#63 Poluidores devem pagar pela crise climática
#62 Discriminações contra mulheres se combate com justiça fiscal
#64 Direitos humanos podem tornar a tributação mais justa
Convidadxs
  • Franziska Mager

    Senior Researcher and Advocacy Lead (Climate & Inequalities), Tax Justice Network

  • Peter Rosset

    Professor de agroecologia na Ecosur, no México, e nas universidades do Ceará (UECE) e de São Paulo (Unesp), no Brasil, e  Thammasat e Chulalogkorn University, na Tailândia.

  • Sergio Chaparro Hernández

    Coordenador de incidência global, Tax Justice Network

  • William Victor Costa

    Estudante do curso de letras da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Morador e segundo secretário da Associação de Moradores do bairro Peróla do Maicá, em Santarém (PA) e também um dos idealizadores do projeto de turismo de base comunitária Encantos do Maicá.

Um dos setores que mais polui no mundo é o de transporte marítimo. Em 2022, 858 milhões de toneladas de gás carbono foram emitidas por embarcações no mundo todo. Deste total, 63% vêem dos navios gigantes dos países que fazem parte da OCDE. Além de todos os danos ambientais, essas corporações internacionais são também as que menos pagam impostos. Com justiça tributária também se combate a crise climática. Esse é o tema episódo #63 do É da Sua Conta.

Ouça sobre:

  • Estudo da Tax Justice Network propõe revisar as injustas e insustentáveis isenções fiscais já existentes às corporações que realizam transporte marítimo internacional.
  • Transporte marítimo de soja é insustentável e desnecessário.
  • Comunidades tradicionais barram construção de porto e fortalecem a própria economia com projeto de turismo comunitário de base no Lago do Maicá em Santarém (PA).
  • Soluções da justiça fiscal para a crise climática: guia para ativistas defenderem transições justas por uma para economia para todas as pessoas e o meio ambiente.

“Alguns países não aplicam nenhum imposto corporativo e outros de quase zero aos operadores de transporte marítimo. Outros ainda têm impostos calculados com base no peso que os navios podem transportar e não no lucro que obtêm.”
~Franziska Mager, pesquisadora da Tax Justice Network

 “Não precisa de exportação e importação de alimentos: cada país tem os recursos necessários para alimentar sua própria população. Quando produzidos localmente, pela agricultura camponesa com práticas agroecológicas, a produção de alimentos não emite gases de efeito estufa, não contamina as águas com agrotóxicos, não produz carnes com antibióticos e hormônios, não depende de culturas transgênicas.”
~Peter Rosset, professor de agroecologia em universidades no México, Brasil e Tailândia

“O turismo de base comunitária faz com que pessoas urbanas de Santarem visitem o Lago do Maicá  e tenham um senso crítico por sua realidade e passem a contribuir com a preservação do lago.”
~ William Victor Costa, liderança jovem e fundador do projeto Encantos do Maicá (PA)

“Uma transição justa é muito cara, exigindo a descarbonização dos sistemas de energia, transporte mas também investimentos em moradias e planos industriais verdes.  Ainda que estes custos sejam significativos, são insignificantes se comparados com o custo da inação.”
~ Sergio Chaparro Hernández, pesquisador da Tax Justice Network

Transcrição

Reportagem Terra: Bombeiros da cidade de Corumbá combatem um dos milhares incêndios florestais no pantanal brasileiro, a maior área alagada tropical do mundo. No primeiro semestre deste ano, os satélites registram mais de 3.300 incêndios numa área ligeiramente maior do que a Inglaterra, 33% a mais do que 2020.Especialistas coincidem em apontar as alterações em mudanças no clima e o aumento da ocorrência dos incêndios na região, que sofre com uma longa estiagem.

Daniela Stefano: As Comunidades Tradicionais Pantaneiras, do Cerrado e da Amazônia têm chamado ações como essas de incêndios criminosos e intencionais.

Os incêndios são fortemente acionados por práticas humanas  relacionadas ao avanço do agronegócio por pastagens, plantações de monocultura e pecuária.

