#61 Passos históricos para convenção tributária equitativa
#60 Imposto mínimo global aos super ricos: como?
#62 Discriminações contra mulheres se combate com justiça fiscal
Convidadxs

Pela primeira vez na história, os 193 estados das Nações Unidas se sentaram na mesma mesa, com igual poder de voto, pra discutir as regras de funcionamento da convenção marco de tributação internacional. O primeiro passo foi dado entre abril e maio de 2024; o segundo será entre julho e agosto e, no fim dese ano, as regras serão votadas na Assembleia Geral das Nações Unidas.

A iniciativa, liderada pelos países da União Africana, é considerada a chance que as populações do mundo têm para que os recursos para as políticas públicas tão necessárias cheguem aos orçamentos dos Estados ao invés de serem desviados à paraísos fiscais por uns poucos bilionários e grandes corporações. Como o primeiro passo foi dado e as consequências para o futuro  estão no episódio #61 do É da Sua Conta.

Ouça no episódio #61:

  • Resultados da primeira sessão que define os marcos da ConvençãoTributária na ONU;
  • Há 50 anos: o movimento pela independência econômica e o estabelecimento da Nova Ordem Econômica Internacional na ONU;
  • O que fazer com 5 trilhões de dólares? Sonhos de políticas públicas de ouvintes do É da Sua Conta;
  • Próximos passos: lições de momentos históricos na ONU para o movimento de justiça fiscal.

“É importante que os estados mais ricos da OCDE entendam que uma convenção desta natureza traz benefícios para todos os países. E os abuso fiscais também afetam as suas populações.”
 ~ Sérgio Chaparro, Tax Justice Network

“ Estou otimista com o nível de transparência dessas negociações; existem muitos pontos de encontro sobre a possibilidade de construir um instrumento que seja progressivo. Essa convenção tem a possibilidade de entregar para os povos um marco tributário internacional adequado para as nossas necessidades.”
 ~ Florencia Lorenzo, Tax Justice Network

Áudios históricos: Kwame Nkrumah, presidente do Gana e Michael Manley, primeiro ministro da Jamaica
Dublagens: Zema Ribeiro  e Edson Pinheiro Pimentel.

Transcrição

Grazielle David: De 26 de abril a oito de maio de 2024, representantes de governos do mundo todo e pessoas que lutam por justiça fiscal estiveram reunidas para elaborar os termos de referência para o funcionamento de uma Convenção Tributária na ONU. Esta é a melhor chance da história para evitar que cerca de 5 trilhões de dólares sejam levados a paraísos fiscais nas próximas décadas…

Daniela Stefano: Imagina se esses 5 trilhões de dólares fossem incorporados às receitas dos países… E que os países investissem esses trilhões em políticas públicas… Se dinheiro não é problema, qual é o seu sonho de política pública? O que você mais gostaria de ver realizado?

Alda Cotta: Salve, gente querida. Meu sonho é que esses 5 trilhões de dólares deveriam ser totalmente investidos para conter a crise climática e todo o dano que virou um pesadelo De vermos o fim do planeta. Que os bilionários e milionários paguem por seus crimes de lesa humanidade é o mínimo que deveriam fazer. Abraço.

Dani: A Alda Cotta, ouvinte brasileira na Holanda e outras pessoas que nos acompanham o É da Sua Conta pelo whatsapp vão compartilhar o sonho delas ao longo desse episódio. Mas para que estes sonhos de políticas públicas se realizem no mundo todo é preciso primeiro democratizar o espaço de decisões tributárias internacionais, que, por hora, seguem beneficiando super ricos e as grandes corporações… Será que desta vez a justiça fiscal vai acontecer?

Grazi: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.

Dani: E eu a Dani Stefano. O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal. Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.

Grazi: Os nove dias históricos que constroem a Convenção Tributária da ONU são o tema do episódio #61 do É da Sua Conta.

Dani: Como você já ouviu na abertura desse episódio, entre 26 de abril e oito de maio de 2024  aconteceu a primeira sessão de construção das regras para a elaboração da Convenção Tributária na ONU. A segunda sessão acontecerá entre julho e agosto e no fim desse ano, as regras serão votadas na Assembleia Geral das Nações Unidas. Esses passos são históricos porque, pela primeira vez,  os 193 estados das Nações Unidas discutem os parâmetros de uma convenção marco sobre tributação internacional.

