#56 Escola de heróis tributários
#55 Criminosos na Amazônia lavam dinheiro nos EUA
#57 Monopólio = fábrica de desigualdades

A falta de transparência, a falta de abertura para participação social, as tentativas de suborno e corrupção, as brechas na legislação, além de algumas dificuldades bem visíveis, como a falta de equipamentos ou pessoal suficiente….

Como nossos heróis e heroínas invisíveis se preparam para enfrentar os desafios da administração tributária?

Esse é o tema do episódio #56 do É da Sua Conta, especial de fim de ano e em homenagem a auditores e auditoras fiscais das administrações tributárias do Brasil e dos países africanos lusófonos.

  • Qual o perfil ideal para trabalhar na administração tributária? Seleção, formação inicial e capacitação durante a carreira de auditoras e auditores com Márcio Verdi (CIAT).
  • Cabo Verde, Angola, Guiné Bissau e São Tomé e Princípe: os desafios dos profissionais da tributação nos países lusoafricanos, com Clair Hickman.
  • Fim da Escola Nacional de Administração Fazendária (ESAF), greve e falta de condições de trabalho: o que ocorre na Receita Federal? O Isac Falcão (Sindifisco Nacional) responde.
  • Justiça fiscal como princípio norteador da formação de nossos heróis e heroínas, com Florencia Lorenzo (Tax Justice Network).

“Defendo que deve sempre haver uma formação inicial. Por melhor formada que a pessoa venha, ela precisa ainda entender, por exemplo, dos aspectos éticos, morais e código de conduta.” ~ Márcio Verdi, secretário executivo do CIAT

“Quando o servidor da administração tributária ingressa através de um processo seletivo  transparente, com provas e título, faz uma melhora sensível no corpo funcional, e depois, inclusive, no oferecimento do serviço público daquela instituição para a sociedade.” ~ Clair Hickman, consultora para administrações tributárias em países lusoafricanos

“Quando o presidente (Lula) falou que é preciso colocar o rico no Imposto de Renda, não é que o rico ia pular pra dentro do Imposto de Renda, precisa de uma administração tributária pra fazer isso.” ~ Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional

“Um sistema tributário que foca naqueles que têm maior capacidade contributiva, é também um sistema mais eficaz.” ~ Florencia Lorenzo, Tax Justice Network

É da sua contaé o podcast mensal em português da Tax Justice Network. Coordenação: Naomi Fowler. Dublagens: Cecília Figueiredo e Zema Ribeiro. Produção e apresentação: Daniela Stefano e Grazielle David. Download gratuito. Reprodução livre para rádios.

Transcrição

Grazielle David

Hmmmm embora eles estejam por aí, garantindo o financiamento das políticas públicas, a gente quase nunca vê,/ parece que estão escondidos/ porque eles atuam nos bastidores.

Daniela Stefano

Sim, aquelas e aqueles que chamamos de herois e heroínas invisíveis. E como já é tradição no É da Sua Conta, fim de ano é tempo de homenagear as pessoas que trabalham nas administrações tributárias

Beandrea

Falar das formações que todo o grupo, mas principalmente a Clair nos deu, teve um impacto positivo e ainda está tendo na minha vida, tanto no lado profissional como no pessoal, e também de muitos outros colegas. Principalmente no que toca à questão do caráter. A questão do profissionalismo e também a questão de ter um pulso firme.

Grazi

É necessário ter um pulso firme, como diz a Beandrea Montoro, auditora fiscal em Guiné Bissau.

Porque … atuar nas administrações tibutárias é um desafio! …

Os inimigos, às vezes ficam invisíveis, pelo menos para a maior parte da população:

Falta de transparência, a falta de abertura para participação social, as tentativas de suborno e corrupção, as brechas na legislação, além de algumas dificuldades bem visíveis, como a falta de equipamentos ou pessoal suficiente pra lidar com os desafios da tributação.

Dani

E como é que heróis e heroínas das administrações tributárias se preparam pra enfrentar os vilões?

Música É da Sua Conta

Grazi

Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.