Junto com os desmatamentos, os incêndios contribuem para a emissão de gases de efeito estufa e a crise climática.

Grazi: Mas com a aliança cada vez mais forte entre os  movimentos pela justiça fiscal e justiça climática, pode ser possível parar de apagar incêndios ou resgatar pessoas de enchentes, corrigir práticas profundamente discriminatórias e desigualdades sustentadas para o benefício de uma minoria às custas de todas as outras pessoas e do planeta.

Vinheta de abertura  É da Sua Conta

Graziele David: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como reprogramar a economia para que ela funcione para todas as pessoas e o meio ambiente. Eu sou a Grazielle David.

Dani: E eu a Dani Stefano.

O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal.

Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.come nos mais populares tocadores de áudio digital.

Sobe música abertura É da Sua Conta

Grazi: A justiça tributária pode promover também justiça climática. Esse é o tema do episódio #63 do É da sua conta.

Sobe BG

Dani:  Em junho de 2024, a Tax Justice Network lançou um estudo que mostra Como os incentivos tribuDantários corporativos corroem a justiça climática.

O relatório se concentra em dois elementos: a política tributária corporativa,  e o princípio do “poluidor-pagador”, ou seja, quem polui mais, deve pagar mais.

Franziska Mager: Quando dizemos poluidor pagador, isso significa pessoas ricas países poluidores históricos e atuais, e empresas, especialmente multinacionais.

Grazi: Essa é a Franziska Mager , uma das autoras do relatório. Ela é pesquisadora da Tax Justice Network e líder em justiça climática e desigualdades.

Ela morou em Belo Horizonte e em São Paulo a muito tempo atrás e por isso está se esforçando um pouquinho pra falar português com a gente.

O estudo foca nos benefícios fiscais a dois dos setores que mais contribuem com a crise climática e prejudicam o meio ambiente: transporte marítimo e extrativo.

Os incentivos fiscais destrutivos dados por muitos governos às empresas multinacionais que operam nestes setores são fortes fatores para a degradação do planeta.

Franziska: Por exemplo, você pode aumentar o preço do carbono no ponto de extração ou uso para tornar este preço mais caro. Pode também introduzir impostos sobre passagens aéreas, etc. Podemos, então, usar os impostos como um instrumento de reavaliação de preço, não é tão diferente do que vimos com o tabaco.

Dani: Combater os incentivos fiscais prejudiciais pode fazer com que o principio do poluidor-pagador vigore. Também permite arrecadar as receitas urgentemente necessárias para lidar com as perdas e danos da crise climática. No processo, ainda reparam os problemas históricos e dinâmicos de poder desiguais na governança fiscal internacional.

Mas o mundo está longe de ver o princípio do poluidor-pagador ser aplicado através da tributação.

Franziska: O que vemos na prática, porém é que uma tributação mal concebida e regressiva mina o princípio de poluidor pagador e deixa aqueles que mais emitem de carbono fora , inclusive através de instrumentos como incentivos.

Grazi: Incentivos fiscais são a redução de um ou mais impostos a uma empresa ou um setor econômico, por exemplo.

Um dos setores que mais polui no mundo é o setor de transporte marítimo. Em 2022, 858 milhões de toneladas de gás carbono foram emitidas por embarcações no mundo todo. E deste total, 63% vêm dos navios gigantes dos países que fazem parte da OCDE.

Mas além de todos os danos ambientais, essas corporações internacionais de transporte marítimo são também as que menos pagam impostos.

Franziska: Há uma pesquisa da OCDE que descobriu que a taxa média de imposto corporativo através o transporte marítimo global é de cerca de 7%. É muito, muito baixo.  É muito mais baixo do que a maioria das taxas de imposto de renda corporativa na maioria dos países no mundo.

Dani: E qual é o motivo destas corporações internacionais que tanto poluem pagarem tão pouco imposto?

Franziska: Então, uma razão para isso é a existência de incentivos, muitos, muitos incentivos. E existem diferentes tipos. Alguns países não aplicam nenhum imposto corporativo,  uns de quase zero aos operadores de transporte marítimo. Outros países têm impostos calculados com base no peso que os navios podem transportar e não no lucro que obtêm.