Grazi: Os pilares das regras que temos até hoje foram definidos há mais de um século, em 1920, na Liga das Nações.  A Liga foi a primeira organização intergovernamental do mundo, criada após a primeira guerra mundial. Nessa época, muitos dos atuais estados africanos, asiáticos e caribenhos  ainda eram colônias.

Dani: Assim, o que rege a tributação internacional está ultrapassado! As regras não são inclusivas e refletem as desigualdades impostas pelas dinâmicas imperial e colonial. E o colonialismo segue presente nos espaços de discussão da tributação internacional. Até esses nove dias na ONU que marcam o início da construção da Convenção Tributária, as discussões sobre tributação internacional só ocorriam na OCDE, o clube dos países ricos, por uma encomenda do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo. E muitos desses países foram colonizadores do restante dos países do mundo.

Grazi: No cenário da tributação internacional, o último século foi marcado por uma disputa entre ONU e OCDE como espaço de discussão e acordos; Nos anos 1980 e 1990, de fortalecimento do neoliberalismo, também ocorreu a prepoderância da OCDE. Em 2013 a OCDE, por um mandado do G20, começou o processo chamado BEPS para a tributação corporativa internacional. Entretanto, somente seus países membros ricos  têm direito a voto. E se só países ricos votam, a OCDE não é o espaço de construção democrática dos processos e acordos a respeito da tributação internacional.

Dani: Mudar o espaço de negociação das questões de tributação da OCDE para as Nações Unidas é uma oportunidade única e justa para redefinir os parâmetros do sistema tributário internacional com todos os países tendo um lugar na mesa, tanto para escutar quanto para votar.

Grazi: Nesta etapa da Convenção Tributária na ONU as regras do jogo estão sendo preparadas.  É uma fase importante porque definirá a tomada de decisões  e portanto, fundamental para garantir que as populações do Sul Global sejam de fato beneficiadas, por exemplo, na distribuição do poder de tributação entre os países e onde e como os recursos arrecadados serão aplicados.

Vitor Barbosa: Vítor Barbosa, falo a partir de Angola. Deve-se dar prioridade entre as políticas públicas àquela que garante o direito à educação, com prioridade para a educação das crianças desde a primeira infância.  Se este direito humano for garantido, e dentro da própria educação, Existir a educação para os direitos humanos, nós teremos uma sociedade com uma cultura de direitos humanos e por conseguinte temos o desenvolvimento de competências da humanidade para ir respondendo aos desafios que o mundo nos vai apresentando.

Dani: Essa não é a primeira vez que países do Sul Global tentam mudar as regras da economia através das Nações Unidas. Há 50 anos, um bloco de países conseguiu que a ONU criasse uma resolução para aprovar a Nova Ordem Econômica Internacional. Estes países se orgulhavam de serem chamados de terceiro mundo por se enxergarem como uma opção diante do primeiro mundo capitalista e do segundo mundo socialista; eram os países que acreditavam num mundo mais justo e igualitário.

Kwame NKrumah: Caros combatentes da liberdade, camaradas e amigos, é com grande prazer que lhes dou as boas-vindas a Acra e a esta conferência africana de combatentes da liberdade e apoiadores do crescente movimento de libertação e unidade da África.

Grazi: Este é um dos famosos discursos do pan africanista Kwame Nkrumah, o líder político de Gana que influenciou o processo de independência em todo o continente africano. Em 1957, Gana se tornava o primeiro país na África a conquistar a independência do Reino Unido.

Nkrumah: A África é rica e não pobre. Como o grande mundo que foi retirado do nosso continente ao longo de cinco séculos de expoliação e extorsão. África tem uma imensa riqueza real e potencial. Ouro, diamantes, cobre, manganês, bauxita, minério de ferro, urânio, amianto, crômio. Uma série de outros minerais.

Dani: Mas ao conquistar a independência, os líderes africanos percebem que, na verdade, suas economias seguem dependentes: seus minérios e outras riquezas continuam sendo explorados pela Europa e Estados Unidos. Desenvolvimento e bem estar não chegam às populações africanas. Nkrumah definiu o período pós independência como  neocolonialismo.