Dani

E eu a Dani Stefano.

O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.

Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.

Grazi

Nesse episódio #56 do é da sua conta você escuta sobre os desafios da carreira de auditores fiscais, sua formação inicial e capacitação constante. Com certeza com a perspectiva de como a justiça fiscal se insere nas “escolas de auditores”.

SOBE BG

Marcio Verdi

Normalmente, os critérios de seleção, por concurso público ou contratação direta, são muito exigentes.

Agora, o importante é que, uma vez selecionado, o profissional, nós temos que dar uma formação básica. Na França, um inspetor fica dois anos na escola. Dois anos.

Dani

Esse é o Márcio Verdi, secretário executivo do Centro Interamericano de Administrações tributárias e que há quase 50 anos trabalha no setor público, no Brasil e internacionalmente.

Márcio

E eu sou dos que defendem que deve sempre haver, ainda que seja um período mais curto, de um mês, mas que essa pessoa passe uma formação, por melhor formada que venha, pra ela entender, por exemplo, que aspectos éticos ela precisa de uma formação ética saber sobre um código de conduta. Eu posso auditar a empresa que é de um primo da minha esposa? Se ninguém me ensinar isso eu posso. Eu tenho que ser formado, no mínimo, nos aspectos éticos e morais.

Grazi

São enormes os desafios para formar profissionais da administração tributária, já que há várias disciplinas que um auditor precisa conhecer para poder atuar de maneira bastante eficiente.

Quem também tem muita expêriência prática de como se forma e capacita auditores fiscais é a Clair Hickmann, auditora fiscal da Receita Federal aposentada, mas que continua atuando por justiça fiscal agora como consultora e colaborando com administrações tributárias em países lusófonos na África.

Clair

Comecei em 2015 para dar um , um treinamento de fiscalização em Cabo Verde. Foi bastante interessante porque o Cabo Verde é um país que tem uma estabilidade política e o nível de escolaridade de formação é bem elevado. Se comparar com outros países, por exemplo, da África. Então, foi bastante interessante essa formação, percebi um nível bom, excelente, posso dizer assim. E depois dessa experiência, fui para a Guiné-Bissau, que tem uma situação política e econômica totalmente diferente.

Grazi

Cabo Verde é uma nação formada por diversas ilhas na costa noroeste da África, banhada pelo Oceado Atlântico, com cerca de 590 mil habitantes. O país é conhecido internacionalmente pela cultura, música tradicional e suas várias e lindas praias.

Com cerca de 2 milhões de habitantes, a Guiné-Bissau é um país tropical cuja costa também é banhada pelo Oceano Atlântico e é conhecida pelos parques nacionais, pela vida selvagem e pelas instabilidades políticas.

Clair, o que tornava a situação em Guiné-Bissau mais desafiadora para a administração tributária?

Clair

O ingresso do serviço público não é feito por concurso, não era até 2016, quando teve o primeiro concurso público e único até hoje. E aí, a gente percebe claramente que quando o ingresso, se o serviço público é através de concurso público com provas e títulos, a qualidade do servidor é bem superior àquele que ocupa um cargo dentro da administração tributária por indicação política ou por amizade ou outros fatores.

Dani

O Márcio Verdi é da mesma opinião: a contratação dos profissionais precisa ser muito rigorosa, mesmo que os candidatos não sejam submetidos a concursos públicos:

Marcio

Pessoas se dedicam anos para ser um inspetor da agência espanhola de Administração Tributária Países, por exemplo, o Chile. contrata muitos profissionais e faz as pequenas seleções precisam de três informáticos, preciso de dois advogados e não é um concurso público aberto, é um inscreva-se, que tem um comitê que seleciona depois, alguns critérios de avaliação. Entrevistas funciona muito bem. Isso vai de país a país.

Clair

Percebi claramente que, quando o técnico tributário, ou seja, o auditor fiscal, o funcionário público, ele ingressa através de um processo seletivo e transparente, com provas e título, e não por mera indicação política ou outros fatores, o nível melhora sensivelmente, faz uma diferença muito grande no corpo funcional, e depois, inclusive, no oferecimento do serviço público daquela instituição para a sociedade. Então, acho que, assim, eu aprendi a valorizar muito o Brasil nessa área.