Grazi: Multinacionais do transporte maritmo, que poluem mais por atuarem no mundo todo com embarcações gigantescas, acabam contribuindo com bem menos impostos do que um barco pesqueiro que atua apenas no próprios países, exemplifica a Franziska:

Franziska:  Para entender isso, a gente pode pensar em dois navios ancorados no mesmo porto, o primeiro pertence a uma empresa de pesca local e o outro a uma empresa de navegação internacional gigante, tipo de Delta ou lloyd não sei. Os dois navios utilizam a mesma quantidade de combustível para funcionar, mas o navio da empresa local não é sujeito a um regime de imposto sobre a tonelagem. Isso significa que essa empresa local paga uma taxa de imposto cooperativo de 35% sobre os lucros obtidos com a venda de peixe. O navio de alto mar, que está registrado num país distante que oferece um regime conveniente de imposto sobre tonelagem, para essa empresa a taxa de imposto é de 5%.

Dani: Cada episódio do É da Sua Conta fica cada vez mais nítido que as corporações multinacionais encontram todas as brechas para cometer abuso fiscal.

Quais são as consequências, em especial para o Sul Global, destes abusos ficais cometidos pelas multinacionais do transporte marítimo?

Franziska:  Bem, obviamente uma resposta é dinheiro. Não há receitas públicas suficientes. As comunidades mais vulneráveis ao aquecimento global, no sul global, simplesmente não têm dinheiro suficiente para se adaptarem e mitigarem os efeitos da crise climática.

Grazi: O estudo da Tax Justice Network propõe revisar as injustas e insustentáveis isenções fiscais já existentes às corporações que realizam transporte marítimo internacional.

O mínimo que poderia ser feito é igualar a tributação das multinacionais ao que pagam as empresas nacionais de transporte marítimo.

O imposto seria sobre o lucro das empresas e não um tipo de imposto sobre o consumo.

Franziska: os governos no mundo inteiro que não param de dizer aos cidadãos que não têm dinheiro público suficiente. Obviamente isso não é verdade. Há muito, muito dinheiro suficiente para todo mundo, mas esse dinheiro é, em primeiro lugar, distribuído de forma desigual e, em segundo lugar, a política fiscal tributária incluindo os incentivos pode reduzir muito mais as receitas públicas já baixas.

Dani: Se as corporações multinacionais do transporte marítimo contribuissem de maneira justa com os impostos, o montante arrecadado poderia ser convertido para a transição de combustiveis fósseis para uma alternativa limpa.

sobe música

Grazi: O recurso arrecadado com o fim dos incentivos fiscais às multinacionais do setor marítimo internacional também poderia ser utilizado para buscar alternativas na produção de alimentos pelo mundo, e com isso diminuir a dependência das cadeias globais.

Seria o mundo capaz de produzir alimentos mais próximos de casa e não depender de países que são tidos como “fazendas globais”?

Peter Rosset: Então, é um mito é uma mentira de que a agricultura industrial do agronegócio é mais produtiva. Ela é mais produtiva de lucro para um pequeno número de empresas e investidores nas empresas.  Mas não é mais produtivo de alimentos saudáveis, não é mais produtivo de emprego, não é mais produtivo de vida com dignidade, só produz miséria e comida não saudável e mudança climática.

Dani: Este é o Peter Rosset, professor de agroecologia num centro de pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia do México e também professor visitante em duas universidades brasileiras e outra na Tailândia.

Peter: A primeira coisa que tem que entender é que a soja brasileira não é alimento para seres humanos. É alimento para animais para gado, para galinhas, para porcos produzidos sob condições de confinamento de maneira muito intensiva pelas multinacionais da carne.

Grazi: O Brasil exportou mais de 100 milhões de toneladas de soja em 2023, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cerais.   A maioria destes grãos foi embarcada para China, Holanda e Espanha e é utilizada como ração para animais.

