#53 Contaminou mais? Paga mais!
#52 Convenção na ONU pode conter $480 bi de abusos fiscais
#54 Como impostos podem promover reparação
Convidadxs

Poluição por combustíveis fósseis; contaminação do solo, rios, animais e vida humana por agrotóxicos. Tabaco, bebidas alcoólicas e ultraprocessados que prejudicam a saúde. A tributação pode colaborar para desincentivar estas e outras práticas nocivas.

O episódio #53 do É da Sua Conta explica como funciona a reprecificação com o imposto seletivo, ferramenta que, se bem desenhada, pode diminuir o efeito da crise climática, melhorar a saúde das pessoas e combater desigualdades. Grandes corporações, que contaminam mais, devem contribuir mais!

  • Reprecificação: Florencia Lorenzo, da Tax Justice Network, explica como a reprecificação, um dos  5 “Rs” da justiça fiscal pode contribuir no combate à crise climática, na promoção de uma alimentação mais saudável e no desincentivo de outras práticas que fazem mal à saúde e ao meio ambiente.
  • Bob Michel (TJN) traz evidências científicas de que imposto seletivo desincentiva práticas nocivas, como o tabagismo, na Europa.
  • Reforma tributária no Brasil deve ser sustentável e prever transição para economia menos poluente através de impostos seletivos para combustíveis fósseis e agrotóxicos, comenta Mateus Fernandes, do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
  • Imposto seletivo para bebidas alcoólicas e ultraprocessados devem constar da reforma tributária brasileira. A proposta é da ACT Promoção da Saúde e Marcello Baird acredita que o projeto de lei que tramita no congresso nacional pode estar entre  os pioneiros no mundo se for aprovado com estas medidas.

“Trata-se de tentar mudar o comportamento de grandes empresas, de grandes fundos de investimentos, para reorientar a economia para que quando façam suas decisões econômicas, levem em conta também o custo social dessa decisão de investimento.”
Florencia Lorenzo, Tax Justice Network

“Nos países europeus, a introdução do imposto seletivo sobre o consumo de cigarro onde esse tipo de imposto era uma novidade reduziu  nitidamente o número de fumantes.”
Bob Michel, Tax Justice Network

“Qual é a nova revolução verde que a gente precisa fazer? Vai continuar sendo baseada em agrotóxicos, que recebem algo em torno de R$ 350 bilhões de incentivos por ano?”
Mateus Fernandes, Instituto Democracia e Sustentabilidade

“Imposto seletivo é uma medida super importante para desestimular o consumo de ultraprocessados. Há inúmeros dados que mostram como esses produtos são prejudiciais à saúde das pessoas, causando mortes e adoecimentos”
Marcello Baird, ACT Promoção da Saúde

É da sua conta é o podcast mensal em português da Tax Justice Network. Coordenação: Naomi Fowler. Dublagens: Zema Ribeiro. Produção e apresentação: Daniela Stefano e Grazielle David. Download gratuito. Reprodução livre para rádios.

Transcrição

Abertura + Sobe BG

Grazielle David: Oi, boas vindas ao É da sua conta, o podcast mensal sobre como consertar a economia para que ela funcione para todas as pessoas. Eu sou a Grazielle David.

Daniela Stefano: E eu a Daniela Stefano. O É da sua conta é uma produção da Tax Justice Network, Rede Internacional de Justiça Fiscal. Você encontra a descrição completa e pode ouvir os episódios anteriores em www.edasuaconta.com e nos mais populares tocadores de áudio digital.

Sobe BG

Dani: (barulho de abrir garrafa de cerveja) Grazi, você sabe destrinchar o valor de uma cerveja? Digo, quanto do valor é a produção e quanto de impostos?

Grazi: (barulho de teclado digitando) Hum, essa eu consigo responder com uma pesquisa rápida…

Ah, achei: a garrafa de 600 ml pode custar perto de 15 reais, considerando as marcas mais comercializadas. Quase metade desse valor é tributo. E são vários impostos: PIS, PASEP, COFINS, ISS, ICMS, Imposto de renda e IPI.

Dani: Nossa, que sopa de letrinhas de impostos! E qual destes é parecido com o Imposto Seletivo?