Sobe bg

Dani

A Clair disse que aprendeu a valorizar a realização de concursos no Brasil ao se deparar com a Guiné Bissau, onde isso ainda não acontecia quando ela esteve por lá nas primeiras vezes.

Até 2019 os profissionais da Receita Federal contavam com a Escola de Administração Fazendária, a ESAF, como recorda com nostalgia o Isac Falcão, auditor fiscal e presidente do Sindifisco Nacional:

Isac Falcão

Essa escola cumpriu um papel importantíssimo pro Brasil e ainda cumpre esse papel, mesmo ela estando fechada, os efeitos dela se verificam é a administração tributária que a gente tem.

Grazi

A ESAF foi fechada em 2019 e atualmente os prédios onde os auditores se formavam viraram sede da Marinha

Isac

Foi um dos descalabros aí do governo anterior também. Ótimo! Importantíssimo, né. O Brasil ter uma marinha tá! bacana, mas não com os prédios da Escola de Administração Fazendária. Prédio, por exemplo de Brasília foi construído com uma doação específica para a finalidade de educação fazendária, uma doação do governo alemão pra fazer isso e, de repente, você pega esse recurso e desvia pra uma outra atividade de governo é um absurdo.

Dani

Absurdo até porque a Marinha também é financiada por meio dos tributos… arrecadados via Receita Federal.

E além do fechamento da ESAF, falta dinheiro pra investir nas condições de trabalho de auditores e auditoras fiscais no Brasil nesse momento são muito precárias:

Isac

Você tem um posto de fronteira quando chega a noite, as pessoas tem que ir embora e o posto fica lá aberto. Vai passando caminhão carreta com tudo imagina o seguinte a gente, a receita apreendeu nos portos brasileiros algumas dezenas de toneladas de cocaína nos últimos anos. Ano passado, 25 toneladas nos últimos cinco anos acho que foram 200 toneladas de cocaína. O da cocaína entrou pela fronteira terrestre brasileira e ninguém viu. A fronteira brasileira tá desguarnecida. agora a mesma estrutura que trouxe essa cocaína pra dentro do Brasil, a mesma estrutura logística também trouxe armas, só que as armas a gente não apreende no Porto porque elas entram não pra serem exportadas como a cocaína, elas entram pra ficar no Brasil, e aí é todo esse problema de segurança pública

é gigantesco que a gente tá enfrentando. Precisa aplicar os recursos necessários na Receita Federal.

ÁUDIO BAND

Notícia da greve

Grazi

Dani, eu sou uma dessas pessoas que está esperando com muita expectativa uma compra internacional… Eu comprei um kit de cozinha montessoriana pro meu bebê e estava com muita expectativa de que fosse seu presente de natal.

Dani

Oh, pobre! Felizmente o seu é bebê, os meus, de 8 e 11 ficariam muito frustrados…

Grazi

Eu acredito que o brinquedinho não vai chegar a tempo. É um tanto frustante, confesso, quebra algumas expectativas, mas ao mesmo tempo sei que é por um objetivo muito maior, que é promover estrutura e segurança para a administração tributária e com isso ter recursos para tantos outros direitos.

Dani

E talvez a sua compra internacional, como a da Grazi, também esteja atrasada, mas a falta de investimentos na Receita Federal, na qual faltam equipamentos e condições de trabalho ao pessoal é o motivo da greve dos auditores e auditoras da Receita que, até a gravação deste episódio já estava em 30 dias.

Grazi

E se você quiser entender mais a situação, te convidamos a ouvir o episódio bônus com Isac Falcão, que explica o histórico dessa lei de 2016 que a repórter da Band falou na notícia e não fui cumprida e também as implicações que ela traz para a execução das promessas de campanha do então Candidato Lula .A entrevista também está disponível no seu tocador de podcasts favorito.

Sobe bg

Grazi

De volta à experiência da Clair Hickman como facilitadora de treinamentos do pessoal da administração tributária.