Peter: A produção de parte do agronegócio das multinacionais da carne, é uma produção intensiva dos animais condições extremas de confinamento como, por exemplo, os hotéis de porcos de sete andares ou dez andares na China, os filhotes de porco, de gado de galinhas na Europa, no México, nos Estados Unidos, que, em realidade, tem o efeito de eliminar a produção camponesa da agricultura familiar de carne do mercado, porque concentram o mercado com práticas comerciais desleais para excluir o pequeno produtor do mercado de carne.

Dani: A produção dos grãos de soja causa desmatamentos, especulação com terras, além da utilização de muita água e uso intensivo de agrotóxicos, o que contribuiu para a crise climática.

Peter: O problema é essa produção de animais confinados, que pratica o agronegócio a nível mundial, que depende dessas grandes extensões de terras dedicadas à produção de alimentos para animais. O seu transporte internacional com grandes emissões de gases de efeito estufa, o desmatamento mundial  Estão destruindo o modo de vida da agricultura camponesa porque estão concentrando os mercados de carne, excluindo a agricultura camponesa do acesso aos mercados. Estão fazendo desmatamento, estão produzindo carne com hormonas de crescimento com antibióticos, a produção de micróbios resistentes a antibióticos e esses lugares de produção massiva de animais com confinamento e densidade extrema, é o criadeiro perfeito para novas doenças, novos vírus, novas bactérias resistentes aos diferentes tratamentos existentes.

Grazi: A agroecologia é defendida por Peter Rosset e por movimentos camponeses no mundo todo como uma maneira saudável de cultivar alimentos e criar animais, além de reduzir os efeitos da crise climática.

Peter: Sem dúvida, uma parte da humanidade consome um excesso de carne, mas isso não significa que todas as pessoas tenham que ser vegetarianas. O problema é a forma da produção da carne.  Se é uma carne camponesa de agricultores familiares com práticas agroecológicas, com a rotação entre culturas e pastagem, com reciclagem do esterco animal como fertilizante para as culturas, então a produção animal, produção de carne pode ser ecológica e até melhor para a mudança climática.

Dani: As multinacionais da carne fizeram parte da humanidade acreditar que precisamos ingerir muitas proteínas e, com isso, consumir muita carne.

O podcast prato cheio explica direitinho como sonhos imperialistas e interpretações equivocadas fizeram a gente chegar a esse ponto. Na descrição desse episódio, em www.edasuaconta.com, você encontra o link para ouvir O Império da Proteina.

Grazi: Peter, como desconcentrar o poder das multinacionais da carne e fazer com que a população mundial possa ter acesso aos alimentos produzidos agroecologicamente?

Peter: Precisa compreender a agroecologia como um elemento na construção do que os movimentos camponeses do mundo chamam de soberania alimentar, que é mudar o sistema agro alimentário mundial de um sistema globalizado nas mãos das multinacionais que depende de transporte internacional em barco em avião, em caminhão com grandes emissões de gases de efeito estufa.

Dani: Mas a agricultura camponesa seria capaz de produzir alimentos saudáveis para os 8 bilhões de habitantes do planeta?

Peter: Cada país tem os recursos necessários para alimentar sua própria população, não precisa de exportação e importação de alimentos, e os alimentos, quando produzidos a nível local,  pela agricultura camponesa com as práticas agroecológicas, não emitem gases de efeito estufa, não contamina as águas com agrotóxicos, não produz carne com antibióticos e hormônios, não depende de culturas transgênicas.

Grazi: Como fazer a transição, ou seja, parar de produzir soja, de criar animais em péssimas condições e possibilitar a agroecologia em escala mundial?

Peter: O Movimento Camponês Mundial organizado na Via Campesina Internacional, a Via Campesina Brasil, tem clareza total de qual é o caminho. O caminho é a soberania alimentar agroecologia, reforma agrária ou aplicar as leis anti-monopólico contra os monopólios do agronegócio, mas isso precisa de vontade política e isso não existe.

