essa estigmatização do Caribe. Coloque-se claramente que os trabalhadores caribenhos não se beneficiam desses paraísos fiscais e colocar que, tanto para essas listas serem válidas, precisa ter critérios técnicos e,para isso, precisaria aparecer antes de qualquer país caribenho, Estados Unidos e Inglaterra. E além disso instando para que nossos países aqui na região não se baseiem nessas listas feitas pela Europa e abram caminhos para mais cooperação e negócios com esses países do Caribe.

Dani: Mais cooperação e mais negócios com os países do Caribe podem colaborar para o fim dos paraísos fiscais; uma maneira de propor alternativas de novos modelos econômicos para esses países.

Grazi: Embora esses países sejam pequenos, podem fazer a diferença em mesas de negociações internacionais.

Gabriel: Eles são parte da nossa região nos fóruns internacionais e, por ser nesses lugares cada país ter um voto e serem vários países, várias nações soberanas, eles também têm um peso muito grande na mesa de negociação e, por isso, até estrategicamente, também não podem ser esquecidos.

Grazi: Durante a Cúpula regional estavam reunidas mais de 140 pessoas, ativistas por justiça fiscal e direitos, de mais de 40 organizações e movimentos da sociedade civil.

Elas elaboraram 10 recomendações para a Cúpula e para a Plataforma, uma delas é justamente a partir das necessidades do Caribe.

“Recomendamos aos Estados que adotem critérios objetivos para a determinação de quais países constituem “paraísos fiscais”. A experiência do Índice de Sigilo Financeiro e do Índice de Paraísos Fiscais Corporativos da Tax Justice Network mostram que essas avaliações podem ser tomadas baseadas em evidências rigorosas em vez de serem tomadas decisões políticas segregadoras e arbitrárias”.

Na descrição do episódio você encontra o link para ler todas as recomendações.

Dani: Importante reforçar que apenas países caribenhos independentes participam dos fóruns latinoamericanos e caribenhos.

Aquelas jurisdições que são dependência da coroa britânica, Holanda ou França ficam de fora destes espaços exatamente por não terem autonomia.

BG música africana

Grazi: Os países africanos estão avançados no quesito trabalhar em bloco para discutir questões tributárias.

Foram justamente os países africanos que pressionaram para colocar nas Nações Unidas a discussão sobre uma Convenção tributária nos moldes da convenção climática.

Dani: O Idris Linge é nosso colega podcaster que produz o Impôts et Justice Sociale, podcast mensal da Tax Justice Network focado nos países africanos de língua francesa.

Idriss, quais foram os motivos para que o bloco africano tenha levado a discussão tributária internacional para as Nações Unidas?

Idriss Linge: Com decisões sendo tomadas na ONU, teremos exatamente esse tipo de responsabilidade com consequências tangíveis como o isolamento diplomático, sanções econômicas e restrições de viagem, por exemplo. Para que haja uma verdadeira norma fiscal global, esta é a primeira razão pela qual temos de recorrer à ONU. Agora, o segundo ponto, que é realmente importante, é a participação equitativa. A convenção proporcionará aos países africanos um meio de participarem em pé de igualdade no debate sobre a política fiscal mundial, o que não acontece com a OCDE. E a terceira decisão fundamental pela qual é importante trazer a discussão fiscal da ONU para o nível das Nações Unidas, é o fato de poder facilitar a criação de políticas fiscais que impulsionem o desenvolvimento, apoiem o serviço público e combatam os fluxos financeiros ilícitos que drenam recursos da África.

Grazi: Os esforços dos países africanos resultaram em uma resolução na ONU e a partir dela, cria-se a possibilidade de se avançar para uma convenção tributária.

E embora as Nações Unidas sejam um espaço mais democrático do que a OCDE, por exemplo, países de alta renda têm melhores possibilidades de participar e influenciar a tomada de decisões, também na ONU.

Dani: E como a plataforma latinoamericana e caribenha pode apoiar o grupo africano para que se estabeleça um fórum tributário internacional de fato inclusivo e democrático?

Idriss: Os países africanos não devem ficar à espera que a plataforma latinoamericana chegue e diga: Ei, nós temos boas ideias. Eles devem começar a fazer advocacy coletivamente. E penso que este tipo de entrevista que estamos fazendo agora, eu a produzir podcasts os países francófonos da África, e mesmo para todo o mundo, e vocês a produzir para os países lusófonos é um tipo de defesa coletiva que podemos continuar a promover e a reforçar, porque só a união das nossas forças vai nos ajudar a combater os poderosos membros da OCDE e as poderosas empresas multinacionais.

Grazi: E o que diz o Estado da Justiça Fiscal a respeito dos países lusófonos do continente africano?

Florencia Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network:

Florencia: No caso de Moçambique, a última edição do estado da justiça fiscal estima que o país perdeu e perde todos os anos 147 milhões de dólares para o abuso fiscal, do qual 124 milhões estão relacionados ao abuso fiscal de multinacionais e 22 estão relacionados ao abuso fiscal perpetuado por indivíduos que mantêm contas offshore, etc. Se a gente olha para o que isso representa em termos do orçamento público, esse valor está em torno de 57% do que o país gasta anualmente com a saúde pública.

Grazi: E Angola, Florencia?

Florencia: No caso de Angola, a última edição do nosso relatório indica que o país perde todos os anos 309 milhões de dólares para o abuso fiscal. A gente pode decompor esses dados entre aqueles abusos que estão relacionados a corporações multinacionais, que no caso de Angola representam 126 milhões de dólares por ano e do abuso fiscal perpetuado por indivíduos muito ricos que mantém contas offshore, que no caso das nossas estimativas está em torno de 183 milhões por ano. Então, no caso deste país a gente vê que o abuso fiscal por indivíduos ricos representa uma parcela muito importante do que o país está perdendo. E aí, se a gente compara o que o país perde com os gastos em saúde anuais, esses estão em torno de 37% do orçamento que o país tem para gastar com saúde.