Grazi: No Brasil, o Imposto sobre Produtos Industrializados é muito usado com os mesmos objetivos do imposto seletivo em outros países.

Ou seja, além de promover arrecadação, com o aumento do imposto também desincentiva práticas que podem causar mal, como álcool, ultraprocessados, energias não renováveis;

Ou incentivar uma prática boa, como o consumo de alimentos orgânicos ou energia renovável.

Quer entender como o imposto seletivo pode ser importante em tempos de crise climática e para melhorar a saúde da população? Então segue ouvindo o episódio #53 do É da Sua Conta.

BG

Dani: Para promover a justiça fiscal, a Tax Justice Network defende os 5 R’s da tributação. O primeiro é o que todo mundo conhece – receita, que é quanto o governo pode arrecadar.

O segundo é sobre a Redistribuição, para reduzir as desigualdades; Depois vem a Representação, para construir processos democráticos mais saudáveis, entre governos e contribuintes; E o mais recente R é a Reparação aos países historicamente explorados como colônias, inclusive por meio da tributação. Mas o R deste episódio é o da Reprecificação, para limitar comportamentos prejudiciais, como o consumo de tabaco e as emissões de carbono.

Grazi: Dentre as suas funções a reprecificação pode contribuir no combate à crise climática, na promoção de uma alimentação mais saudável e no desincentivo de outras práticas que fazem mal à saúde e ao meio ambiente. Quem comenta a importância da reprecificação é Florencia Lorenzo, pesquisadora da TJN.

Florencia Lorenzo: Então, quando a gente está falando de imposto sobre carbono ou imposto sobre o consumo, a gente está justamente propondo essa ideia de que existe um custo na produção e no consumo, e nos efeitos nocivos do carbono que não está sendo inserido quando você consome, por exemplo, como uma empresa utiliza gasolina, ou quando, enfim, um investidor investe num determinado setor da economia que é altamente poluente. O mecanismo de reprecificação justamente tenta dar conta dessa falha de mercado, que é uma falha de eficiência do mercado.

Dani: Quem é contra o imposto seletivo ou a reprecificação costuma dizer que ele distorce a economia…

Florencia: Então, se o mercado é um mecanismo em sociedades que adotam economias de mercados para precificar diferentes bens e serviços, qualquer aluno de economia vai entender muito claramente essa ideia do conceito de falhas de mercado, que é quando os mecanismos de alocação de custos ou ganhos do mercado não dão conta de inserir determinados preços que são, de outra forma, compartilhados pela sociedade.

Grazi: Pra você que não é estudante de economia: digamos que existam produtos que têm um custo social ou ambiental ao coletivo e não apenas ao indivíduo. É o caso, por exemplo, de soja, que é uma comoditie comercializada no mercado internacional, mas não inclui no preço o custo ao meio ambiente e às populações tradicionais no entorno, que são contaminadas. De fato, melhor seria que não houvessem esses monocultivos que, na verdade, apenas fazem com que as grandes empresas do agro sigam tendo lucro, sem se preocupar com a vida.

Dani: E enquanto a humanidade não mudar de sistema e partir para a produção de bens que, de fato, favoreçam a vida e respeitem o meio ambiente, é preciso pensar em mecanismos como a reprecificação. E já que o mercado não consegue inserir o custo do dano ao meio ambiente e a vida no preço do produto, o Estado deve inseri-lo por meio do imposto, para que com o valor arrecadado, possa compensar esse custo, por exemplo aumentando o financiamento para o SUS ou promovendo a limpeza dos rios.

Florencia: A gente está falando também de tentar mudar o comportamento de grandes empresas, de grandes fundos de investimentos, para reorientar a economia para que eles, quando eles fazem as decisões econômicas deles, eles levem em conta não apenas o custo que o mercado falou que determinado bem tem, mas também o custo social dessa decisão de investimento.

Grazi: É importante desenhar bem as regras de implementação deste tipo de imposto, para que possam também lidar com as desigualdades sociais.

Florencia: As maiores contribuições para a poluição e para a crise climática atual não são os setores mais vulneráveis da sociedade, são aqueles indivíduos mais ricos, aquelas grandes empresas, inclusive aqueles países do norte global. Então, por exemplo, existem algumas experiências de algumas províncias ou países que têm devolvido os impostos arrecadados para as parcelas mais vulneráveis da população, justamente para tentar lidar com o potencial impacto de regressividade que esses impostos podem ter.