Dani: Para Peter Rosset, a falta de vontade política está relacionada aos benefícios que as corporações internacionais oferecem praqueles que tem o poder de decidir sobre o que servimos  nas nossas mesas:

Peter: O sistema atual, não só falo do Brasil, falo do mundo dos partidos políticos que são dependentes do dinheiro do setor privado para financiar suas campanhas, a corrupção, a compra de votos que existem em todos os países faz muito difícil fazer essa transição, ainda que seja uma transição que desde qualquer perspectiva científica ou de justiça social, justiça climática, justiça com os direitos da natureza, é uma transição lógica necessária. Mas o fator do dinheiro no sistema político faz impossível até agora fazer essa transição.

Grazi: Para as organizações que fazem parte da Via Campesina, o modelo agroalimentar que respeita as pessoas e o planeta já está sendo construído:

Peter:  As organizações estão modelando em seus territórios a viabilidade da alternativa da agroecologia, da reforma agrária, da defesa do território, da produção de alimentos saudáveis, da não emissão de gases de efeito estufa. O movimento camponês, o movimento indígena as organizações quilombolas, pescadores artesanais, estão modelando, mostrando na prática que outro modelo, outro mundo é possível, mas precisa de muita luta para construir a vontade política necessária para transformar o sistema.

Dani: A emissão de gás carbono e poluição causadas pelo  transporte marítimo seria então desnecessária segundo o Peter Rosset, já que as populações na China e na Europa, por exemplo, poderiam ser alimentadas de maneira saudável por agricultores locais.

E também evitaria  impactos ambientais no Brasil pois grandes embarcações precisam de grandes portos. Portos enormes, expulsa as comunidades que vivem no entorno deles, como acontece no Pará.

Mas quando a população se une, consegue tomar nas mãos o poder de decisão e consegue fortalecer também a própria economia!

William Vitor: Eu sou William Vitor, tenho 22 anos de idade, Atuo na comunidade do bairro Pérola do Maicá, localizado em Santarém Eu sou morador, sou o segundo secretário da associação de moradores do bairro Peral do Maicá E também sou um dos idealizadores do projeto de turismo de base comunitária encantos do Maicá.

Então, o Lago do Maicá é bem diverso, tanto de fauna e flora. Ele está numa parte aqui de Santarém,  que um professor da Universidade do Oeste do Pará, falou que é uma área que faz parte da migração e pássaros. Então é muito fácil a gente encontrar variedade de pássaros, variedade de espécies de peixes A gente pode encontrar  boto, ariranha, peixe-boi. Então é muito lindo. Inclusive no pôr do sol também é um dos mais bonitos que tem na nossa cidade.

Lago do Maicá tem uma extensão de 44 km de distância Então, ao entorno do lago nós encontramos diversidades de comunidades. No bairro onde eu moro, que é onde a gente começa, de fato, o lago do Maicá, que é no bairro Pérola do Maicá há uma variedade de pessoas, né? É fácil encontrar nesse bairro quilombolas, pessoas não indígenas mas também alguns indígenas, população tradicional, como agricultor familiar, artesão, artesã.

Grazi: As comunidades no entorno do lago exigiram o direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de serem consultadas sobre os impactos antes da construção de um porto para o transporte de soja em 2019.

Disseram NÃO ao porto. E em 2022, também por pressão popular, a justiça de Santarém proibiu a construção de qualquer novo porto no Lago do Maicá.

William: Para muitos moradores, pescadores, agricultores familiares, artesãs, eles dependem muito dessa grande área, principalmente do lago. Então o pescador ele depende do lago tanto para a pesca como o seu alimento, mas também da pesca para vender. Nessa região do Maicá ainda é muito fácil de encontrar esses pescadores que batem de porta em porta.  Agricultores familiares também dependem muito do Lago do Maicá. Tem muitos agricultores que são ribeirinhos e eles fazem sua produção no Lago do Maicá.

Dani: Para fortalecer ainda mais a economia local, a juventude das comunidades criaram, em 2021, o Encantos do Maicá, um projeto de turismo de base comunitária.