Clair, você também esteve em Angola e São Tomé e Príncipe, que também são banhados pelo oceano Atlântico e, como os demais países em que você esteve, foram colônias portuguesas.

Quais foram as impressões que você teve da formação dos servidores nestes países?

Clair

Estive também em Angola, onde o nível e a qualidade dos servidores públicos na administração tributária é bastante elevado. Excelente formação, quadro funcional muito bom. Depois eu estive em São Tomé e Príncipe, que é um país muito pequeno, também é bastante razoável. O nível dos funcionários, eu diria, é satisfatório, mas eu acho que em Cabo Verde e Angola o nível é mais elevado.

Grazi

A Clair tem uma visão privilegiada das administrações tributárias nos países lusófonos por ter realizado inúmeras formações por lá.

Só pra se ter uma ideia, já esteve mais de 20 vezes apenas na Guiné Bissau.

Clair, como funcionam as administrações tributárias nesses países luso-africanos em que esteve?

Clair

Varia bastante. Tem umas que são bastante avançadas, muito boas, e outras nem tanto. Depende, essencialmente, da estabilidade política, que tem um impacto muito grande, sobre a administração tributária. Porque quando há mudança de governo, costuma mudar também a direção da administração dirigente da instituição. E isso tem um impacto muito negativo quando isso é feito com uma frequência muito grande, né? Então, tem países que mudam o governo com muita frequência. Às vezes, fica cinco meses, um ano só.

Grazi

Quais as consequências de tantas mudanças de governo pros profissionais da tributação?

Clair

Quando muda, não há continuidade dos projetos, as condições de trabalho vão se degradando. Não existem recursos para investir na administração tributária. Às vezes, sequer tem gasolina para levar uma intimação para um contribuinte, que a parte de tecnologia é muito precária ainda. Tem quase tudo ainda em papel, pouco informatizado. Agora, nos últimos dois anos, tem melhorado, sim, em geral essa parte, ão tem mais como não falar em digitalizar a administração. Mas é um processo lento, que depende muito de recursos externos.

Grazi

Dá pra ter uma ideia da complexidade do trabalho das adminsitrações tributárias quando a Clair explica a diversidade de formações que facilitou nos países africanos de língua portuguesa por onde passou:

Clair

Treinamentos na área de auditoria tributária fiscal, na área de planejamento de seleção de contribuintes para fiscalizar, na área de acompanhamento dos maiores contribuintes, a própria segmentação dos maiores contribuintes eu ensinei a fazer e discuti com eles. Investi muito para eles aprenderem a legislação tributária deles mesmos. E fiz orientações aos funcionários que atendem os contribuintes, como devem atender Quase todas as declarações de impostos fui eu que desenvolvi em conjunto com eles, e dando formação sobre isso para eles, tanto no preenchimento quanto na elaboração.

Marcio

Eu pessoalmente considero que deve ser obrigatório o treinamento do que, qual é a minha organização? Como está estruturada? Como eu posso crescer? Qual as minhas perspectivas? Qual a minha responsabilidade ética e moral? E para isso eu tenho que ser orientado no código de comportamento, ou seja, quais são os meus deveres? o que eu devo cumprir com a minha conduta perante não só a minha administração tributária, mas a minha sociedade e quais as minhas obrigações. Eu tenho que ter uma obrigação de denunciar se eu souber de um caso: até a conduta de um colega, então eu diria que primeira coisa é a formação de um auditor.

Dani

O trabalho que a Clair vem desenvolendo nas administrações tributárias lusoafricanas é o da capacitação.

E a capacitação, na opinão do Márcio Verdi, deve acontecer durante a carreira inteira de nossos heróis e heroínas :

Márcio

A capacitação, ela vai ser eterna, até o dia que a pessoa se aposente. Veja, nós temos países que, se eu sou um auditor com muita experiência, imaginamos na área de preços de transferência, mas por uma razão privada, eu quero ir pra uma cidade do interior e vou trabalhar na aduana.