Nkrumah: Levanto esta questão para que ela permaneça nas nossas mentes quando formos tentados pelas promessas sedutoras do neocolonialismo, a esquecer o verdadeiro carácter do imperialismo colonialista e a ser persuadidos a abandonar os nossos verdadeiros interesses e os de África. Hoje, temos de nos ver como parte de África, para podermos enfrentar o imperialismo colonialista e a sua nova forma, o neocolonialismo, em todo o continente.

música Exodus, de Bob Marley

Grazi: A frase We know where we’are going, sabemos para onde estamos indo, cantada por Bob Marley na música Exodus era também o slogan da campanha eleitoral de Michael Manley que concorria a reeleição como primeiro ministro. Era uma época de muita violência política, em especial provocadas pela oposição à Manley, e que causou centenas de mortes. Pra tentar aliviar a tensão, Bob Marley planejou um show, em dezembro de 1976. Dois dias antes, a casa dele foi atacada e ele levou um tiro. Assim mesmo, se apresentou.

Dani: No tempo em que o Brasil ainda estava mergulhado numa ditadura, as ilhas caribenhas que, como os países africanos, também passaram pelo processo de independência estavam se levantando e se unindo para tentar criar economias fortes, com preços e comércio justos e não ditados pelos países de alta renda. Para o então primeiro-ministro jamaicano Michael Manley os novos países enfrentavam um dilema, conforme ele explica nessa entrevista da época, concedida a um jornalista estadunidense.

Michael Manley:  É o dilema de estar dependente da produção de certos tipos de matérias-primas, como o trigo, por exemplo, ou o açúcar. Há países que estão dependentes, por exemplo, da produção de algodão. Em primeiro lugar, os preços que historicamente se praticam para a exportação dessas coisas não se movem tão rapidamente como os preços de todos os produtos manufaturados que nós temos de importar dos grandes centros como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Europa. E, como resultado, estamos constantemente transferindo riqueza dos países mais pobres para os países mais ricos, porque é preciso pagar com cada vez mais e mais açúcar para comprar um trator ou um automóvel.

Grazi: E para quebrar o dilema, Michael Manley acreditava que a tomada de decisões internacionais precisava incluir os países que naquela época eram chamados de terceiro mundo.

Manley: Historicamente, as grandes sedes do poder econômico nas chamadas metropóles pelo simples poder da sua influência econômica, têm dominado a tomada de decisões econômicas no mundo e, como consequência, têm sido os beneficiários das decisões que são tomadas em detrimento e prejuízo do chamado terceiro mundo.

Dani: Mas como enfrentar o dilema dos países do terceiro mundo?

Manley: Bem, não vejo outra saída, a não ser o desenvolvimento de estratégias no âmbito daquilo que chamamos de uma nova ordem econômica mundial.

Grazi: O primeiro ministro jamaicano Michael Manley foi um dos idealizadores da Nova Ordem Econômica Internacional, que foi formalmente apresentada pelos países do Terceiro Mundo às Nações Unidas.

Manley: O que sentimos é que não é saudável estar muito dependente de certos tipos de relações. E, na verdade, o que tentamos fazer é construir a mais forte base possível para a nossa economia, que garanta um tipo de liberdade de ação econômica. E depois espalhar o mais amplamente possível esse tipo de rede com relações externas.

Dani: A independência só faria sentido se os países pudessem decidir sobre o uso, valor e tributação dos próprios recursos, ao invés dos países ricos decidirem quanto queriam pagar por eles.

Manley: Tentamos garantir que a exploração dessa matéria-prima traga o máximo benefício possível ao nosso povo e corresponda ao sentido das nossas prioridades nacionais. Recentemente, introduzimos uma taxa sobre a nossa produção de bauxita na Jamaica. Esta taxa teve o efeito de multiplicar por oito as receitas da Jamaica provenientes da exploração de, penso eu, 15 milhões  de toneladas de bauxita por ano. Somos um dos maiores produtores do mundo. Assim, antes recebíamos 25 milhões de dólares por ano de receitas por toda esta bauxita, agora recebemos 200 milhões de dólares por ano.

Grazi: A chamada Declaração para o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional foi aprovada unanimemente pelos países do então terceiro mundo e socialistas em 1974 na Assembleia Geral das Nações Unidas. Apenas oito países-membros da OCDE foram a favor e os demais países industrializados votaram contra a resolução ou se abstiveram. E com o boicote dos países ricos, a resolução ficou no campo das recomendações.