William: ele é um projeto que vai somar ali com o pescador, o pescador tem sua renda da pesca, e a gente entra ali como uma somatória, né, a gente chama esse pescador que quer contribuir com a gente, pergunta se ele topa fazer um passeio, então a gente articula com ele, e ele vai levando as pessoas, né, e aí como pescador também ele se torna o condutor, né, da sua bajara, da sua embarcação. E leva essas pessoas para conhecer o lago, porque quem não melhor um pescador apresentar o lago de Maicá para visitante?

Grazi: A culinária, os alimentos da agricultura e o trabalho de artesãos e artesãs locais também fazem parte do Encantos do Maicá.

A maior parte das pessoas que visitam o Lago através do projeto são aquelas que moram nas áreas urbanas de Santarém, e que, após o passeio, estreitam a relação de cuidado com o Lago do Maicá.

William: E, sim, nós percebemos um grande avanço, principalmente a relação desses moradores com o cuidado, porque o turismo de base comunitária não é somente apresentar o Lago do Maicá como uma fonte de turismo uma fonte de beleza, mas mostrar o Lago do Maicá e sua relação como um cuidado de fato. Como a gente pode construir um turismo de base comunitária Um turismo que faça com que essas pessoas tenham um senso crítico por sua realidade, tenham um senso crítico de como é eu posso ajudar a contribuir com a preservação do lago, tenham um senso crítico de como é que eu posso ser um morador, um colaborador junto com a associação de moradores, junto com essa relação intercomunitária junto com essa relação de vivência realmente.

Dani: O Encantos do Maicá é um bom exemplo de que a economia local pode ser fortalecida ao mesmo tempo que conserva o meio ambiente.

música

Grazi: A Franziska Mager, pesquisadora da Tax Justice Network, alerta que tributação é apenas uma das políticas que podem ser utilizadas para descarbonizar a economia.

Franzisca: Precisamos de soluções políticas mais radicais ainda, incluindo o combate ao abuso fiscal e o sigilo financeiro. O sigilo financeiro esconde os proprietários de investimentos e de ativos com elevada pegada de carbono, por exemplo. Existe também um desequilíbrio estrutural de governação que significa que a OCDE define as regras em matéria de tributação global. Isso precisa ser reformado e felizmente estamos vendo agora o início desse processo democrático se desenrolar nas Nações Unidas.

Grazi: A convenção tributária na ONU de fato é um momento bastante oportuno para vincular os movimentos de justiça tributária como outros movimentos por justiça, como é o caso da justiça climática.

Sergio Chaparro: O movimento de justiça tributária fez grandes avanços nos últimos anos e está prestes a obter vitórias políticas históricas este ano. Como o convênio marco das Nações Unidas sobre Tributação. E o movimento da justiça climática tem organizado uma mobilização global com atores diversos que é muito importante para avançar medidas específicas.

Dani: Sergio Chaparro, líder de incidência internacional da Tax Justice Network.

Sergio: Os sucessos do movimento da justiça tributária da transparência sobre os lucros e os impostos das maiores corporações multinacionais, até uma possível revolução democrática na forma como as regras tributárias globais são determinadas, têm enormes impactos e potencial para o movimento pela justiça climática.

Grazi: Isso porque existe uma conexão entre os poucos bilionários que pagam menos impostos e poluem mais com a grande maioria da população, que vive com baixa renda e é mais afetada pela crise climática.

Sergio: Desfazer essa injustiça, reprogramar nossas economias, tem sido o objetivo central de ambos os movimentos. Então, os impostos podem ser uma ferramenta poderosa para que a justiça climática priorize as necessidades ambientais e econômicas das pessoas, em vez dos incentivos dos maiores e mais ricos poluidores e extratores.

Dani: A Franziska e o Sergio são autores de um estudo lançado em junho de 2023 pela Tax Justice Network que pode ser considerado  um guia para ativistas da justiça climática para garantir uma transição justa na tributação do carbono.

O link para o estudo, em inglês, está na descrição do episódio, que você encontra em www.edasuaconta.com.