Será que eu sou preparado pra ir pra uma área aduaneira? Não.

Eu tenho direito de querer sair e da área de impostos internos, no caso de administrações que são integradas como Brasil, Argentina, Peru, mas eu não sei nada de aduana. Então eu tenho que ser capacitado.

Ou o contrário: eu estou trabalhando em auditoria e agora vou trabalhar em atenção ao contribuinte, mas será que eu sou uma pessoa que sei tratar com pessoas? pode ser um muito bom auditor e não saber atender um contribuinte.

Dani

E como seria o trabalho dos auditores fiscais da tributação internacional, que é um tema frequente do É da Sua Conta?

Márcio

Ele vai estar auditando operações internacionais de empresas que se relacionam com o exterior. Por que se relacionam? Não estou me referindo a apenas a multinacionais. Eu posso ter uma empresa minha, eh numa cidade do Brasil nacional, sem filial, nenhuma no exterior, mas eu posso fazer operações que pelas leis tributárias, a outra empresa, embora não seja subsidiária nem controlada minha, pode ser classificada como uma operação interrelacionada.

Dani

Você pode dar um exemplo, Marcio?

Márcio

Se eu exporto soja e 70% da minha soja quem compra é uma empresa canadense, as leis normalmente vão considerar que eu trabalho com partes relacionadas ou se eu importo a grande maioria dos meus produtos de uma empresa do exterior,eu também posso ser classificado pelas regras de tributação internacional porque eu trabalho com uma operação, uma empresa relacionada, então, o grande desafio e são as operações de transferências de preços, o chamado transfer Price. Então, mais do que saber inglês. Essa pessoa tem que saber os métodos de preços, de transferência e os estândares internacionais de transparência.

Dani

E para além das questões tributárias, é preciso que o auditor conheça a cadeia de produção do setor que estará auditando:

Marcio

Aí que vem o grande problema da tributação internacional, que é muito difícil pensar que eu vou ter em um país em desenvolvimento latino-americano, africano, asiático, uma pessoa que saiba tudo de petróleo e também saiba do setor mineiro. É muito difícil, ou elétrico. Petróleo também, vamos dizer que é de commodities ou de soja, então eu preciso ter profissionais que conheçam as cadeias produtivas. Não basta ter um contador, você tem que ter gente que conhece a cadeia produtiva. Porque você fazer uma auditoria numa empresa petroleira de petróleo, que você não sabe o que é a exploração, o que é o refino, o que é o transporte, o que é a distribuição, a comercialização. você não tá preparado pra fazer essa auditoria.

Dani

O que você pode falar sobre essa questão das necessidade desses especialistas nessas cadeias produtivas, bem específicas, com a prática tributária no Brasil: como isso é equacionado?

Marcio

Nesse ponto o Brasil teve uma grande vantagem porque pela nossa a Constituição, que define que o concurso público, por exemplo, pra ser pra ser diplomata você pode ser médico ou engenheiro? O Itamaraty, no seu quadro de diplomatas e de oficiais de chancelaria, ele tem uma riqueza por ter uma variedade, desde pessoas com alto nível de formação de literatura, cultural e histórico, mas eles também têm médicos no Itamaraty. Então, quando eles têm que participar de uma organização mundial da Saúde, eles devem encontrar pessoas com essa especialização e o nosso fisco é aberto a qualquer formação superior. O segredo tá hoje em formar equipes com conhecimentos variados, né, informáticos, contadores, advogados e especialistas setoriais.

Grazi

E a justiça fiscal, entra nesses conteúdos de capacitação, Clair?

Clair

A princípio, as formações são técnicas, mas a gente acaba sempre falando dos princípios tributários de igualdade de tributação de acordo com a capacidade contributiva, o princípio da progressividade. Então, a gente acaba sempre destacando, né?

Acho que quando a gente tem uma formação e uma preocupação sobre justiça fiscal, a gente acaba nas formações passando isso também, né? Eu acho que eu consegui fazer isso sim e me sinto muito gratificada, por ter tido a oportunidade de ajudar esse país.