Dani: Existem muitos outros fatores que explicam o boicote à nova ordem econômica internacional mas … o É da sua Conta tem só 30 minutos. Então só pra ficar num exemplo: nesses momentos em que o Sul Global tenta se levantar, os Estados Unidos costumam estar por trás de alguma ação para manterem o próprio poder. No caso jamaicano, estavam por trás da violência extrema dos apoiadores da oposição política a Michael Manley, que iniciaram os ataques antes das eleições de 1976  e só pararam quando Edward Seaga, candidato favorito do governo estadunidense foi instalado como primeiro ministro, em 1980.

Grazi: Mas ainda assim, ao longo destes 50 anos, os países do Sul Global conseguiram avançar na ONU; mudaram de estratégia e passaram a defender o desenvolvimento em seus países como um direito humano, por exemplo. Dessa forma, os países do Norte foram cedendo e, em 1980, o desenvolvimento foi declarado como direito humano na ONU.

música Exodus, Bob Marley

Rosbelli Rojas: Vou falar em espanhol bem devagar para que me entendam. Porque gostaria de falar de uma política pública fundamental: Poderiam-se criar pontes de acesso aos países que recebem imigrantes. E uma ajuda humanitária realmente focada para essas pessoas. De 100% da população que emigra um 45% são meninos e meninas e adolescentes que estão em idades ainda de Que não podem trabalhar, que devem estudar, que devem receber ajuda de seus pais, que muitas vezes estão de mãos atadas por causa da falta de trabalho, a falta de ajuda, de realmente colaboração. A ajuda humanitária seria mais focada em um trabalho digno para cada um desses pais, de uma escola digna que receba com amor e com verdadeira equidade aos meninos e meninas e adolescentes que vão para essa escola.

Dani: Para que o sonho da Rosbelli Rojas, ouvinte do É da Sua Conta venezuelana que vive no Brasil possa ser realizado, a União Africana vem, há anos, liderando o processo de construção da Covenção Tributária na ONU. Foram os países africanos, com muita inteligência e diplomacia, que conseguiram aprovar, em dezembro de 2023 uma Resolução na ONU para que tivesse início o processo de construção da Convenção Tributária, mesmo com a resistência da maioria dos países da OCDE. As históricas posições divergentes entre países ricos da OCDE e países do sul global continuaram também durante os nove dias históricos de elaboração dos termos de refência da Convenção marco de tributação internacional na ONU.

Sergio Chaparro: Os países ricos da OCDE, que votaram contra uma resolução do ano passado, transformaram sua oposição ao processo em uma tentativa de reduzir seu escopo ou de adiar as decisões o máximo possível. Também vemos que eles argumentam que as decisões devem ser tomadas por consenso, que são necessários mais estudos, mais tempo para considerar as questões, que ainda não deve haver discussões substanciais.

Grazi: Sérgio Chaparro, coordenador de advocacy da Tax Justice Network estava na ONU em Nova Iorque durante a primeira sessão da construção da Convenção Tributária.

Sergio: Por outro lado, os países do sul global, com a pressão que sofrem para atender as necessidades de suas populações, como os recursos que são perdidos diariamente devido a abusos fiscais, pedem que a convenção seja ambiciosa, que se busque o consenso, mas que o progresso seja feito por maioria simples, de acordo com as regras estabelecidas pela ONU, caso haja estados que busquem obstruir o progresso.

Dani: Em quais temas houve mais embate entre os grupos dos países ricos da OCDE e dos países do sul global?

Sergio: Houve questões mais controversas: a distribuição justa dos direitos de tributação, questões de tributação corporativa, por exemplo. Mas os estados chegaram a um acordo sobre um roteiro para tratar dessas controvérsias em uma segunda sessão e também avançarmos em alguns acordos sustantivos básicos sobre temas que a convenção deveria incluir.

Grazi: Quais temas conseguiram apoio da maioria?

Sergio: Houve questões sobre as quais parece haver consenso, do que devem fazer parte da convenção, por exemplo, questões de mobilização de recursos, capacitação, impostos ambientais e climáticos, e, até certo ponto, também impostos sobre a riqueza.