Sergio: Então, o documento de posicionamento que a gente elaborou apresenta uma série de políticas tributárias para atender alguns dos desafios enfrentados pelo movimento de justiça climática, como a lacuna de financiamento climático, os desequilíbrios contínuos entre os responsáveis pela crise climática e os mais afeitados, os legados da injustiça climática histórica, a inércia política e a falta de cooperação global.

Grazi: Um dos temas que vem sendo proposto pela OCDE, o clube dos países ricos, o Fundo Monetário Internacional e muitos governos é a precificação do carbono.

Precificação do carbono é dar um valor monetário a ele e cobrar pela emissão. Um grande risco desse mercado é  permitir a poluição, desde que se pague por ela.

O relatório da Tax Justice Network aponta que esse tipo de precificação do carbono mantém ou até aprofunda as desigualdades.

Sergio: Apesar de ser verdade que a precificação do carbono tem um papel necessário a desempenhar, a reprecificação é uma parte limitada do que a política tributária pode fazer pela justiça climática, sem mencionar os riscos de seus impactos regressivos sobre grupos vulneráveis. Apesar de o preço do carbono pode proteger e compensar os grupos vulneráveis, a reprecificação não consegue lidar com a distribuição desigual das emissões que, em primeiro lugar, torna necessário um preço de carbono muito mais alto.

Dani: Quais são as recomendações da Tax Justice Network para tributar de maneira justa, por exemplo, as corporações internacionais do setor marítimo?

Sergio: Para o setor marítimo, o imposto ou as taxas projetadas precisam considerar como incorporar uma dimensão de justiça global, de modo que os países de renda baixa e média renda possam desenvolver seus próprios setores com um tratamento tributário mais favorável do que, digamos, as empresas estrangeiras que operam em países de renda baixa e média.

Grazi: As soluções propostas pela Tax Justice Network também para a justiça climática são baseadas nos princípios da justiça tributária conhecidos como os 5 Rs: Receita, redistribuição, reprecificação, representação e reparação.

Dani:  Os 5Rs da tributação podem guiar os processos de transições justas necessárias para garantir os direitos das pessoas e considerar os limites ecológicos do planeta.

Sergio: É importante dizer que uma transição justa é muito cara, exigindo a descarbonização dos sistemas de energia, dos sistemas de transporte mas também investimentos em moradias e planos industriais verdes serviços sociais como a saúde e muito mais. Tudo com o objetivo conjunto de descarbonizar e combater a desigualdade. Os custos são significativos sim, mas são insignificantes em comparação com o custo da inação. É nesse ponto que o valor da justiça tributária para o movimento de justiça climática é mais óbvio.

BG FECHAMENTO

Grazi: Os próximos dois anos são essenciais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Ainda dá tempo de salvar o planeta, segundo o secretário executivo da convenção do clima da ONU, Simon Stiell. Para ele, é muito óbvio que o financiamento é central no combate à crise climática.

Com países de todo o mundo reunidos nas Nações Unidas para elaborar uma convenção tributária, o momento é o mais oportuno para fortalecer as alianças entre os movimentos por justiça fiscal e climática.

Os ativistas pelo clima tem se aproximado de forma certeira do tema da tributação para evitar que regras e benefícios minem um princípio importante, o de poluidor-pagador.

Juntos, movimentos por justiça fiscal e climática demandam que a tributação internacional também arrecade receitas para o financiamento climático, para o fundo de perdas e danos e para realizar as transições justas de modelos de desenvolvimento, produção e comércio centradas nas vidas humanas e conservação do meio ambiente.

BG

Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.

Dani: Te desejo uma excelente continuação de manhã, tarde ou noite… Abraço fraterno e até o próximo!


Outras Fontes

1

Reportagem da Terra sobre incêncios em Corumbá, no Mato Grosso do Sul.

2

“O Império da Proteína” episódio do podcast Prato Cheio

3

How corporate tax incentives undermine climate justice – relatório da Tax Justice Network.

4

Delivering climate justice using the principles of tax justice: A guide for climate justice advocates

5

#4 A tributação pode solucionar a crise climática?

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