Dani: Impostos Seletivos podem contribuir para diminuir os efeitos da crise climática. Mas, são suficientes?

Florencia: Dada a magnitude e a escala da crise climática, a gente não pode achar que apenas esse mecanismo de reprecificação vão dar conta de lidar e arrecadar para a escala da transformação estrutural que a gente precisa ver acontecer, né? Por isso a gente sempre fala da necessidade de pensar outras ferramentas de arrecadação que sejam muito progressivas, como o imposto sobre a riqueza, ou melhorar os impostos de renda sobre pessoas jurídicas, justamente para conseguir os fundos necessários para bancar essa transição.

BG

Grazi: Os impostos seletivos são uma prática antiga na Europa. Atualmente, eles são aplicados em três grupos de produtos: álcool e bebidas alcoólicas; energia – gasolina, diesel; e tabaco. Bob Michel, pesquisador da Tax Justice Network:

Bob Michel: Estes impostos seletivos sobre o consumo devem ser pagos quando um produto abrangido pela tributação é produzido dentro da União Europeia ou quando é importado de outro país. E é importante notar que a União Européia não cobra impostos, apenas os estados membros cobram impostos. Mas a União Européia tem competência para harmonizar as regras que se aplicam a todos os países membros.

Dani: No caso dos impostos seletivos existe um explícito objetivo de harmonização entre os países europeus. Isso porque as distâncias entre um país e outro são relativamente pequenas e as fronteiras entre países membros são livres para circulação. Se um país decidir tributar com imposto seletivo um produto, e o país vizinho não decidir o mesmo, haverá um incentivo para que os cidadãos do primeiro país passem a comprar no outro país, por exemplo.

Bob: Por essa razão, a União Europeia interveio e criou um sistema uniforme de impostos seletivos sobre o consumo para estes três grupos de produtos que mesmo antes da União Europeia existir já tinham impostos especiais. Portanto, não é que a União Europeia tenha escolhido em nome dos Estados-Membros quais os produtos que estão sujeitos a impostos seletivos de consumo. Com a harmonização, a União Europeia apenas estabelece o imposto especial de consumo mínimo e os países são livres de subir essa taxa e, na prática, há países que fazem isso.

Grazi: Isso significa que as alíquotas do imposto seletivo sobre um determinado produto podem variar muito entre os países da Europa.

Bob: Por exemplo, um maço de cigarros, com 20 cigarros, o imposto mínimo é de um euro e 80 centavos. E países como a Polônia, Portugal e Bulgária tendem a manterse no nível mínimo. Outros países, como a França e a Irlanda, têm uma política que vai muito além do nível mínimo. Assim, a Irlanda, por exemplo, cobra um imposto seletivo de consumo não inferior a 8 euros e 85 centavos sobre cada maço de cigarros. Isso é quase cinco vezes mais que a taxa mínima.

Dani: Como o preço do cigarro, por exemplo, é formado para consumidores na Europa?

Bob: Vamos considerar esse maço de cigarros: começa com o preço de varejo que é de 70 centavos líquidos de impostos. Depois, há o imposto seletivo de consumo mínimo de um euro e 80 centavos. Juntos são 2 euros e 50. E é isso. Assim, o preço de varejo mais o imposto seletivo de consumo constitui a base para o Imposto de Valor Agregado que é cobrado além disso. Isso significa mais 50 centavos. Isso representa mais de 300% de imposto sobre o produto. E você poderia dizer que isso é meio excessivo. Mas, este tipo de excesso é uma característica dos impostos seletivos de consumo porque são cobrados sobre estes produtos que normalmente têm enormes externalidades negativas associadas ao seu consumo.

Grazi: É a mesma coisa no caso de bebidas alcoólicas?

Bob: Existe um imposto seletivo mínimo sobre o consumo de três centavos de euro para bebidas com alto teor alcoólico ou um valor superior para altos teores. Mas os três centavos de euro são o mínimo. O mínimo é cobrado, por exemplo, na Espanha e na Alemanha.Mas a Finlândia é conhecida por cobrar impostos seletivos de consumo extremamente elevados sobre o álcool.