Dani: Considerando o montante mínimo possível de ser rastreado que o abuso fiscal tira de recursos apenas de Moçambique e Angola… como você avalia que essa cooperação pode melhorar as condições de vida das populações no mundo todo?

Idriss: Acredito que se conseguirmos aumentar os recursos globais, que estão sendo tomados pela evasão e fraudes fiscais, esse dinheiro vai estar disponível. E depois, se tivermos reforçado a integridade na administração, com administrações mais transparentes e com menos opacidade na forma como as transações financeiras são realizadas, esse dinheiro estará lá e o governo não terá outra escolha senão utilizá-lo para melhorar o acesso à escola, o acesso à energia, o acesso à escola para as meninas, o acesso aos cuidados de saúde, o acesso a casas a preços acessíveis; resumindo o acesso aos objetivos de desenvolvimento sustentável.

BG Fechamento

Grazi: Acabar com abuso fiscal é fundamental. Os países, as pessoas, o meio ambiente não podem seguir sofrendo e tendo seus direitos negados enquanto uns poucos concentram riqueza de maneira abusiva.

Isso implica ter um fórum para reformar a tributação internacional que seja realmente democrático, dentro da ONU, com todos os países colaborando e decidindo com uma Convenção Tributária. A solução precisa ser também para os países do Sul Global, como muito bem vem demandando os países africanos e esperamos que os países latinamericanos e caribenhos agora com a Plataforma Tributaria Regional façam o mesmo.

Grandes corporação e super ricos também devem contribuir com impostos e esse valor arrecadado deve ser distribuído de maneira democrática entre os países, com o objetivo de garantir direitos, como sistemas públicos universais e de qualidade de saúde, educação, cuidados, além de financiar o enfrentamento da crise climática.

BG

Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.

Dani: Tenha um bom dia, boa tarde, boa noite… E até o próximo!


Dicionário
Jurisdição de Sigilo

Um paraíso fiscal ou jurisdição de sigilo é um lugar que deliberadamente fornece uma rota de fuga para pessoas ou entidades que vivem ou operam em outro lugar. Essas jurisdições as blindam contra quaisquer impostos, legislações penais, regulamentações financeiras, transparência ou outras limitações que elas não apreciem. Pessoas comuns cujas vidas são afetadas pela legislação dos paraísos fiscais não são consultadas sobre essas leis porque vivem em outros países: elas não têm voz sobre como são feitas essas leis, solapando, assim, seus direitos democráticos.

Paraíso Fiscal

Um paraíso fiscal ou jurisdição de sigilo é um lugar que deliberadamente fornece uma rota de fuga para pessoas ou entidades que vivem ou operam em outro lugar. Essas jurisdições as blindam contra quaisquer impostos, legislações penais, regulamentações financeiras, transparência ou outras limitações que elas não apreciem. Pessoas comuns cujas vidas são afetadas pela legislação dos paraísos fiscais não são consultadas sobre essas leis porque vivem em outros países: elas não têm voz sobre como são feitas essas leis, solapando, assim, seus direitos democráticos.

Offshore

Um paraíso fiscal ou jurisdição de sigilo é um lugar que deliberadamente fornece uma rota de fuga para pessoas ou entidades que vivem ou operam em outro lugar. Essas jurisdições as blindam contra quaisquer impostos, legislações penais, regulamentações financeiras, transparência ou outras limitações que elas não apreciem. Pessoas comuns cujas vidas são afetadas pela legislação dos paraísos fiscais não são consultadas sobre essas leis porque vivem em outros países: elas não têm voz sobre como são feitas essas leis, solapando, assim, seus direitos democráticos.

Evasão Fiscal

Evasão fiscal é uma atividade ilegal (costuma ser crime) pela qual os contribuintes evadem impostos por meio de fraude. Por outro lado, elisão fiscal significa contornar (ou evitar) o espírito da lei sem de fato violar as leis. Há uma grande área cinza entre os dois polos de elisão e evasão.

Outras Fontes

1

Recomendações da sociedade civil para ministros na Cúpula Latinoamericana e Caribenha por uma Tributação Global inclusiva, sustentável e equitativa.

2

#49 Pacto Fiscal pode reduzir desigualdades na América Latina

3

#39 Regras de tributação global devem ser decididas na ONU #39

4

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É Da Sua Conta
#64 Direitos humanos podem tornar a tributação mais justa
Os Direitos Humanos se tornaram uma das bases para que a tributação internacional seja mais justa. Isso porque eles estão presentes no termo de referência aprovado em agosto de 2024 e  que vai guiar a construção da Convenção Tributária Internacional das Nações Unidas. Mas até ser incluído no texto, esse foi um dos pontos que gerou mais debates entre os países membros da ONU que participaram do processo. Saiba como foi esse debate e a importância da inclusão de direitos humanos nesse documento.
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jul. 25
2024
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#63 Poluidores devem pagar pela crise climática
Um dos setores que mais polui no mundo é o de transporte marítimo. Em 2022, 858 milhões de toneladas de gás carbono foram emitidas por embarcações no mundo todo. Deste total, 63% vêem dos navios gigantes dos países que fazem parte da OCDE. Além dos danos ambientais, essas corporações internacionais são também as que menos pagam impostos. Com justiça tributária também se combate a crise climática. Esse é o tema episódo #63 do É da Sua Conta
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