Grazi

O Pascoal Alves Junior, auditor fiscal em Guiné Bissau confirma a importância de tudo o que a Clair vem dizendo…

Pascoal Alves Júnior

A Clair que nos ajudou a dinamizar este serviço através da criação de métodos de trabalho, desde como elaborar um relatório de preparo, fazer o seguimento e perceber como é que funciona a instituição.

SOBE BG

Grazi

A Tax Justice Network defende a justiça fiscal e entende a importância dos trabalhadores e trabalhadoras das administrações tributárias para que ela seja promovida e aplicada na prática.

Flor

Bom, a gente sempre fala que a administração tributária é política tributária, né? Porque a gente sabe que a forma como a administração tributária, como que esses profissionais que lidam no dia a dia com questões de auditoria, de fiscalizar os diferentes contribuintes, isso impacta diretamente na progressividade dos sistemas tributários, na eficácia deles.

Dani

Florencia Lorenzo, pesquisadora da Tax Justice Network

Flor 2

E por que eu falo que impacta na progressividade? Porque dependendo de onde estão sendo alocados os recursos e que tipo de contribuintes estão sendo mais fiscalizados, isso pode levar a um sistema tributário que está lidando com maior precisão, com aqueles que têm maior poder de contribuir ou não. Então, é fundamental. que a capacitação e a formação de auditores fiscais tenham esses princípios de justiça tributária como um pano de fundo para que a gente tenha uma alocação de recursos que justamente seja proporcional tanto ao impacto que isso pode ter em termos de arrecadação, mas também para a capacidade de que esse sistema tributário seja mais progressivo.

Grazi

Um sistema tributário progressivo é aquele que faz com que quem tem mais, ou seja, os super ricos, contribuam mais.

Então, ao invés de ser um sistema baseado em impostos sobre o consumo, por exemplo, – que acaba fazendo com que proporcionalmente à renda, mais pobres e classe média paguem mais; é mais voltado à tributação da renda, patrimônio e riqueza dos mais ricos.

Flor3

Essa percepção de que o sistema tributário tem que ter um papel de contribuir para a justiça, ele vem crescendo na percepção das pessoas, ele está muitas vezes inscrito em vários dos nossos marcos legais e em cartas de princípios que os estados assinam, mas que ainda não é incorporado de forma generalizada em todo tipo de formação.

Muitas vezes, princípios como eficiência ou outros tipos de princípios são antepostos ou contrapostos à ideia de justiça tributária, o que é uma falsa contraposição.

Porque um sistema que foca naqueles que têm maior capacidade contributiva, na verdade, eu argumentaria que ele também é um sistema mais eficaz.

Nesse sentido, ainda tem muito para fazer, mas, por outro lado, as administrações tributárias, de forma geral, têm tido um papel fundamental na construção dessas discussões, têm avançado. Muitos profissionais são profissionais que adotam para si mesmo esses princípios e incorporam as ideias de justiça tributária como marco da sua atuação.

Dani

A Tax Justice Network costuma ser convidada por sindicatos e administrações tributárias para falar sobre a justiça fiscal.

Flor

A gente tem também feito um trabalho de tentar apresentar algumas das nossas ferramentas e algumas das nossas perspectivas teóricas e analíticas para ser incorporadas no âmbito das atividades das

administrações tributárias.

Então, por exemplo, a gente tem feito muito esse trabalho com algumas administrações da União Europeia, mas também da América Latina de pegar alguns indicadores que a gente constrói relacionados a, por exemplo, risco de sigilo ou risco de abuso fiscal, usando os nossos índices, que eles mapeiam marcos legais

que possuem maiores riscos e a gente tem usado em alguns contextos específicos para mapear riscos dos dados que as próprias administrações tributárias têm.

Grazi

De que forma exatamente as administrações tributárias usam esses dados elaborados pela TJN?

Flor

Um ponto chave é que, quando, na prática diária das administrações, muitas vezes elas têm que lidar com uma quantidade enorme de risco, de dados. E filtrar quais desses dados representam risco e quais desses dados estariam relacionados a atividades que, possivelmente, têm um cunho ou ilegal ou que, possivelmente, é um canal de abuso tributário. A gente tem tentado construir essa ideia de que a análise legal que a gente usa pode ajudar na prática do dia a dia.