Dani: E no caso de combustíveis fósseis?

Bob: Sobre combustíveis fósseis, mesma história. 36 centavos de euro por cada litro de gasolina é o mínimo. 33 para diesel, um pouco menos. Na prática, os países tendem a aplicar um imposto seletivo de consumo mais baixo sobre o diesel do que sobre a gasolina na Uniao Europeia. Países como a Hungria, Malta e a Polônia limitam-se ao mínimo. Do outro lado do espectro, países como a Holanda e a França, tendem a cobrar impostos seletivos de consumo muito mais elevados, de até 80 centavos por litro.

Grazi: Os impostos seletivos têm sido capazes de alterar comportamento nos consumidores na Europa?

Bob: A resposta é um pouco complicada por vários motivos. Em primeiro lugar, os países da Europa cobram impostos seletivos de consumo não apenas para tributar estes “maus” comportamentos, mas também porque geram uma quantidade razoável de receitas fiscais. Por exemplo, o imposto sobre o tabaco na Europa gerou em 2017, mais de 80 bilhões de euros e isso é uma boa fonte de receitas estável. Assim, os países em geral gostam de atribuir um preço à externalidade negativa, mas não o atribuem de qualquer forma. Eles gostam de recuperar o custo das externalidades, mas também são a favor do ganho adicional de tributar não a um nível excessivo para não erradicar completamente o mau comportamento.

Dani: No caso de energia falta uma política mais consistente…

Bob: Portanto, as isenções fiscais pra utilização de combustíveis, por exemplo, a isenção de imposto de renda aos automóveis de empresas ou outros exemplos, como a isenção para a utilização de produtos petrolíferos para o aquecimento de casas: este tipo de utilização tem uma taxa de imposto seletivo de consumo mais baixa. Isto torna muito difícil avaliar se os impostos seletivos de consumo funcionam, porque é uma espécie de jogo, por um lado, punir a utilização destes produtos com impostos seletivo, por outro lado incentivar com isenções.

Grazi: Grandes corporações seguem sendo beneficiadas por incentivos fiscais e, desta forma, neutralizam o objetivo final do imposto seletivo. Porque por um lado estão os impostos seletivos que aumentam o preço pra inibir o consumo, mas por outro, o Estado incentiva a produção de combustíveis fósseis e poluentes, ou de outros produtos que fazem mal para o meio ambiente ou a saúde. E qual é a evidência científica de que os impostos seletivos funcionam para alterar comportamentos no consumo?

Bob: Pesquisa realizada pela Comissão Europeia concluiu que os impostos seletivos de consumo sobre o tabaco são poderosos para reduzir o número de fumantes. Vimos que nos países europeus onde este tipo de imposto seletivo sobre o consumo era uma novidade, a introdução do imposto reduziu claramente o número de fumantes. Nos países onde existia uma tradição anterior de impostos seletivos de consumo razoavelmente elevados sobre os produtos do tabaco, não há um aumento, nem uma redução contínua do número de fumantes. Dani Então, sim, existem evidências científicas de que os impostos seletivos reduzem o consumo de tabaco, sendo realmente úteis em estimular comportamentos melhores para a saúde e o meio ambiente.

BG

Grazi: E estes são alguns dos motivos que organizações que lutam por justiça fiscal e social acreditam que seria importante incluir um imposto seletivo no Brasil, e a hora é agora, já que a reforma tributária sobre consumo está tramitando no Congresso Nacional.

Dani: Se você é novo ouvinte, talvez ainda não tenha escutado o episódio 5 do É da Sua Conta, que foi dedicado à reforma tributária sobre consumo, que já estava sendo discutida no congresso naquela época.

O episódio foi ao ar em setembro de 2019 e desde lá a Reforma Tributária ainda não se efetivou no Brasil.

Se quiser entender mais o que vai mudar na reforma que está agora tramitando no.

Senado, ouça o episódio #5 do É da sua Conta em www.edasuaconta.com

BG

Grazi: Voltando ao tema deste episódio #53, para organizações e movimentos sociais, a reforma deveria avançar na chamada Tributação 3S: saudável, solidária e sustentável.

A solidariedade a gente já falou em vários episódios, sobre a necessidade de progressividade tributária, isso é, que quem tem mais, deve contribuir com mais.