José Carlos da Silva: José Carlos da Silva, funcionário público municipal no município de Comodoro, Mato Grosso. E o meu maior sonho era ver políticas públicas voltadas com tecnologias socioambientais para desenvolver tanto a agricultura familiar como também a agricultura familiar indígena. E o sonho seria estar utilizando de ferramentas de tecnologia socioambientais com técnicos formados e capazes para desenvolver essas ferramentas para trabalhar os sistemas agroflorestais, para trabalhar recuperação de áreas degradadas, para produzir alimentos de forma Sustentável no modelo agroecológico, no modelo de agroflorestas, para produzir alimentos e produtos de forma sustentável.

Dani: Sérgio, qual impacto  o processo da convenção tributária da ONU tem na vida de quem, por exemplo, está te ouvindo agora no É da Sua Conta e que tem muitos sonhos de políticas públicas para serem realizadas?

Sergio: Como o movimento de justiça fiscal e também o movimento de direitos humanos tem falado recentemente, sem recursos não há possibilidade de garantir os direitos, e o que esta convenção está discutindo é se os estados vão encontrar formas de cooperar, mais inclusivas e efetivas, para mobilizar os recursos que eles precisam para garantir os direitos de suas populações.

Grazi: E a partir de quando será possível ter esses recursos a mais para garantir os direitos das populações?

Sergio: Quando falamos de uma convenção marco, falamos de um desenvolvimento progressivo de um regime legal internacional. Mas é possível conseguir vitórias tempranas porque essa é a discussão da negociação dos protocolos, que são instrumentos que facilitam o desenvolvimento dos contenidos da convenção, e, se esses protocolos vão ser negociados simultaneamente à convenção mesma.

Dani: Ou seja, ainda está indefinido quando os primeiros resultados vão ocorrer.

E como se posicionam os países ricos da OCDE e os do sul global em relação a  esses protocolos que foram negociados?

Sergio: Os países de ingressos médios e baixos estão reclamando a possibilidade de negociar protocolos tempranos simultâneos sobre os temas mais urgentes. Por exemplo, combate aos fluxos financeiros ilícitos,  transparência tributária, geração dos dados que são necessários para entender melhor o problema. Mas, por exemplo, os países ricos da OCDE estão opostos aos protocolos tempranos simultâneos.

Grazi: Ainda não estão explícitas as estratégias por trás da resistência intensa aos protocolos imediatos. O que se sabe é que os países mais “ricos” não querem distribuir os direitos de tributação e não querem perder o controle na tributação internacional. Pode ser uma estratégia para ganhar tempo, pode ser um instrumento de barganha no processo de elaboração da Convenção mesma.

Michele Carvalho: Olá, eu sou Michele Carvalho, falo aqui da cidade de São Paulo e com certeza o meu sonho de política pública é a renda básica cidadã, né? Para que todo cidadão brasileiro e também do mundo, né? Pudesse ter uma renda para pelo menos viver com dignidade, né? Conseguir pôr uma comida na mesa, né? Pagar um teto.

Dani: No episódio #39, o É da Sua Conta trouxe os motivos que tornam uma Convenção Tributária nas Nações Unidas o lugar  mais democrático e transparente para que essas negociações ocorram. A nossa colunista, a pesquisadora da Tax Justice Network Florencia Lorenzo analisa o que o movimento de justiça fiscal pode aprender com outros momentos históricos na ONU. Como relembramos aqui no É da Sua Conta, há 50 anos as Nações Unidas aprovaram a declaração da Nova Ordem Econômica Internacional, que foi um chamado radical dos países do Sul para democratizar a tomada de decisões econômicas e redistribuir os ganhos do comércio global. Mas ela não foi efetivada… Florencia, que lições os países que agora lideram as negociações para uma convenção tributária na ONU podem tirar desse episódio?