Dani

Em 2023 a Tax Justice Network completou 20 anos e lançou um documento em comemoração no qual destaca a importância da incorporação dos principios de justiça fiscal nas administrações tributárias

Flor

Um dos elementos que a gente reforça é a importância desse componente do enforcement, que essa palavra em inglês, ela traduz tanto como administração, fiscalização, implementação das leis.

E, justamente, para tentar ressaltar e contribuir para o fortalecimento dessa narrativa de que a gente não consegue pensar em progressividade e eficiência de sistema tributário sem pensar em administração tributária e na incorporação desses princípios de justiça fiscal no âmbito desses profissionais que lidam o dia a dia da prática da administração tributária.

Grazi

É interessante você ter falado isso dos profissionais no dia a dia, porque eu estava aqui justamente pensando…

… Os temas super atuais que você costuma abordar aqui no É da Sua Conta sobre os fóruns internacionais que você participa. …

Como fazer com que as informações contidas nos estudos mais recentes e as construções sobre política tributária formuladas nos fóruns internacionais cheguem no dia a dia de auditoras e auditores fiscais?

Flor

Então, assim, por um lado é verdade que as administrações tributárias participam de forma consistente em muitas dessas discussões, mas não é a administração inteira como alguns sujeitos que muitas vezes não estão lidando na linha de frente da aplicação das regras. Quando a gente defende, por exemplo, a mudança das discussões tributárias da OCDE para a ONU, uma das coisas chaves que a gente fala é que a gente acredita que são espaços com mais transparência.

Dani

A OCDE não deveria ser o fórum para tratar da reforma tributária internacional, justamente porque é uma espécie de “ clube dos países ricos”, no qual a maioria dos países de baixa renda não têm direito a voto nos temas aí discutidos e aprovados.

É por isso que diversas organizações e movimentos sociais comemoraram a aprovação, em novembro de 2023, de um organismo tributario na ONU com a participação de todos os países, para tornar a reforma tributária internacional mais transparente, participativa e democratica.

BG Fechamento

Presidente Lula

É preciso botar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda

Grazi

Sim, as pessoas, a natureza, os direitos cabem no orçamento.

E é passada da hora de que os super ricos contribuam de verdade, mas para isso será necessário acionar um super poder, como explica o Isac Falcão:

Isac:

É muito difícil que sem uma fiscalização organizada, sem uma arrecadação organizada, as pessoas simplesmente compareçam e paguem seus tributos em dia. Quando o presidente falou que é preciso colocar o rico no Imposto de Renda, não é que o rico ia pular pra dentro do Imposto de Renda, precisa de uma administração tributária pra fazer isso.

Grazi

É inviável ter bons sistemas tributários, que sejam eficientes e equitativos, sem ter auditoras e auditores fiscais bem formados, capacitados e com adequada infra estrutura.

Nossas heroínas e heróis invisiveis, para seguirem seu trabalho de arrecadar recursos de maneira justa para financiar direitos e reduzir desigualdades, também precisam ser valorizados e bem formados.

O conteúdo de justiça fiscal é fundamental na sua formação,

para que sigam como heróis, e não burocratas.

ESPAÇO DO OUVINTE (DANI)

Existem várias maneiras de saber quando um episódio do É da Sua Conta é lançado. Se quiser ficar pertinho da gente, escreve para [email protected] e informa se quer receber o nosso boletim por email. Se preferir por whatsapp, deixa seu nome e número que a gente te cadastra.

Você também pode nos acompanhar no twitter e_dasuaconta, no facebook ou em www.edasuaconta.com… Ou no seu tocador de audios digitais favorito.

BG

Grazi

O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de

Daniela Stefano e minha, Grazielle David.

Boas festas, um abraço e até o próximo.

Dani

Um excelente fim de ano pra você e que em 2024 a gente continue juntes! Até o ano que vem!

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