Agora vamos focar na questão de ser saudável e sustentável.

Dentro da proposta do S da sustentabilidade, propõe-se vetar a concessão de benefícios para atividades poluentes e nocivas à saúde, incluindo os agrotóxicos.

E para fazer efeito, quem polui mais, deve contribuir com mais.

Quem explica é o Mateus Fernandes, assessor de advocacia e situação ambiental no Instituto Democracia e Sustentabilidade:

Mateus Fernandes: Quem ganha mais termina fazendo parte na grande maioria das vezes, do mesmo grupo dos que poluem mais. Não é à toa que a gente percebe, por exemplo, os padrões de consumo no mundo: Os países desenvolvidos, ou seja, aqueles países que têm mais dinheiro. Geram muito lixo, produzem muita porcaria, terminam poluindo mais a atmosfera.

Dani: E por falar em poluição na atmosfera, como a tributação lida com os combustíveis fósseis, já que seguem sendo muito utilizados?

Mateus: Quando a gente pensa em combustível fóssil, por exemplo, o diesel que precisa para o ônibus funcionar e levar as pessoas para o seu local de trabalho, que o cara da moto precisa fazer a sua entrega, que o passageiro de um táxi precisa para poder ir de um lugar para outro no carro, a gasolina, o álcool. Sim, são necessários. Mas ao mesmo tempo, são bens que nos últimos 100 anos, pelo menos tiveram incentivos fiscais da ordem de 600 bilhões com B de bola.

Grazi: Isso é o equivalente a 121 bilhões de dólares em renúncias fiscais.

Outro setor poluidor que também recebe muito subsídio desde a década de 50 do século passado é o de agrotóxicos:

Mateus: Na década de 50, que você precisava reverter todo o maquinário, todo o aparato que foi criado para produzir bomba, armas de guerra, tanques e tudo isso, precisou ser convertido no final da guerra para produzir outra coisa. O que produzia químicos para as armas, vai ter que produzir agrotóxicos, vai produzir fertilizante. E agrotóxico para poder impulsionar as lavouras do mundo inteiro, esse setor então precisou ter um investimento maciço do estado. Chegamos no século XXI. Será que ainda precisa? Fizemos a revolução verde lá na década de 50 do século passado, qual que é a nova revolução verde que a gente precisa fazer? Ela vai continuar sendo baseada em agrotóxicos que recebem algo em torno de 300, 350 bilhões por ano?

Dani: Ou seja, o Brasil renuncia cerca de 70 bilhões de dólares por ano da indústria de agrotóxicos.

Grazi: Enquanto isso o uso intensivo do veneno em monocultivos de soja, por exemplo, prejudicam o solo, a água, os animais e a vida humana.

Antônia, agricultora ribeirinha brejeira no Sul do Piauí: Antônia fala sobre a água que consomem na comunidade, a única que possuem pra beber e que está contaminada com agrotóxicos, com cheiro de carrapato. E que o veneno vem das fazendas onde se produz soja e se utiliza muito agrotóxico, também por pulverização aérea.

Dani: A Antônia faz parte de uma comunidade ribeirinha-brejeira no Sul do Piauí, vizinha de grandes empresas do agro que produzem soja em larga escala.

Grazi: De fato, é preciso desincentivar produtos nocivos às pessoas e ao planeta.

Mateus: Quando a gente fala de grandes corporações não é exatamente a regra, mas quase que naturalmente elas são também por serem grandes corporações, são grandes empregadoras. Tem muita gente que trabalha e depende mesmo, que indiretamente dessas grandes corporações. Então todos os trabalhadores que estão associados aos combustíveis fósseis, por exemplo, do ramo automobilístico também são impactados quando eu mudo o uso desse combustível.

Dani: E como fazer a transição de uma economia poluidora para uma economia sustentável?

Mateus: A gente precisa pensar que a transição Justa, ela diz respeito não só a mudança do sistema produtivo, mas também do sistema de geração de emprego e renda. Então eu preciso pensar que um setor preocupado e interessado na sustentabilidade, ele também vai gerar empregos sustentáveis.