Florencia Lorenzo: Eu acho que um ponto-chave é a importância de usar de forma efetiva e ambiciosa também momentos que abrem oportunidades. A gente sempre fala do quão especial é essa oportunidade que o grupo africano abriu no âmbito das Nações Unidas ao trazer para a mesa de discussão, uma convenção marco sobre a tributação. Essa é uma oportunidade que não se pode perder porque a gente sabe que em política internacional o cenário pode mudar rapidamente. O segundo ponto que a gente vê como otimista, foi muito importante ver a forte unidade que o grupo de países africanos teve nesse espaço, mas também ver como que outros espaços como a plataforma latino-americana estão também fortalecendo essas redes e essas posições comuns. Um ponto muito importante que levou a que a nova ordem econômica internacional tivesse problemas foi justamente a fragmentação de vários países do sul global, enfim. Eu acho que um ponto que dá para construir bastante em torno disso, é encontrar pontos e linhas de cooperação entre países que não são tão óbvias ou que estão atravessadas por dinâmicas que não soam Sul-Norte global, mas que têm agendas comuns. Então, se a gente acompanha o que os países disseram em Nova Iorque e nos textos que eles enviaram para o comitê sobre as opiniões, a gente vê que alguns dos problemas que a gente enfrenta hoje em dia, crise climática ou por exemplo a questão da tributação dos super ricos não são preocupações que afligem só o sul global, São preocupações que estão presentes em vários países do norte global também como por exemplo a França, a Alemanha enfim, sãovárias as possibilidadesde construir coalizões que atravessam as coalizões existentes.

Grazi: E por falar em aprender com dinâmicas que já aconteceram nas Nações Unidas…

Raimundo Quilombo: Meu nome é Raimundo Quilombo, eu moro no Quilombo Rampa, que fica a 27 quilômetros da cidade de Vargem Grande, no estado do Maranhão. Eu fui para Dubai para participar da COP28, que é a Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas. Eu entendi que a COP não era um lugar, um espaço acessível para a gente, principalmente nós que somos de comunidade quilombola, comunidade indígena, povos de comunidade tradicional no geral. Eu acredito que a COP ideal seria uma COP que a gente, enquanto comunidade, pudesse não estar apenas dentro do debate. Mas estar pautando todo o debate, porque a gente que entende e vive essa realidade de saber onde é que dói, de saber como preservar, de saber como a natureza é importante para a gente. Então eu acredito muito que a COP ideal seria essa participação em massa das comunidades, dos povos e comunidades tradicionais, como tomadores de decisões, de dizer, olha, a gente quer montar isso aqui, a gente quer fazer isso aqui, e ir para frente mesmo, a gente como os articuladores, os fazedores de todo esse processo, e o sistema capitalista entraria só com o dinheiro: está aí, o recurso para vocês gerirem como vocês quiserem.

Grazi: O Raimundo deu o exemplo do que ocorre na Conferência Internacional sobre as mudanças climáticas da ONU. Como você avalia esse aspecto da participação das pessoas afetadas pelas regras definidas e de ter poder para decidir na construção da Convenção tributária da ONU, Florencia?

Florencia: Um ponto de partida é que as Nações Unidas são incomparáveis em termos de transparência e inclusividade de outros fóruns que a gente tinha anteriormente para tratar temas tributários. Mas, estar presente nem sempre significa ter uma influência efetiva, ou ser ouvido, ou de fato que todos os atores que têm que ser ouvidos consigam ser ouvidos.  Então, é muito importante, e aí também é uma tarefa para a sociedade civil, participar desses espaços de forma coordenada, muito importante que todos os atores que queiram participar desse processo o façam, porque é análogo às primeiras negociações em torno da convenção marco para mudança climática das Nações Unidas. Eles vão definir, provavelmente, a cara da cooperação em temas tributários para os próximos 20, 30, 40 anos. Então, acertar e ter certeza que todo o processo que está acontecendo agora ocorre da forma mais inclusiva, mais justa e mais participativa possível é fundamental.

Dani: Quais são as expectativas da Tax Justice Network a respeito dos resultados  desses nove dias históricos, que correspondem ao primeiro, de dois turnos, de elaboração dos termos de referência para a Convenção Tributária ?

Florencia: Eu sou uma pessoa que tende a ser bastante otimista com o que está sendo negociado, o nível de transparência que a gente está tendo no âmbito dessas negociações permite a gente ver que existem muitos mais pontos de encontro sobre a possibilidade de construir um instrumento que seja progressivo.

Eu acho que essa convenção tem a possibilidade de entregar para os povos do mundo inteiro um marco tributário internacional adequado para as nossas necessidades.

Grazi: E o segundo turno de elaboração e negociação dos termos de referência da Convenção Tributária, em agosto de 2024, poderá ser ainda mais intenso e relevante. Isso porque na primeira rodada, os países “mais ricos” fizeram de tudo para fazer o processo ser o mais lento possível e assim obstruir o pogresso, porque eles não querem se comprometer com o que os países do sul global estão demandando.