BG

Grazi: Dentro da proposta dos 3S para uma reforma tributária a ACT, Promoção da Saúde, é uma das principais organizações responsáveis pela redação das propostas de tributação de produtos que fazem mal à saúde no projeto de lei da reforma tributária no Brasil.

Marcello: E aí entra uma das nossas principais propostas, que é a do imposto seletivo. Ou seja, ter um imposto especial, específico, sobre produtos que são prejudiciais à saúde das pessoas.

Dani: Quem explica é o Marcello Baird, da ACT.

Marcello: Com essa reforma tributária, uma nova alíquota geral para todos os produtos, mas para aqueles que são nocivos, a gente quer e acredita que precisa ter uma tributação extra, em linha, basicamente, com o que a gente tem no resto do mundo.

Grazi: O Brasil já possui um imposto mais alto para o tabaco e é referência global no tema de combate ao tabagismo.

Marcello: A gente quer seguir o exemplo do tabaco para bebidas alcoólicas, para alimentos ultraprocessados. No caso dos alimentos ultraprocessados, inclusive, o Brasil pode ser um pioneiro se a gente conseguir emplacar, porque já tem várias experiências no mundo, são muito pontuais, ou pega alguns tipos de alimentos, ou bebidas açucaradas, a gente está buscando uma regulação mais ampla. E essa é uma medida super importante para desestimular o consumo, porque, enfim, há inúmeros dados que mostram como esses produtos causam males à saúde das pessoas, causam mortes, causam adoecimentos, né?

Áudio Prato Cheio

Dani: O episódio Ultraprocessados, uma relação tóxica, do podcast Prato Cheio explica os efeitos nocivos deste tipo de produto. O link está na descrição deste episódio do É da Sua Conta.

Grazi: Voltando ao imposto seletivo, a ACT também tem proposta para a utilização do recurso arrecadado:

Marcello: Vincular os recursos seletivos ao SUS, porque a gente também tem uma forma de compensar os gastos que a sociedade como um todo tem ao cuidar das pessoas que adoecem com esses produtos.

Dani: E como essas propostas têm sido recebidas por parlamentares?

Marcello: De maneira geral, acredito que haja uma recepção positiva em relação ao imposto seletivo. Acho que as pessoas entendem que é preciso realmente desestimular o consumo de certos produtos. Eles não podem ser tratados da mesma forma que outros. Mas, obviamente, tem uma pressão muito grande das indústrias e, portanto, assim, apesar de ter uma aceitação geral, a gente vê vários discursos aqui ou ali contra, ou se não buscando excluir completamente o imposto seletivo, que seria realmente muito ousado de se fazer, mas tem vários parlamentares ali provocados pela indústria que vêm tentando ou já prever exceções ou um teto.

Grazi: Empresas como a Coca Cola ou a Nestlé e Ambev podem não gostar da proposta de impostos seletivos….

Marcello: Esses interesses específicos setoriais vão aparecendo tanto no discurso quanto nas proposições. Isso é o que nos preocupa. Embora agora, durante o debate da PEC em si, a gente não vai especificar os produtos, isso vai ficar para regulamentação no ano que vem, mas é importante garantir que no Senado, agora seja aprovada a criação do seletivo, da mesma forma como foi na Câmara, que é sem exceções.

Dani: Um dos argumentos para essas propostas de isenção é para proteger produtos nacionais.

É o caso de espumantes e vinhos nacionais que estão se destacando no mercado e, que, embora sejam bebidas que fazem mal à saúde, há quem opine que a produção nacional poderia ser fortalecida se estas bebidas alcoólicas nacionais ficarem de fora do imposto seletivo. O que você acha?

Marcello: O argumento central é tudo bem dar estímulos para alguns setores e a reforma prevê isso. Só que nos setores que trazem malefícios para a saúde, impactos para a população como um todo, que todos nós estamos pagando por esses prejuízos à saúde, ali você precisa ter um sentido específico a mais para que o preço final do produto reflita o dano que ele causa para a sociedade.

Grazi: No dia da votação na Câmara dos Deputados, foi inserido na Proposta de Emenda Constitucional da reforma tributária, um artigo que diz que determinados produtos com a alíquota reduzida no novo Imposto sobre Bens e Serviços não poderá ser tributado com o imposto seletivo.

Nesse momento, diversos produtos já estão nessa alíquota reduzida do IBS, como saúde, educação, transporte público, alimentos, e também insumos agropecuários que podem ser agrotóxicos.

Ou seja, esse texto aprovado pelos deputados permite que agrotóxicos não sejam tributados com o imposto seletivo.

Marcello: Isso é muito grave, isso foi uma brecha que foi colocada ali, certamente em benefício da indústria e por pressão da indústria, e aí se a gente tiver algum alimento que faz mal à saúde, como um ultraprocessado, um agrotóxico ali, que já seria um absurdo estar recebendo uma alíquota reduzida, ele além de tudo, por essa emenda que foi feita, por esse acréscimo que foi feito, ele não vai poder constar no seletivo, então ele vai ter benefício e não vai poder ter o imposto extra, então essa é uma medida que apareceu aí, que nos preocupa muito, que a gente espera que o Senado corrija.

Dani: E qual a possibilidade dessa reforma tributária ser aprovada em breve e com essas medidas corrigidas pelo Senado?

Marcello: Eu estou esperançoso que a gente consiga, assim, aprovar uma reforma que tenha a previsão do imposto seletivo sem nenhuma exceção, eu acho que isso é bem factível, mas precisa estar atento, porque, assim, tem uma movimentação muito grande para trazer exceções ou até para barrar o seletivo, então, acho que com a sociedade civil pressionando, acho que a gente pode ter um bom resultado até o final desse ano, sim, para já pensar na regulamentação no ano que vem, para poder aí, sim, discutir o quão avançado o Brasil vai estar, quais produtos que a gente vai tributar e com quais alíquotas.

BG Fechamento

Grazi: Os impostos seletivos são importantes para promover mudanças comportamentais no consumo, e estimular práticas que promovam a proteção ambiental, como isenção fiscal para energias limpas ou aumento da alíquota da tributação de energia não renovável.

Também pode promover a alimentação saudável, barateando produtos orgânicos e aumentando a alíquota para produtos ultraprocessados e agrotóxicos.

Da prática europeia, a conclusão é que o ponto ideal para a maioria dos governos é o que fixa o imposto seletivo sobre consumo num determinado nível para desencorajar a utilização por uma grande parte dos consumidores, mas talvez não todo o consumo, de modo que o imposto também gere uma fonte estável de receitas e permita que os países possam investir em políticas públicas que garantem direitos e promovem transições justas.

Por isso é muito importante que a atual reforma tributária sobre o consumo no Brasil inclua um imposto seletivo, muito bem desenhado, para alcançar seus objetivos e que também possa diminuir desigualdades sociais: quem polui mais, contribui com mais.

Então, o que podemos fazer para que as propostas da Reforma 3S sejam incorporadas à atual reforma tributária? Quem responde é o Mateus Fernandes, do Instituto Democracia e Sustentabilidade:

Mateus: Quem estiver escutando a gente, o foco é basicamente em três pessoas. Quem são os senadores do seu estado? Aí a gente pensa assim: putz, mas eu não tenho organização, não sei brigar por isso, não estou envolvido nesse tema. As grandes corporações estão organizadas. As confederações da indústria, agropecuárias estão organizadas e elas estão participando das audiências públicas, indo lá no congresso.

Ah, mas eles têm grana, eles conseguem viajar, eles conseguem pressionar.

Sim mas o seu senador ele volta pro seu estado. Você já procurou ir lá e levar as propostas? Quem quiser conhecer um pouco das nossas propostas, só buscar por reforma tributária 3 S, a gente tem um portal, um site em que as propostas estão ali, vale dar uma lida, pegar um e colocar debaixo do braço e fazer esse segundo movimento da forma mágica que é pressionar os parlamentares.

BG

Grazi: O É da Sua Conta é coordenado por Naomi Fowler. A produção é de Daniela Stefano e minha, Grazielle David. Um abraço e até o próximo.

Dani: Um abraço, que a humanidade consiga suportar as alterações bruscas de temperatura e até o próximo!


Outras Fontes

1

Manifesto Reforma Tributária 3S: Saudável, Solidária, Sustentável

2

Ultraprocessados, uma relação tóxica, podcast Prato Cheio

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#1 Justiça fiscal e aumento da probreza no mundo

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#5 Qual reforma tributária o Brasil precisa?

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