Sergio: É importante que os estados mais ricos da OCDE entendam que uma convenção desta natureza é beneficiosa para todos os países. E eles também perdem quando se perde recursos produto dos abusos fiscais, que afeta as suas populações. Então, se eles persistem em desenvolver tácticas de obstrução para retardar o processo, eles não vão estar defendendo os interesses de suas próprias populações. É importante que, na segunda fase da negociação, os estados participem de boa fé no processo e se abstenham de incurrir em táticas de obstrução que vão prejudicar as populações que estão esperando soluções de um espaço como as Nações Unidas.

Grazi: Com a liderança estratégica e diplomática da União Africana, em 2023 se conseguiu aprovar na ONU uma Resolução para realizar a Convenção marco de tributação internacional. Seus primeiros nove dias históricos foram marcados pela elaboração dos termos de referência, isso é, dos modos de trabalho, de tomada de decisão e de conteúdo a ser trabalhado.  Em agosto de 2024 será a segunda rodada para fechar os termos de referência e levá-los para votação na Assembléia Geral da ONU no fimdo ano. Se aprovado é que se começará o trabalho de construção da Convenção Tributária de fato.

Mais do que nunca, é hora de revisar os posicionamentos atuais dos nossos países nos espaços de construção da Convenção Tributária da ONU e demandar que eles defendam um sistema tributário internacional realmente equitativo, inclusivo e justo, com adequadas regras de tributação, onde todos os países tenham direito de tributar os mais ricos e as grandes corporações. Além de garantir que ao final do processo passe a existir de maneira permanente na ONU um organismo tributário intergovernamental com prerrogativa de tomar decisões vinculantes. Também é importante que países do Sul e do Norte global possam acessar aos recursos arrecadados, para garantir os “sonhos de políticas públicas” das pessoas do mundo todo, como nossas ouvintes nos contaram ao longo desse episódio.

Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.

Dani: Te desejo uma excelente continuação de manhã, tarde ou noite… Abraço fraterno e até o próximo!Transcrição_61 – É da Sua Conta


Outras Fontes

1

Discurso de Kwame Nkrumah para unir a África (em inglês)

2

Entrevista com Michael Manley (em inglês)

3

Resumo da TJN sobre os primeiros dias históricos de negociação da convenção tributaria na ONU (em inglês)

4

Artigo de Adom Getachel sobre a liderança jamaicana na luta pós-colonial contra a exploração (em inglês)

5

50 anos da Nova Ordem Econômica Internacional (em inglês)
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#59 Primeiro justiça fiscal, depois flores!
Nós mulheres somos triplamente penalizadas: jornadas múltiplas de trabalho, recebemos menores remunerações e pagamos mais impostos dos que os homens, proporcionalmente. E é por isso que neste mês em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres, o episódio #59 do É da Sua Conta tem como tema a Justiça Fiscal como instrumento para acabar com a desigualdade de renda e riqueza entre homens e mulheres.
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#58 Mudanças tributárias nas nossas mãos
O fim do sigilo sobre privilégios fiscais de grandes corporações no México, a revogação de um imposto injusto sobre os combustíveis na França, uma administração tributária mais transparente na Guatemala. Em comum está o fato destas medidas ocorrerem após ações bem sucedidas de pessoas, movimentos populares e organizações da sociedade civil.Estas e outras histórias de justiça fiscal nas mãos das pessoas então no livro Taxing Journey, How Civic Actors Influence Tax Policy (Jornada Tributária, como atores da sociedade civil influenciam a política tributária), organizado por Paolo de Renzio. No episódio #58 do É da Sua Conta, Paolo comenta os cinco elementos observados por ele nestas ações e que foram estratégicos para atingir o sucesso.
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#57 Monopólio = fábrica de desigualdades
Monopólios são muito mais poderosos do que definem os dicionários. Para além do domínio econômico, possuem forte influência nas decisões políticas nacionais e internacionais, ampliam as desigualdades trabalhistas, sociais e até mesmo o grau de insegurança nas ruas. Também tornam impossível a subsistências das pequenas empresas.São os monopólios que tomam as decisões sobre os alimentos que comemos, os remédios e agrotóxicos que ingerimos, a distribuição, uso e venda de nossos dados pessoais e das informações que recebemos, falsas ou verdadeiras. Por que os monopólios são tão prejudiciais para a sociedade e como conter o poder abusivo destas gigantes corporações?
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